O Brasil vai bem. O presidente Bolsonaro está comprometido com a questão fiscal. A relação com o Congresso está ótima. A economia vai surpreender positivamente o mundo. O contingenciamento será mantido em 2022. Todas essas frases ditas nas últimas semanas pelo ministro Paulo Guedes sugerem que talvez o olhar do economista não esteja tão alinhado com a realidade do País. Nessa versão do Brasil do Guedes, os impulsos gastadores do Executivo e Legislativo estarão sob controle em ano eleitoral e, caso não seja possível evitar as despesas, não faltarão alternativas de receitas para custear o rombo. Dentro das quatro linhas de seu ministério, um esquema de guerra é desenhado para evitar uma “farra eleitoral”. Fora de lá, Bolsonaro e Congresso deixam claro que o único ligado nessa realidade paralela é Guedes e sua resiliente trupe em Brasília.

Nesse esquema de proteção pensado por Guedes, mais importante do que escolher bem os gastos que serão feitos com os R$ 106,2 bilhões adicionais provenientes da PEC do Calote/Precatórios, é diminuir as chances de o Congresso aprovar novas matérias com alto potencial gastador. Segundo uma fonte próxima ao ministro, ele tem total consciência do perfil do presidente nesse quesito. “Bolsonaro é comprometido com a questão fiscal, mas a questão política se sobrepõe”, disse ele, em condição de anonimato.

Na lista de investidas de Bolsonaro que o ministério tentará desviar estão a criação de um vale diesel (demanda dos caminhoneiros) e o reajuste de “pelo menos 1%” aos servidores, como disse o presidente. Para empresários, a promessa presidencial é regar o Banco do Brasil e a Caixa com crédito barato. No Congresso, a aprovação no Senado de um novo Programa de Incentivo à Regularização Fiscal (Refis) é fonte de atenção.

E ainda pode piorar, porque a Câmara quer tornar os termos para adesão ao Refis ainda mais abrangentes. Outro potencial problema em vias de se tornar realidade é a correção da tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física, que ao tornar uma camada maior da população isenta, diminui a arrecadação. O texto está no Congresso e já deve valer ano que vem. Em uma conversa com empresários, Guedes afirmou que entende que o ano eleitoral exige esforços, mas segue comprometido para que não haja gastança. “Nós entendemos isso do ano eleitoral, mas não podemos deixar um cheque em branco”, disse. Segundo ele, o movimento coletivo com outros ministérios e Poderes tem que ser pensado desde agora, na construção do Orçamento do próximo ano.

700 imóveis hoje em posse da união entram na lista de venda do ministro. o plano (velho) é arrecadar em ano eleitoral

ENXUGANDO GELO Para interlocutores, Bolsonaro tem afirmado que a relação com Paulo Guedes melhorou nos últimos meses, e que o ministro está fazendo o possível para alavancar a economia. Em sua sala, Guedes busca potenciais soluções que não dependam do Congresso, não prejudique a imagem do presidente e mantenha a narrativa de que tudo ficará bem em 2022. A primeira medida (velha, falada há três anos) em curso para arrecadação extra envolve a venda de imóveis da União. Na quarta-feira (7) o ministério anunciou um leilão de 88 em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ao todo, Guedes elencou 700 unidades que poderiam deixar as mãos do governo federal. Outras iniciativas estudadas de perto são os benefícios e desonerações para alguns setores da cadeia produtiva e do agronegócio. A ideia é manter parte das isenções e descontos para setores estratégicos (como defesa e ciência), mas tirar gradativamente algumas vantagens entendidas como ultrapassadas, principalmente em áreas poluentes da indústria e do agro.

No mundo perfeito do ministro é possível fazer tudo isso em 2022, e a cereja do bolo seria emplacar pelo menos uma privatização de grande porte: Eletrobras, Petrobras ou Correios. Com esse combo, a dívida pública chegaria perto de zerar, promessa feita em 2018, durante a campanha eleitoral. O problema é encontrar quem acredite na venda de uma delas em plena campanha.

MUNDO REAL E se a teoria parece perfeita no mundo virtual, quando Guedes tira os óculos de realidade aumentada, a história é outra. E mais problemática. Na prática, a semana de Guedes começou com a pressão do Congresso para que ele autorizasse o pagamento das emendas parlamentares pendentes de 2021, ou o Congresso não votaria o Orçamento do ano que vem. O ministro também viu a aprovação do retorno, até 2023, do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) e a desoneração da folha de pagamento crescer, em vez de diminuir. Veio do Congresso também o benefício fiscal para a energia solar, com subsídio até 2046.

Por fim, o ministro também precisou ouvir seu chefe prometer que irá custear o plano de saúde para delegados, policiais federais e servidores da ativa e da reserva, além de aumentar seus respectivos salários. Um choque de realidade, principalmente para quem vive no mundo paralelo.

BYE BYE, BRASIL

O Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciou na quinta-feira (16) que deixará o Brasil. Uma saída que acontece em meio a uma chuva de críticas que o governo, em especial o ministro da Economia, Paulo Guedes, direciona à entidade internacional.

A saída do Brasil acontecerá em junho de 2022 e, segundo nota do Ministério, se dá porque o FMI não possui nenhum programa ativo com o Brasil, excluindo a necessidade de um escritório local. O último acordo com o Fundo foi encerrado em 2005, quando o ex-presidente Lula quitou a dívida contratada em 1999. Desde então a presença se dá para diálogo entre as partes. Mas sabemos que diálogo não é a palavra da vez para o atual governo.

É mais fácil negar a realidade e tirar de perto o crítico. Nas palavras de Chico Buarque, bye bye, Brasil, a última ficha caiu…