Em tempos de edge computing, 5G e metaverso, parece difícil acreditar que quase 3,6 bilhões de pessoas em todo o mundo permanecem totalmente desconectadas, segundo dados da The Broadband Commission for Sustainable Development, estabelecida pela Unesco e pela ONU. Isso representa 46,4% da população mundial vivendo em um apagão tecnológico, à margem da evolução ágil e sem acesso pleno a informações e serviços essenciais, como saúde e educação.

Longe de aparelhos apropriados e conexão de qualidade, essas pessoas fazem parte da chamada “digital divide”. O termo, cunhado nos anos 1990, foi usado pela primeira vez para descrever uma lacuna entre os indivíduos que podiam usar um computador para acessar a internet e aqueles que não tinham essa possibilidade. Ao longo dos anos, sua definição foi ampliada para incluir a disparidade que ocorre quando alguns têm acesso a serviços de banda larga confiáveis e outros não, criando um abismo profundo que toca a desigualdade social e econômica em todo o planeta.

Somente no Brasil, são quase 34 milhões de pessoas completamente offline, enquanto outras 41,8 milhões podem ser consideradas subconectadas. Ou seja, possuem algum tipo de conexão, mas em níveis bem inferiores àqueles classificados como plenamente conectados. De acordo com levantamento da PwC em parceria com o Instituto Locomotiva, essa diferença é bastante prejudicial para o desenvolvimento do país.

Impacto na educação

O acesso desigual à internet trava a produtividade e a produção de riquezas, além de deixar um déficit de profissionais para atuar no mercado de trabalho digitalizado, com impacto negativo na renda. O problema começa na educação básica, formando um grande contingente de brasileiros incapazes de realizar tarefas simples, como interpretar textos ou fazer contas. No ranking de alfabetização digital do índice The Inclusive Internet 2021, publicado pela revista britânica The Economist, o Brasil ocupa a 80ª posição entre 120 países.

O fraco desempenho é um reflexo direto de como o uso limitado dos recursos está impedindo o acesso a oportunidades que o ambiente online oferece em termos de educação, exercício da cidadania e inserção no mercado de trabalho. Isso não se restringe apenas à oferta de conexão de qualidade e aparelhos de ponta, mas passa pela qualificação de professores, escolas adaptadas e pelo desenvolvimento de uma didática e conteúdo programático adequados a essa nova realidade.

Inclusão aberta

As razões para esse abismo digital ficaram ainda mais claras com a pandemia. Uma das mais relevantes foi justamente a deficiência do sistema educacional, que não trazia qualquer preparo para avançar com um ensino mais tecnológico. Soma-se a isso a dificuldade no acesso a hardware e falhas na infraestrutura de conexão, com problemas de amplitude, qualidade e distribuição do sinal, além de custo do acesso e dos equipamentos.

Na prática, a tecnologia que deveria aproximar e transpor barreiras vem aprofundando cada vez mais as diferenças. Mudar o futuro requer uma atuação conjunta, contínua e integrada, capaz de levar o acesso à tecnologia a um outro nível, um caminho que, em muitos casos, pode ser apoiado pelas soluções open source. Desenvolvidas de maneira descentralizada e colaborativa, costumam ser mais baratas, flexíveis e duradouras. Não à toa, são amplamente utilizadas por startups, tornando-se base de grande parte das disrupções tecnológicas recentes.

Ancorado por uma mentalidade muito mais aberta e inclusiva, o open source tem rompido importantes barreiras. Durante a pandemia, foi a base para o desenvolvimento ágil de soluções de saúde, como as próprias vacinas, e para a educação, permitindo que o ensino à distância de qualidade pudesse ser levado a mais pessoas.

Ao aderir a tecnologias open source, empresas públicas e privadas, contribuem para simplificar sistemas e processos, atuando para minimizar o gap da exclusão digital. O investimento neste tipo de solução, no entanto, não pode vir sozinho. É preciso que esteja acompanhado de políticas públicas dedicadas a fomentar a inclusão de ponta a ponta. Em um ano decisivo para a sociedade brasileira, a inclusão digital precisa estar em pauta em todos os escalões: de empresas e comunidades às esferas governamentais. A escalada para fora do abismo só será possível se feita de maneira aberta e colaborativa, e será responsável por definir, em grande parte, o futuro do país.

*Gilson Magalhães é presidente da Red Hat Brasil