No começo de 2001, será inaugurado na região metropolitana de Belo Horizonte o maior Parque Tecnológico da América Latina. Numa área de 250 mil metros quadrados, diversas empresas de biotecnologia formarão um complexo 100% nacional, resultado do talento de pesquisadores brasileiros formados nas melhores universidades do País. São eles os responsáveis pelas inovações em farmacêutica, diagnóstico, veterinária, biomatéria e outras tantas áreas que vão gerar investimentos de US$ 100 milhões nos próximos dez anos na região. Se comparado ao dinheiro aplicado no ramo agrícola da biotecnologia, no qual gigantes como Monsanto, Novartis, Basf e DuPont brigam por um mercado de bilhões de dólares, os investimentos em Minas são uma ninharia. Mas, enquanto essas mesmas multinacionais marcam passo no Brasil por conta de pendengas na Justiça brasileira, as empresas de tecnologia da saúde humana vão muito bem, obrigado. À frente da iniciativa mineira está a Fundação Biominas, responsável pela criação de um grupo de 50 pequenas e médias empresas de base tecnológica, aos moldes de uma incubadora. Um dos principais pesquisadores envolvidos no projeto da Biominas é o geneticista Sérgio Danilo Pena, do Núcleo de Genética Médica (Gene). O mais novo produto de sua empresa é um teste de DNA que identifica a ancestralidade das pessoas, técnica pioneira no mundo. Foi o mesmo Pena, também professor da Universidade Federal de Minas Gerais, que trouxe para o Brasil o teste de paternidade em 1988. Por essas e outras, Pena participa do grupo mundial de discussão do Genoma. Além do laboratório de Minas, ele tem mais duas filiais, em Brasília e em São Paulo.

São iniciativas como essa que colocam o Brasil como o mais novo integrante de um pelotão de elite em termos de inovação em genética. Trata-se de um raro exemplo no qual o País não ficou para trás na corrida pela liderança de um setor de alta tecnologia. O cartão de acesso foi a pesquisa desenvolvida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A instituição fez o mapeamento do genoma da Xylella fastidiosa, bactéria causadora da praga do amarelinho, que ataca 30% dos laranjais paulistas e provoca prejuízos de R$ 180 milhões ao ano. ?Ninguém vai estudar a praga do amarelinho para o Brasil. Temos que resolver os nossos problemas?, diz José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp. O feito dos pesquisadores brasileiros acabou na capa da revista britânica Nature, maior autoridade no assunto. Agora, a instituição está desenvolvendo o projeto Genoma no Câncer, no qual serão investidos US$ 20 milhões.

?Se você olhar a febre da Nova Economia, são dois os ingredientes: Internet e biotecnologia. Fazia-se muito pouco sobre Internet. Em biotecnologia, nada.? O sucesso do seqüenciamento da Xyllela rendeu uma encomenda do Departamento de Agricultura americano para que os cientistas brasileiros decifrem uma bactéria, parecida com a do amarelinho, que arrasa os vinhedos da Califórnia. Outro exemplo mineiro bem-sucedido é o da Biobras, fabricante de insulina para diabéticos, que conseguiu patente nos EUA para a produção do medicamento. A descoberta garantiu à empresa um faturamento de R$ 60 milhões em 1999. Sem contar a valorização de 1.512% de suas ações na Bovespa desde o início do Plano Real. Em Nova York, apesar da oscilação da Nasdaq, os papéis de companhias de biotecnologia brilham. ?A fase de depuração na biotecnologia aconteceu há uns cinco anos?, diz Guilherme Emerich, presidente do Conselho da Biobras, referindo-se à sangria que ataca os papéis da web. Por falta de estatísticas precisas, Emerich estima que o tamanho do mercado brasileiro seja cerca de 10% do americano. Lá, já existem 373 empresas de biotecnologia com capital aberto, que, no final de 1999, eram avaliadas em US$ 312 bilhões.

As empresas de saúde humana são o lado que reluz no setor de biotecnologia no Brasil. A face oculta fica por conta das companhias da área agrícola. Elas estão em compasso de espera. Biotecnologia no campo e nas plantações é sinônimo de transgênico. E, por aqui, em matéria de alimentos geneticamente modificados, tudo está suspenso. Diferentemente da Argentina, onde os transgênicos estão autorizados, a única liberação comercial feita pela CTNBio, órgão que emite pareceres sobre o assunto no Brasil, está há quase dois anos sendo discutida pelo Poder Judiciário. ?Depois de liberadas, as sementes transgênicas deverão ser multiplicadas para atingir escala comercial?, diz Wilhelmus Uitdewilligen, gerente de novas tecnologias da Novartis no Brasil. ?Isso não é feito em menos de um ano.? Há 20 anos no Brasil, a Novartis está no meio de um rolo judicial que pode estragar seus planos. Em 2001, a empresa, que investe 10% de suas vendas em pesquisa, espera testar em terras brasileiras genes que aumentam a tolerância a insetos em milho e algodão.

Além da briga dos tribunais, os executivos da empresa preocupam-se com o que pensa o consumidor local. ?Todas as discussões sobre o assunto são de cunho emocional, o que dificulta mais o processo?, diz Uitdewilligen. Mesmo assim, o Brasil continua atrativo para essas áreas, tanto que as grandes do setor investem pesadamente em pesquisas de caráter experimental. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a DuPont estuda a adaptação de sementes com herbicidas. O País vem ganhando lugar estratégico nas planilhas dessas companhias por vários motivos. O principal deles é o clima diversificado, o que facilita pesquisas e testes. E, de quebra, um mercado consumidor que não pára de crescer. Por isso, todo mundo quer demarcar seu espaço e desbancar a concorrência. A corrida contra o relógio tem sua razão de ser: quando os resultados das pesquisas estiverem nas prateleiras dos supermercados, eles poderão se transformar em bilhões de dólares nas receitas dessas empresas. Por tabela, suas ações podem disparar nas bolsas de valores. Em troca disso, elas prometem revolucionar a agricultura. Até onde elas podem chegar? ?O céu é o limite?, diz Ricardo Vellutini, vice-presidente para a América Latina da DuPont. A empresa investe mais de US$ 1 bilhão em pesquisas biotecnológicas anualmente, quase 50% só na área agrícola. Nos últimos três anos, mudou radicalmente sua estratégia. Agora, a grande aposta da DuPont é desenvolver produtos biodegradáveis que substituam o petróleo como matéria-prima. ?O petróleo é finito. Por isso estamos em busca de novas alternativas?, diz Vellutini. A matriz americana já desenvolveu um poliéster que traz em sua composição também amido de milho, diminuindo o percentual de petróleo na mistura. Essa é a chamada terceira fase da biotecnologia. Ninguém sabe ao certo o quanto a biotecnologia vai movimentar no mercado global, mas não há dúvidas de que ela irá multiplicar cifras já fabulosas. Só na área de defensivos agrícolas circulam anualmente US$ 28 bilhões. No setor de sementes, mais US$ 20 bilhões por ano. Tudo isso sem a menor interferência da biotecnologia. É esperar e ver para crer.