09/08/2019 - 11:00
Foram quase oito anos à frente da Unilever no Brasil. No dia primeiro de julho deste ano, o executivo argentino Fernando Fernandez ganhou um novo posto. Alçado à presidência da empresa no continente, ele agora também acumula o comando das operações na Argentina e no Cone Sul. Para ele, a economia brasileira já dá sinais de retomada e a Unilever está bem treinada para tirar vantagem deste momento
Agora, ele começa uma nova fase de desafios. O Brasil ainda se encaminha para o fim da crise, a Argentina está de volta a momentos de grande instabilidade econômica e política, e a América Latina parece sempre pródiga a grandes surpresas. Apesar disso, a região parece continuar tendo destaque na estratégia global da Unilever. A empresa informou que, no trimestre terminado em junho, 60% do faturamento veio dos países emergentes.
DINHEIRO – O quanto o Brasil mudou desde a sua chegada aqui?
FERNANDO FERNANDEZ – Eu cheguei ao País em setembro de 2011. Desde o dia 1º de julho, estou tocando a operação de toda a América Latina. Passei um quarto da minha vida profissional no Brasil. Cheguei num momento de mercado bombando, e depois veio a crise. Não sentimos muito os seus efeitos até 2016. Mas 2017 já foi um ano difícil. Depois, no ano seguinte, a greve dos caminhoneiros mudou a tendência de recuperação do mercado. Obviamente, hoje temos um mercado muito diferente do que encontrei. Tudo crescia e, nos últimos anos, o trabalho foi mais de arregaçar as mangas e brigar um pouco mais pelos resultados.
DINHEIRO – Foi um período difícil para a empresa?
FERNANDEZ – Uma companhia como a nossa tem a vantagem de ter um portfólio muito abrangente. É muito difícil operar num mercado como a América Latina sem um portfólio resiliente às crises e flexível para se adaptar quando o consumidor compra mais.
DINHEIRO – Como é possível compensar uma baixa em certos segmentos com avanço em outras linhas de produtos?
FERNANDEZ – Podemos atacar novos segmentos por meio de produtos diferentes. Temos a sorte de trabalhar para 200 milhões de brasileiros, com um portfólio que atinge diferentes segmentos. Não produzimos apenas para 10% da população. Dependendo das circunstâncias se acelera uma ou outra parte do portfólio. O mais importante é ter um bom sortimento de marcas e diferentes faixas de preço. Buscamos defender a penetração das nossas marcas nos lares brasileiros.
DINHEIRO – Quais produtos ajudaram nisso?
FERNANDEZ – Trabalhamos a marca Brilhante, que era relativamente pequena no nosso portfólio e hoje é a segunda maior do mercado de lavar roupa. Outro exemplo é a marca Suave (de antitranspirante), que não estava no Brasil, mas que já era muito importante para os negócios nos EUA. Nós trouxemos o produto para cobrir uma parte do portfólio de beleza e higiene pessoal. Foram mudanças muito importantes. A Brilhante vende hoje, em dólar, quatro vezes mais do que sete anos atrás. Em moeda local, são sete vezes mais.
DINHEIRO – Qual é o nível de presença dos produtos Unilever nas residências brasileiras?
FERNANDEZ – Chega a 99,9%. Não existe lar brasileiro sem nada de Unilever. Pelo nosso último cálculo, um produto Unilever é comprado a cada 18 segundos. Pelo fato de sermos uma empresa de abrangência nacional, temos presença em todas as classes sociais. Sempre fizemos negócios no interior no Nordeste. Lá, há regiões com renda per capta de US$ 3 mil anual e, aqui no Sul e Sudeste, pode chegar até a US$ 30 mil. Temos ofertas para todas as regiões e todos os canais de venda.
DINHEIRO – Na ponta de cima da pirâmide, houve um avanço na categoria de sorvetes? A abertura de lojas próprias da marca Ben & Jerry’s no Brasil é um exemplo disso?
FERNANDEZ – É uma prova de que, mesmo nas maiores crises, existem oportunidade de entregar produto de alta qualidade. A Ben & Jerry’s é uma marca relativamente nova no Brasil e estamos com um desempenho bom não só nas lojas, mas também nas geladeiras dos supermercados e lanchonetes. É um perfil de produto muito diferenciado. O crescimento das lojas está agora estabilizado. Mas o coração do negócio cresce ainda, com as vendas dos potinhos nas geladeiras que compartilhamos com a marca Kibon.
DINHEIRO – Como a sua atuação no Brasil ajudará a assumir o desafio de administrar toda a operação latino-americana?
FERNANDEZ – O Brasil tem gente muito pobre e gente muito rica. Existe aqui também uma variedade muito grande de canais de distribuição. Com suas dimensões continentais, o Brasil é uma boa reprodução do que encontramos na América Latina. Muito da aprendizagem que tive aqui levo para a operação regional.
DINHEIRO – É uma região que exige muita agilidade e tomada rápida de decisões?
FERNANDEZ – É o que nos define como latino-americanos. Uma empresa sem flexiblidade não tem sucesso na América Latina. Pelo menos, dentro da Unilever, a equipe de executivos para a região sempre foi reconhecida pela habilidade de lidar com a incerteza e a volatilidade. Isso se mantém. Há países, como a Argentina, em situação econômica complicada. Já o Brasil está mostrando sinais de recuperação. Outros são mais estáveis, como o Chile, o Peru e a Colômbia. Mas, em geral, temos de estar preparados para a surpresa quando se atua na América Latina. Isso é o que faz o trabalho excitante.
DINHEIRO – Se o Brasil acelerar no próximo ano, a Unilever estará pronta?
FERNANDEZ – Se olharmos nosso pacote de inovação dos últimos 12 meses, percebemos que não a nossa estratégia não é anticrise. É pro-recuperação. Foi construída de acordo a expectativa de retomada da economia. A recuperação está um pouco mais lenta do que a gente esperava. Mas se você vê os nossos lançamentos de Omo, de produtos concentrados e da marca Rexona, tudo se direciona a um consumidor que esperamos que terá uma recuperação de renda num futuro próximo. Estamos antecipando a tendência. Assim como em 2013, quando não havia percepção de crise, nós já estávamos equilibrando o portfólio e atacando os nossos custos de forma quase radical. Isso nos deixou bem posicionados para quando a crise começou. Agora, estamos bem treinados para tomar vantagem da recuperação econômica.
DINHEIRO – Já não passou a hora da recuperação chegar?
FERNANDEZ – Às vezes, as pessoas acabam colocando muita expectativa na classe política. Ao final de tudo, os governos são reflexos da sociedade. Lembro que, quando cheguei ao Brasil, falar de uma Reforma da Previdência ou tributária era impossível. E não faz muito tempo. Sete anos na história de um país é muito pouco. A população avançou muito na percepção de que mudanças são radicalmente necessárias. Quando se tem essa aceitação social, tudo fica mais fácil. O Brasil evoluiu muito no entendimento econômico da população, que hoje conhece as restrições da economia e que reformas possam ser necessárias. Outros países da América Latina estão atrás do Brasil nessa compreensão.
DINHEIRO – Em que ponto está a Argentina?
FERNANDEZ – Ela está passando um momento difícil. Há muita incerteza política, uma crise grave e uma clara estagflação, com uma recessão muito grande e uma inflação alta. A Argentina tem de entender que atacar a inflação é essencial. Diferentemente do que aconteceu no Brasil do Plano Real para cá, a população argentina ainda não entendeu a importância de um ataque frontal à inflação. Ela é um imposto aos pobres. E isso faz com que o país fique permanentemente nesse modelo de vai e para. De qualquer forma, estamos no Brasil há 90 anos e na Argentina, há 92 anos. Passamos por ditaduras, hiperinflações e recessões. Mas pensamos sempre numa posição de longo prazo. A região foi sempre muito importante para o crescimento mundial da Unilever.
DINHEIRO – Os investimentos da Unilever no Brasil foram muito fortes no começo desta década. Eles vão voltar?
FERNANDEZ – Não vamos ter mais o crescimento de 2010 e 2011, que foi uma expansão artificial, exageradamente forte. Às vezes, um crescimento médio, mais constante, pode ser melhor para economia. E para as empresas também. Nos preparamos para que em 2020 e 2021 o Brasil volte ao caminho de crescimento, com 2% ou 3% de expansão anual. Investimos de 3% a 4% do faturamento em renovação de ativos produtivos, para melhorar a eficiência e a produtividade. E somos os maiores investidores publicitários do País. A nossa relação com o consumidor se dá por nossas marcas e produtos.
DINHEIRO – Um dos seus próprios concorrentes, o empresário Jorge Paulo Lemann, dono da Kraft Heinz, se definiu como um dinossauro assustado. Você também tem essa sensação?
FERNANDEZ – É preciso um pouco de paranoia para ficar mudando o tempo todo. E principalmente mudar quando tudo vai bem. Quando o negócio vai mal, é muito difícil correr atrás. Quando você dirige, é preciso virar a direção do carro antes da curva. O meu livro preferido é do economista austríaco Joseph Schumpeter em que ele defende que o capitalismo é um processo de destruição criativa. É preciso ficar destruindo e construindo o tempo todo. E, no momento em que se para, você já está perdendo. Se ficar parado, se transforma em um dinossauro. Ainda mais nos dias de hoje, em meio à revolução digital. Então, sempre peço ao meu time muita curiosidade, para conseguirmos acompanhar as tendências.
DINHEIRO – O holandês Paul Polman, que foi CEO global da Unilever entre 2009 e 2018, foi grande defensor de sustentabilidade. Esse foco da empresa continua sem ele?
FERNANDEZ – Quando Paul chegou à empresa, ele trouxe dois grandes eixos: um de desempenho, de aumentar a agressividade competitiva e de satisfazer os desejos do consumidor. O outro foi o plano de economia sustentável. Em algum momento, isso foi interpretado como uma visão ingênua e filantrópica. Mas, como princípio, não se pode consumir mais recursos do que se gera. E a digitalização trouxe ao mercado de consumo um nível de transparência que não existia. O consumidor, e em particular o mais jovem, vai dar preferência a marcas que se comportem de maneira responsável. Temos um lema interno que diz que marcas com propósito crescem, companhias com propósito perduram, e pessoas com propósito prosperam. O novo CEO, Alan Jope, acredita enormemente nisso.
DINHEIRO – E em relação à diversidade?
FERNANDEZ – Quando se tem a sociedade bem representada dentro da empresa, se tem um feeling maior do consumidor. O cliente deixa de ser um objeto de estudo racional. Isso só se atinge com altos níveis de diversidade. No Brasil, estamos avançados mesmo em áreas de manufatura, da cadeia de suprimentos e de vendas, que sempre foram mais refratárias à presença de mulheres. Hoje, mais de 40% da equipe de gestão é composta por mulheres no Brasil. Eu tenho uma filha. Gosto de saber que trabalho numa empresa em que ela teria as mesmas chances que eu.
DINHEIRO – As empresas terão de tomar a frente na sustentabilidade social e ambiental, que já foi bandeira de governos e de ONGs?
FERNANDEZ – Os problemas que as sociedades estão enfrentando são muito grandes para deixarmos que os governos resolvam sozinhos. A sustentabilidade não vai perdurar se não tiver racionalidade econômica. E as empresas são os entes com a maior racionalidade econômica. Um ataque ao consumo de plásticos é uma das grandes batalhas para os próximos tempos. Queremos que a Unilever esteja à frente dessa luta.