Na favela do Sapo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, Celso Athayde é tão conhecido — ao menos de nome — quanto Pelé, Lula, Anitta ou Bolsonaro. Nascido e criado até os 6 anos em uma das comunidades mais pobres e violentas que compõem o complexo Senador Camará, com mais de 100 mil habitantes, ele é visto como uma referência de quem venceu a miséria, a fome e a violência. Não só venceu, como aprendeu a ganhar dinheiro e a gerar empregos. Aos 59 anos, o fundador da Central Única das Favelas (Cufa) e CEO da Favela Holding, grupo formado por 23 empresas com fins lucrativos voltadas a projetos sociais, Athayde comanda um ecossistema com faturamento anual de R$ 178 milhões e previsão de alcançar R$ 1 bilhão em negócios nos próximos três anos. “Quero ser um interlocutor entre a favela e o asfalto”, afirmou Athayde à DINHEIRO, se referindo ao potencial de novos negócios para investidores nas periferias. “O caminho para tirar as pessoas das dificuldades é a geração de resultados. É o lucro.”

Seja nas cariocas Sapo, Rocinha ou Morro do Alemão, ou em Paraisópolis, em São Paulo, Athayde é personagem onipresente com seus negócios e projetos. Ele comanda desde uma operadora de celular (Alô Social, com 2 milhões de clientes), uma plataforma de microinfluenciadores digitais (Digital Favela), uma empresa de logística (Favela Log) até uma rede de agências de viagens (A Favela Vai Voando), que apenas na Rocinha vendeu quase R$ 250 mil em passagens aéreas neste mês e opera 400 unidades em parceria com a Flytur. Há também fintech para meios de pagamento nas comunidades (Favela Money), rede social só para negros (Black & Black), produtora cinematográfica (Favela Filmes) e centro de estudos e estatísticas (Data Favela), em parceria com o Instituto Locomotiva, de Renato Meirelles.

Preto, órfão de pai, de origem pobre e aprisionado ao apartheid social imposto ao seu tom de pele e pelo preconceito contra os que vivem nos morros e becos, Athayde vai desembarcar em Davos, na Suíça, sábado (23), para receber um prêmio por seu ativismo social no Brasil nas últimas duas décadas. O Fórum Econômico Mundial e a Fundação Schwab reconheceram o brasileiro como o Empreendedor de Impacto Social do Ano.

Embora as iniciativas da Cufa e da Favela Holding já tenham alcançado mais de 15 milhões de pessoas em vários estados brasileiros, foi durante a pandemia que as ações atraíram os holofotes. Nesse período, o empresário negociou com empresas e governos para arrecadar dinheiro e mantimentos. Entre 2020 e 2021, foram levantados R$ 870 milhões de empresas privadas e pessoas físicas — quase sete vezes as cifras de 2018 e 2019. “Algumas por marketing, outras pelo compromisso genuíno de dar suporte aos mais pobres, as empresas demonstram uma grande capacidade de mobilização e de ajuda durante a pandemia”, disse o empresário, que aposta na continuidade de diversas iniciativas mesmo depois da Covid. “Durante décadas o mercado enxergou as favelas como uma grande mina de ouro a ser explorada. Nós não acreditamos em exploração. Acreditamos em geração de riqueza compartilhada.”

A ajuda se mostrou fundamental no combate aos efeitos econômicos da pandemia nas favelas. Os dois anos de Covid-19 resultaram na queda de R$ 16,5 bilhões por ano na massa de renda potencial das famílias, segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). O estudo, que busca mensurar a perda do capital humano, considera as vítimas da doença com 20 anos ou mais, entre 16 de março de 2020 e 16 de março de 2022. De 20 a 69 anos, foram 326,3 mil vidas perdidas no período, o que equivale a uma massa de rendimentos médios mensais de R$ 754,3 milhões, ou R$ 9,1 bilhões em um ano. Considerando o rendimento médio quando morreram e a expectativa de vida, as vítimas de Covid nessa faixa etária teriam capacidade de somar à renda familiar R$ 285,9 bilhões até falecer por outra causa. “Essa nossa conta acaba sendo até limitada, porque inclui a renda média da data da morte, como se a pessoa não fosse evoluir”, disse Claudio Considera, coordenador do FGV/Ibre.

EXPO FAVELA Nesse ambiente de dificuldades e de crescimento exponencial dos projetos sociais (com ou sem fins lucrativos) é que Athayde organiza no World Trade Center (WTC), em São Paulo, o Expo Favela. Realizado no fim de semana de 15 a 17, conecta empreendedores da favela com os investidores do asfalto — como ele chama a turma do mercado financeiro. No encontro, empreendedores sociais, empresas e bancos farão palestras, workshops, exposições, rodadas de negócios, apresentação de startups e cursos.

O Expo Favela marca o lançamento de uma nova frente de negócios do grupo, o Favela Fundo. Em parceria com fundos nacionais, empresas, investidores individuais e family offices, o fundo nasce com R$ 50 milhões para financiar projetos voltados às comunidades. “O potencial de captação desse fundo é imenso, visto que as empresas despertaram para a potência das favelas”, disse Athayde. Os números são, indiscutivelmente, potentes. Segundo o IBGE, há 13,5 milhões de pessoas vivendo em “aglomerações subnormais” no País. Pelas contas do Data Favela, são 17 milhões. Se fosse um estado, as favelas brasileiras formariam o quarto maior do Brasil em número de habitantes, atrás apenas de São Paulo (46 milhões), Minas Gerais (21 milhões) e Rio de Janeiro (17,5 milhões). Esse número, no entanto, salta para 37 milhões de pessoas ao considerar comunidades pobres e ocupações em áreas suburbanas, como palafitas e imóveis e terrenos ocupados. Esse contingente de consumidores — equivalente à população da Polônia ou da Ucrânia ­­— movimenta uma economia de R$ 120 bilhões por ano.

MORRO ACIMA Os planos de expansão do império de Athayde nas favelas incluem a abertura de capital da holding nos próximos três anos. Ao atrair investidores para o Favela Fundo, o grupo terá, segundo o empresário, condições de fazer o primeiro IPO social do Brasil. Com dinheiro do mercado financeiro, inclusive de empresas e fundos estrangeiros com foco no ESG, novos projetos poderão ser desenvolvidos com maior velocidade nas comunidades, como a criação de uma rede de atendimento hospitalar, tecnologia de internet 5G, investimento público e privado em obras de saneamento e infraestrutura de deslocamento. “Ao reduzir a distância entre a favela, o asfalto e o capital, estaremos reduzindo os entraves do crescimento econômico e social”, afirmou Athayde. “De todos os problemas que o Brasil enfrenta, a desigualdade é o que mais atrasa o nosso desenvolvimento.” Seja na favela ou na turma do asfalto, disso ninguém duvida.

ENTREVISTA: Celso Athayde, CEO da Favela Holding
“Favela não é carência. Favela é potência”

Claudio Gatti

Ter um grupo de empresas que visa ação social com geração de lucro não soa contraditório?
Não porque a ONG, como a Central Única da Favela (Cufa) e a Favela Holding são negócios completamente separados. A primeira, da qual me desliguei em 2015, é sem fins lucrativos. A segunda é um hub de negócios e empreendedorismo que se mantém e cresce através do lucro. Antigamente, dizer que tínhamos uma organização social com fins lucrativos parecia um crime hediondo. Hoje, todos sabem que não há como distribuir renda sem gerar renda. Minha luta é para democratizar a riqueza, não subir o morro e dançar a pobreza.

As empresas parceiras enxergam essa separação?
Sem dúvida. As ONGs têm um papel fundamental, mas o caminho para tirar as pessoas das dificuldades é a geração de resultados. É o lucro. Sou PhD em desgraça. Já morei na rua. Roubei para me sustentar. Não posso agora ser um senhor feudal preto.

Existe concorrência entre a Favela Holding e projetos de empresas e pessoas físicas nas periferias?
Veja bem. Famosos não geram engajamento na favela. Famosos andam de jatinho, vivem em mansões, andam em carros de luxo com motoristas. Eu não compro xampu da propaganda do Luciano Huck, mas eu compro panelas da negona da favela. Isso porque eu me identifico. As empresas precisam aprender. Quando vejo uma luta de boxe, de um branco contra um preto, torço pelo preto mesmo sem conhecer.

Como sustentar investimentos nas favelas sem o suporte de quem é de fora?
É o meu papel. Com os negócios da Holding, quero ser um interlocutor entre a favela e o asfalto. Daqui a um mês vamos lançar o Favela Fundo, o primeiro fundo de investimento voltado para as favelas. Vai nascer com R$ 50 milhões, mas o potencial não tem limite. Em três anos, vamos ultrapassar a marca de R$ 1 bilhão em negócios, fazer o primeiro IPO social do Brasil. Quero mostrar que favela não é carência. Favela é potência.

A forma como os empresários enxergam as comunidades está mudando?
No Brasil, as favelas sempre foram laboratórios, e os favelados eram camundongos. Empresários no Brasil só faziam safáris eventuais na favela. As ações sociais, as iniciativas de qualificação e os cursos de formação profissional tinham como foco formar pretos para servir patrões. Agora, queremos formar nossos filhos para serem patrões, não serviçais. Tudo o que o pobre quer é ser rico, mas os pobres não têm os mesmos caminhos para alcançar a riqueza. De todos os problemas que o Brasil enfrenta, a desigualdade é a que mais atrasa o nosso desenvolvimento como economia e como nação.

A favela é Lula ou Bolsonaro?
Se a eleição fosse hoje, dava Lula. A favela votou em peso no Bolsonaro, tanto pela grande parcela de evangélicos quanto pelos que foram enganados, entre tantas fake news, pela falsa promessa de redução da violência nas comunidades. Mas a favela não está nem aí para esquerda, direita ou centro. A favela é pragmática. Quer um estado que funcione, seja qual for a bobagem dos discursos dos candidatos. Vai votar em quem for melhor para ela.

Qual a sua posição política?
Pela minha história, experiência e origem, naturalmente sou de esquerda. Mas isso não me impede, por exemplo, de jantar com o João Doria e debater a realidade difícil das comunidades pobres de São Paulo.

Se tivesse que contratar como CEO de alguma de suas empresas os possíveis candidatos à presidência, qual contrataria?
Depende de qual empresa. Bolsonaro não serviria para nenhuma. O Lula sabe bem a realidade da pobreza. Mas como gestor não há dúvidas que o Doria é mais qualificado. Mas essa é uma resposta difícil porque cada empresa tem suas demandas específicas. O Bolsonaro fez uma gestão contraditória. Lamento que ele não tenha pensado e agido como as pessoas de bom senso.