Uma vez por mês, a executiva Marcele Lemos, 42 anos, reúne dezenas de funcionários de diversas áreas da multinacional de seguro de crédito Coface para um café. No evento, idealizado por ela, a presidente da empresa realiza uma dinâmica de grupos descontraída. “Nós usamos esse tempo para nos conhecer melhor”, diz. O intuito do encontro é fazer com que as pessoas entendam e respeitem as diferenças entre os funcionários. Para ela, diversidade é a palavra-chave para o sucesso de uma companhia. “Já está comprovado que a diversidade traz uma mudança, um olhar diferente, que chega a aumentar a rentabilidade da empresa”, afirma. Presidente da Coface Brasil desde 2011, Marcele também tem reunido forças para aumentar a representatividade das mulheres no corpo diretivo das empresas no País. Ao lado de outras executivas, ela participa periodicamente de projetos como o Tempo de Mulher, da apresentadora e empreendedora Ana Paula Padrão. “Nós fazemos encontros para pensarmos em formas de mudar um pouco essa discrepância que existe entre homens e mulheres que vemos em cargos de direção no mercado corporativo”, diz Marcele.

O orçamento enviado pelo governo de Michel Temer, no fim de 2018, projetava um crescimento de 2,5% para o PIB deste ano. Hoje, a estimativa é de que cresça menos de 1%. O que aconteceu nesse caminho?
Nós tínhamos uma expectativa muito grande com a reforma da Previdência. Esse era o grande vetor para o crescimento da economia. A reforma passou, mas a esperança era de que isso acontecesse antes, não apenas próximo ao fim do ano. Mas, de qualquer forma, temos de reconhecer que seria difícil para um governo entrar e colocar uma reforma de pé logo de cara. No final, a reforma trouxe boas perspectivas para o futuro. Este ano, o Brasil deve crescer 0,8%. Para 2020, a nossa estimativa de crescimento é de 1,5%. E isso já é um reflexo da reforma da Previdência.

Mas é uma melhora ainda tímida, certo?
Nós acreditamos que é um começo. Depois, as coisas vão melhorar. A projeção de crescimento para o ano que vem já é quase o dobro do que vamos crescer em 2019. Essa agenda do governo, de tentar reduzir a indexação de gastos públicos, também pode ajudar. Há poucas semanas, participei de um fórum no qual conversei com dois grupos de investidores, um americano e outro do Brasil. Eles me disseram que os fundos já tinham dinheiro para colocar no País, mas que tudo dependeria da aprovação da reforma da Previdência. Esses investimentos atrasaram, comprometendo as taxas de crescimento para 2019. Além disso, existem outros fatores interessantes deste governo, como esse esforço de privatização das estatais, que ajuda a combater os índices de corrupção que tivemos de enfrentar num passado recente. São fatores que vão ajudar o desenvolvimento do Brasil.

Quais são os grandes entraves para a economia decolar?
Um dos grandes problemas que nós temos é a infraestrutura. Eu tenho um cliente que fabrica pneu de bicicletas no Amazonas. Seu produto demora 18 dias para chegar ao Sudeste. É muito tempo perdido. E tudo isso acontece por causa de uma infraestrutura ruim e pelo frete alto. Sem falar de outros fatores, como roubos de carga e uma série de coisas, que já entram mais no campo da segurança. Nós temos uma infraestrutura parada no Brasil desde 2014, quando entramos em um momento de recessão. Agora, esperamos que os investimentos voltem. É algo necessário para que a economia do País se aqueça novamente.

Por que o Brasil cresceu menos do que se imaginava em 2018? Quanto disso é culpa da greve dos caminhoneiros?
O fator principal foi a eleição. Muitas empresas seguraram os investimentos que pretendiam fazer. Todo mundo ficou um pouco apreendido com a possível volta do PT. Se isso acontecesse, seria a comprovação de que o que ocorreu no passado poderia voltar. Ficaríamos, inclusive, com uma imagem arranhada internacionalmente. Mas é lógico que a greve dos caminhoneiros também ajudou para que o Brasil não registrasse o desempenho que poderia ter tido.

Recentemente, o governo anunciou a liberação de saques do FGTS inativo. Quão benéfico isso será para a economia?
Nós já vimos alguns outros movimentos de liberação de FGTS no passado. Quando há essa liberação, o consumo aumenta, porque há uma enorme demanda reprimida. É uma ação que tem um impacto imediato em setores ligados diretamente ao consumo. Mas é uma solução de curto prazo, que não resolve o problema do País.

A Bolsa bateu o recorde de pontos este ano. Chegou o momento de o brasileiro investir mais no mercado de ações?
Acho que sim. É uma tendência, pelo que tenho observado. E os bancos que estão surgindo estão mais engajados em oferecer uma educação financeira para a população, seja por meio de programas em estações de rádio ou pela internet. Mas essa mudança acontecerá, principalmente, para os mais jovens. Esse pessoal já vai ter uma cabeça diferente e vai apostar mais nisso.

No período de crise, várias empresas solicitaram recuperação judicial (RJ). Hoje, o cenário é mais otimista?
Esse movimento aconteceu, principalmente, em 2015. Foi quando o número de pedidos de RJ cresceu mais de 50% em relação ao ano anterior. Em 2016, também houve um crescimento de 46% em relação a 2015. Mas, nos anos seguintes, essas taxas caíram, até porque a coisa já estava no fundo do poço. Temos monitorado os dados do Serasa. Até setembro, no período de um ano, nós tivemos uma queda de cerca de 6% em relação ao mesmo período do ano passado. Agora, com a reforma e com esse cenário mais otimista, nós acreditamos que as coisas vão começar a melhorar. A sinistralidade do mercado está em torno de 45%. A Coface, por sua vez, tem uma sinistralidade em torno de 30%, que é muito baixa. Só para ter ideia, uma seguradora trabalha no nível de 45% a 50%. Então, a nossa realmente está muito baixa. Na época da crise, a sinistralidade do mercado foi de 132%. Antes da crise, nós recebíamos uma recuperação judicial a cada quatro meses. Depois, passamos a receber 11 por mês. Era uma coisa louca. Em 2017, o cenário melhorou, tanto que no ano passado o mercado cresceu 34%.

Recentemente, a Coface finalizou a compra da Seguradora Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE). O que muda com isso?
A Coface já detinha 75% da SBCE. O Banco do Brasil e BNDES tinham 12,5%, cada. Nós já estávamos em uma negociação, há uns cinco anos, para comprar os minoritários e ficar com 100%. Isso aconteceu neste ano. A ideia é ter uma só empresa de seguros, fazendo seguro de crédito doméstico e para exportação, além do nosso braço de serviços. O que muda é a questão de custos. Nós acabamos reduzindo custos ao fazer uma integração total entre as empresas. Hoje, eu tenho de pagar duas auditorias externas, por exemplo. E quando as empresas se unirem, será necessário pagar só uma. A nossa pretensão é concluir esse processo até a metade de 2020.

Segundo uma pesquisa do Insper, apenas 26% das empresas brasileiras têm mulheres no cargo de diretoria e 23% têm mulheres em cargos de VPs. Apenas 13% das empresas no País têm CEOs mulheres. O que precisa ser feito para elevar esses números e como a senhora contribui para isso?
Eu participo de alguns grupos de mulheres. Um deles é o Tempo de Mulher, capitaneado pela jornalista Ana Paula Padrão e que conta com várias CEOs de diversos setores. Nós fazemos encontros para discutirmos esses temas e ver de que forma podemos contribuir no mundo corporativo para mudar um pouco essa discrepância que vemos em cargos de direção. Eu faço o meu trabalho no mundo das seguradoras e assim, sucessivamente, cada uma faz o seu melhor para mudar isso. Vejo que muitas empresas, muitas multinacionais estão focadas nessa questão da diversidade. Aí, nós falamos não só de diversidade de gênero, como de uma forma geral: idade, raça, religião etc… A Coface é uma delas, ao lado de tantas outras, como a KPMG, SAP. Esse é um movimento de escala mundial.

Muitas mulheres reclamam que os processos seletivos tendem a priorizar os homens. Como a senhora vê isso?
Um problema que eu vejo muito hoje é, sem querer generalizar, que os homens tendem a escolher outro homem na hora da contratação. Isso é uma realidade. É uma questão cultural, que nós precisamos mudar. Até porque a diversidade traz uma mudança de visão para dentro da companhia. É um olhar diferente, que chega a aumentar a rentabilidade da empresa. Eu me tornei presidente em 2011, aos 34 anos. Hoje, sou convidada para contar um pouco da minha história, da minha experiência, e falar como é ser a primeira mulher presidente de uma seguradora no Brasil, num mercado majoritariamente masculino. Isso ajuda a mostrar para outras mulheres ssque elas também são capazes.