O ceticismo do mercado não é estranho à Dell Technologies. Menos de dez anos depois de ter sido declarada um negócio em decadência, com a popularização dos tablets e dos smartphones numa época em que 70% da receita da companhia dependia de computadores, há um prazer revanchista no otimismo com a operação hoje. Algo como a vitória com o cavalo azarão, embora seja injusto atribuir à sorte a liderança da multinacional, que detém 40% do mercado de computadores domésticos no mundo, segundo a consultoria IDC. “A divisão de PCs, que foi subestimada, está prosperando”, disse Luis Gonçalves, líder da operação na América Latina, sobre o revés do desacreditado segmento na pandemia. Em entrevista à DINHEIRO, o executivo mal tirou o sorriso do rosto. E motivos não lhe faltam: o brasileiro está há pouco mais de um ano à frente da região que, com a América do Norte, conquistou a maior fatia do mercado mundial de PCs no segundo trimestre, encerrado em 31 de julho, com 28% de participação.

No Brasil, a Dell alcançou a primeira posição em todos os setores em que atua no mercado (armazenamento, computadores, infraestrutura hiperconvergente e servidores). Nesse período, a operação latino-americana cresceu 72% contra o ano anterior e gerou US$ 1,1 bilhão em receita líquida, cerca de 4% do total global. “Em toda a sua complexidade, a América Latina vem acompanhando os patamares globais de crescimento da Dell e assumiu posições proeminentes em frentes estratégicas do negócio.”

A marca elevou a venda de computadores em 26% no atual terceiro trimestre ante o mesmo período de 2020, enquanto as remessas no setor cresceram 3,9%, segundo dados da IDC. Chuck Whitten, co-COO global da companhia, comemora. “Sem a Dell nessa equação, a indústria praticamente não cresceu”, afirmou. O executivo entende que o resultado não reflete a variação de demanda, mas o desabastecimento da cadeia de suprimentos. Com o setor aquecido, a falta de semicondutores e escassez de circuitos integrados afeta as entregas no mundo todo. No caso da norte-americana, a escala da operação foi crucial para assegurar negociações com fornecedores e garantir matéria-prima. “Mas o ponto-chave é a integração das equipes de suprimentos e vendas, o que permite redirecionar o consumo de acordo com o que está acontecendo na cadeia.”

A empresa nasceu da proposta de cortar intermediários, desde que seu fundador, Michael Dell, percebeu, em 1985, que a distribuição terceirizada encarecia o valor do produto no mercado em mais de um terço. Ainda que hoje trabalhe com parceiros de vendas, a empresa jamais abandonou as vendas diretas. Pelo contrário. O aumento de investimentos nessa frente deu início a recentes conflitos com parceiros na América do Norte, conforme o time avança para abocanhar uma fatia maior de mercado.

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“Sem a dell na equação, a indústria praticamente não cresceu [no terceiro trimestre de 2021]” Chuck Whitten, co-coo global da Dell.

RECONFIGURAÇÃO Ainda sob a liderança de Dell, hoje presidente do Conselho e CEO, há um entendimento na empresa que o sucesso passado não garante o futuro. Ao fechar capital em 2013 para transformar o próprio negócio, a companhia, que vinha enfrentando a incredulidade de analistas, precisou provar sua capacidade de se manter relevante. Nos cinco anos que se passaram até o novo IPO, em 2018, havia alavancado em 145% a base anual de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e concluído a maior transação da história do mercado de tecnologia com a aquisição da EMC por US$ 67 bilhões. A operação foi um passo decisivo para a virtualização das suas máquinas. Mas o mercado ainda entoava o mantra de que os PCs estavam fadados à morte.

Antes da pandemia, a escalada da cultura gamer ajudou a cessar as suspeitas sobre o segmento ao levar a indústria para outro patamar – de tíquete médio mais alto. Segundo a consultoria Accenture, os gastos dos jogadores com hardwares e acessórios para computadores somam US$ 51,3 bilhões por ano no mundo todo. Entre fevereiro e julho deste ano, a Dell faturou US$ 50,6 bilhões, dos quais 54% correspondem à receita da divisão de hardwares, puxada pela diluição das fronteiras entre as máquinas de uso pessoal e corporativo. O líder da operação latino-americana da empresa é um exemplo. “O modelo XPS foi criado para o ambiente doméstico e hoje é largamente usado no setor corporativo”, afirmou Gonçalves. Ele mesmo, em casa, à sua mesa de trabalho com um notebook, três monitores, teclado e mouse.

Para acompanhar as expectativas, o orçamento para P&D é entendido como condição de sobrevivência. “Nos últimos cinco anos, investimos US$ 13,5 bilhões na área e vamos aportar mais US$ 4,5 bilhões no próximo ano”, afirmou o executivo brasileiro. Durante a última edição do Dell Technologies Summit, em outubro, o próprio fundador da multinacional alertou que, “se o negócio não estiver preparado para a próxima reinvenção, os anos seguintes não estarão garantidos”. Michael Dell diz isso conforme sua empresa se volta cada vez mais para os mercados da nuvem e da computação de borda.

UNIÃO DIGITAL Com a aquisição da EMC, a Dell avançou em estrutura e serviços para nuvem e na sofisticação das máquinas. (Crédito:Divulgação)

NUVEM E EDGE Ninguém apostava na repentina alavancagem desses dois segmentos até a migração massiva para a economia digital no último ano. A consultoria Frost & Sullivan estima que os processos instalados em computação de borda devem saltar dos menos de 20% hoje para mais de 90% até 2024. “Somente a computação de borda representa um mercado adicional de US$ 100 bilhões para o consumo de infraestrutura tecnológica no mundo”, afirmou o executivo. A computação de borda (ou edge computing, do termo em inglês) permite o processamento de dados perto da base de produção, o que o torna mais ágil por dispensar os data centers. Entre a coleta e o tratamento, existe um hiato que precisará ser preenchido com soluções de nuvem e expansão de estrutura em grandes volumes. E é aí que a Dell enxerga impulsionar os negócios – seu e de seus clientes.

Em menos de dez anos, segundo a Gartner, 75% dos dados no mundo serão processados pela borda para guiar as decisões de máquina em tempo real. A telemetria acelera o consumo de infraestrutura em todos os setores com o avanço da Internet das Coisas (IoT). A América Latina segue no encalço da agenda de digitalização, carregada pelos interesses de mercado e de governos. “Onde a dimensão física falha, o digital prospera”, afirmou Gonçalves. No caso do setor de telecomunicações, peça-chave para destravar essas possibilidades, o processo passa pela adoção de redes abertas e nativas na nuvem, o que também exige computação de ponta.

28%  continente americano conquistou para a dell a maior fatia no mercado global de PCs

72% de crescimento da dell na america latina no segundo trimestre do ano fiscal 2022

US$ 1,1 bilhão faturamento da dell na america latina entre maio e julho deste ano, 4% da receita total

Por isso, a promessa da Dell é oferecer uma estrutura que permita navegar em mais de uma nuvem. Hoje, essa falta de integração engessa as possibilidades de uso dos dados. Para a empresa, há um nicho para trabalhar a capacidade física, especialmente em mercados grandes ou territórios complexos. “Caso do Brasil e de países andinos”, disse Gonçalves. Na expectativa pelo 5G, a companhia entende que a rápida digitalização do mercado consumidor deve atrair investidores externos para o País. Então o horizonte se expandiu para serviços no seio desses mercados, como a cibersegurança. “Ela e a gestão de risco devem ser intrínsecas às soluções de hardware e software”, afirmou o líder da operação na América Latina, onde o mercado de cibersegurança movimentou US$ 4,8 bilhões em 2020 e deve dobrar em até cinco anos. Aos clientes no olho do furacão, a empresa aposta em trazer muitas respostas em uma só. De quatro letras: Dell.