Em vídeos de uma campanha iniciada pelo governo federal na terça-feira 18 em busca de apoio à reforma da Previdência, um locutor lembra, em tom ameno, dos episódios de resistência popular a mudanças históricas, como a Revolta da Vacina e o Plano Real. No mesmo dia, policiais civis de diversos Estados quebravam vidros do Congresso Nacional para pressionar pela manutenção de uma regra diferenciada do restante da maioria, que acabou sendo incorporada pelo relator do projeto, Arthur Maia (PPS-BA). O texto final, apresentado pelo parlamentar horas antes do protesto, afrouxa os pontos centrais de resistência no Legislativo, reduzindo a economia esperada no plano original, enviado em dezembro pelo Ministério da Fazenda.

A nova fase de articulação foi marcada por um ato simbólico, um café da manhã oferecido no mesmo dia a parlamentares pelo presidente Michel Temer no Palácio da Alvorada. A versão mais recente do projeto reduz de 65 anos para 62 anos a idade mínima de aposentadoria para as mulheres. Ambos ainda precisarão ter ao menos 25 anos de contribuição para obter o benefício. A fórmula de cálculo foi alterada para reduzir o tempo necessário ao valor integral da aposentadoria, caindo de 49 anos para 40 anos. Como contrapartida, quem alcançar apenas as regras mínimas, receberá 70% do valor, ante 76% no modelo anterior (leia quadro ao final da reportagem).

Arrepio: após sinais de desgate e revolta da base aliada, o presidente Temer afirmou que este não é o momento de se acoelhar diante das reformas
Arrepio: após sinais de desgate e revolta da base aliada, o presidente Temer afirmou que este não é o momento de se acoelhar diante das reformas (Crédito:Aílton de Freitas (Ag. O Globo))

Não foram só os policiais que conseguiram incluir mudanças de última hora. A pressão da bancada ruralista resultou na desistência de elevar o tempo de contribuição para trabalhadores do campo, que será mantido em 15 anos. A idade mínima para as agricultoras se aposentarem será de 57 anos, acima dos 55 anos atuais. A dos homens da zona rural, que seria elevada para 65 anos, foi mantida em 60 anos. Todas as alterações significam que a Previdência terá um custo adicional de R$ 630 bilhões nos próximos anos, reduzindo a economia prevista no projeto original em 20%. Para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o importante é que o Congresso mantenha mais de 70% da proposta original. “As mudanças não podem comprometer uma percentagem muito grande do plano original.”

As mudanças foram recebidas com ceticismo pelo mercado. A percepção é de que não há mais espaço para flexibilizações. “O que foi apresentado está no limite do desejável”, diz Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil. Com os recuos, haverá necessidade de novas mudanças dentro dos próximos dez anos, acredita Leal. A reforma da Previdência é vista como crucial para a sustentabilidade das contas públicas. Se nada for feito, apenas a despesa com o regime geral, que abrange a maioria das aposentadorias, subirá do patamar de 7,4% do PIB, registrado em 2015, para 17,2% em 2060, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No médio prazo, a falta de uma resolução prejudica os esforços do governo em equilibrar as contas. “O teto de gastos não se sustenta sem a reforma da Previdência”, diz Rogério Nagamine, pesquisador do Ipea. “Quanto mais afrouxar a reforma, mais difícil vai ser respeitar o teto.” Uma simulação realizada pelo analista em contas públicas da Tendências Consultoria, Fabio Klein, mostra que a reforma, combinada com o teto do gasto, pode não surtir o efeito esperado.

Campo de batalha: policiais civis invadem a Câmara dos Deputados para pressionar por regras mais brandas para a aposentadoria do setor
Campo de batalha: policiais civis invadem a Câmara dos Deputados para pressionar por regras mais brandas para a aposentadoria do setor (Crédito:Lula Marques/AGPT)

Os gastos do governo devem recuar dos atuais 20% do PIB para 17% em 2027, quando o teto será revisto. Neste período, a Previdência deve representar 50% das despesas totais da União, enquanto os chamados gastos discricionários, que incluem investimentos e programas dos ministérios, recuariam a 10%, metade do registrado no presente. “A Previdência é o maior gasto e o que mais faz sentido ser controlado”, afirma Klein. “Ela é importante, mas não gera PIB.” As mudanças foram autorizadas pelo governo na tentativa de garantir que a reforma passe no Congresso. Temer e sua equipe têm motivos para se preocupar.

Levantamento realizado pelo jornal O Estado de S.Paulo aponta que 276 dos 513 deputados são contra a proposta do governo, 45% deles da base aliada, enquanto apenas 100 são favoráveis. Por ser uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o texto precisa da aprovação de 308 deputados, três quintos do Plenário, em duas votações. O desafio fica claro diante dos sinais de alerta observados nos últimos dias no Legislativo. Uma votação para requerer urgência na tramitação da reforma trabalhista na terça-feira foi rejeitada pelo Plenário, um sinal de fraqueza do governo, que tem pressa em aprovar o tema. As mudanças nas regras da CLT são vistas como um termômetro para a reforma da Previdência, que sofre mais resistência entre os parlamentares.

O governo virou o jogo na sessão de quarta-feira 19 e aprovou a urgência, mas os sinais de desgaste na relação com o Congresso já haviam levado o presidente Temer a pedir aos parlamentares no café da manhã do Alvorada que não se intimidem. “Há questões das mais variadas, que muitas e muitas vezes visam, digamos assim, a desprestigiar a classe política”, afirmou Temer. “Não podemos nos acoelhar.” Para esfriar os ânimos e recobrar as forças, o governo negociou com a oposição um acordo para adiar para 2 de maio a votação do parecer da Reforma da Previdência. A expectativa é de que o texto vá para análise no Plenário no dia 8 de maio. A solvência do País está nas mãos da vontade da classe política. A recuperação da economia depende disso.

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