Poucos setores da economia foram tão prejudicados pelo isolamento social como o segmento da educação. O repentino fechamento de escolas e universidades sem estruturação prévia para aulas remotas impactou não apenas a vida dos estudantes, mas também as estratégias de negócios dos grandes grupos do setor. Nesse novo cenário, a Cogna, maior conglomerado de ensino do Brasil e um dos maiores do mundo, viu seu Ebitda despencar 113%, passando de um lucro de R$ 1,8 bilhão para um prejuízo de R$ 244 milhões no comparativo de janeiro a setembro de 2020 em relação ao mesmo período do ano anterior. A receita líquida da companhia também apresentou queda. De janeiro a setembro de 2020, na comparação com os mesmos nove meses do ano anterior, saiu de R$ 5 bilhões para R$ 4,2 bilhões, retração de 16%.

Apesar do baque, 2020 foi para a Cogna como uma aula prática de gestão em tempos de crise. A companhia se viu obrigada a acelerar o processo de digitalização e a tirar da gaveta estratégias de reestruturação do modelo de negócio. Roberto Valério, CEO da Kroton, principal marca de ensino superior do grupo, afirma que o plano estratégico é racionalizar a estrutura física e se adequar à nova demanda. “A captação de alunos EAD [ensino a distância] da nossa plataforma cresceu 28% no comparativo entre 2019 e o ano passado”, afirmou o executivo. “Continuamos bastante otimistas em relação ao crescimento de matrículas, talvez em um ritmo até mais acelerado”.

Dentro dessa estratégia, das 176 unidades operadas até o ano passado, 45 passaram pelo que a empresa chama de ‘movimentação de campus’. A expressão nada mais é do que fechar, reduzir ou fundir unidades. Essa reestruturação inclui a unificação de 16 campi e a migração de 29 unidades próprias para operações parceiras, uma terceirização. Do restante, 124 unidades passaram por renegociação de aluguel ou sublocação e sete foram devolvidas ou mudaram para endereços com valor de locação mais baixo.

AULAS MAIS DINÂMICAS Com a pandemia, o preconceito contra o ensino a distância diminuiu. (Crédito:Divulgação)

Essa movimentação na estrutura não significa que a companhia, hoje com 2 milhões de alunos, está mais fraca. Pelo contrário, o grupo está acompanhando a demanda. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inpe) mostram crescimento de 354% no número de alunos do ensino superior em cursos a distância no período de dez anos. De 2009 a 2019, essa presença saltou de 330 mil para mais de 1,5 milhão. O número de estudantes matriculados no ensino superior EAD privado apresenta crescimento médio de 10,9% ao ano. Com a pandemia, essa tendência ganhou ainda mais força e consolidação. Foi o que afirmou o presidente da Associação Brasileira de Ensino a Distância, Fredric Litto. “O Brasil tinha um preconceito muito grande em relação ao ensino a distância, mas isso mudou em 2020. Agora, sabendo como fazer, as instituições e os professores devem abusar da criatividade e preparar aulas mais completas e dinâmicas.”

Outro pilar da reestruturação do modelo de negócios da Cogna – talvez o de maior potencial entre todos eles – é o forte investimento no marketplace. Usando como inspiração o modelo de grandes plataformas como Alibaba, Amazon, Magalu e Mercado Livre, o Grupo Cogna tem como objetivo se posicionar como uma plataforma especializada em educação e se tornar o principal player do segmento no Brasil. Rodrigo Galindo, CEO do grupo, justifica sua aposta na estratégia. “Temos os ativos necessários e as competências necessárias”, afirmou em apresentação de resultados realizada em dezembro de 2020, quando anunciou os planos para a nova plataforma, que tem previsão de lançamento para o fim deste ano.

NOTA BAIXA A mudança de rumo será decisiva. Em 2020, a desvalorização do grupo na bolsa foi de 59,5%. Neste mês, o índice de queda está em 5,6%. Já em valor de mercado, a companhia passou de R$ 18,3 bilhões em 30 de setembro de 2019 (quando a Kroton passou a integrar o grupo Cogna) para R$ 8,2 bilhões na quarta-feira (27). Queda de 55,2%. O duro momento experienciado pela Cogna não foi diferente para todos no setor de ensino, privado ou público. Assim como a companhia, os também gigantes do Ânima e Grupo SEB (Sistema Educacional Brasileiro) viveram um ciclo de baixa nas ações em 2020. Com ativos mais baratos, a expectativa para o ano é de retomada do mercado com aposta de novos investidores.

ENTREVISTA: “O novo modelo utiliza menos o espaço físico”
Roberto Valério, CEO da Kroton Educação

Como a reorganização do grupo Cogna afeta as atividades da Kroton?
ROBERTO VALÉRIO – A Kroton continua presente em todas as 1.121 cidades em que já atuava, mas racionalizamos nossa estrutura física para acompanhar a demanda. O novo modelo de educação utiliza menos o espaço físico, seja em ensino a distância ou através de cursos híbridos, que possuem uma parcela pequena das aulas presenciais através de disciplinas práticas. Junto a isso, a demanda pelo presencial diminui. Então, naturalmente, enxugamos nossa estrutura física. Com isso, aumentamos o portfólio de cursos e adequamos nossa estrutura da maneira mais eficiente possível.

Qual é a estratégia da Kroton em longo prazo?
A primeira é a revisão das nossas unidades próprias, readequando do ponto de vista geográfico para acompanhar o mercado, que está em constante modificação. Em relação ao ensino a distância, a estratégia é continuar ampliando o portfólio de cursos, que antes eram mais genéricos e hoje estão caminhando para campos mais específicos. Além disso, a expansão geográfica poderá levar nossos cursos a novas cidades do Brasil. Estamos presentes em quase 1,2 mil cidades do total de 5,7 mil que o Brasil possui. Essa presença ainda pode crescer bastante.

O que podemos esperar do ensino a distância?
A circunstância colocou o cidadão, seja um aluno do ensino superior ou não, diante de algum tipo de educação a distância, e o que acabou acontecendo é que as pessoas viram que não era algo tão difícil, distante ou sem qualidade. A metodologia EAD vem evoluindo há muitos anos e a tendência é continuar nesse caminho. Hoje, oferecer ensino a distância não é uma operação que pode ser feita de maneira amadora, é muito profissionalizado, requer um investimento bastante grande.