“Acabou o nosso carnaval/ Ninguém ouve cantar canções/ Ninguém mais passa brincando feliz/ E nos corações/ Saudades e cinzas foi o que restou”. Assim começa a Marcha da Quarta-feira de Cinzas, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes. Pelo calendário oficial, ela cai no dia 17. Mas começou um ano antes. Foi em 26 de fevereiro de 2020, precisamente a quarta-feira após o canaval, que o ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de Covid-19 no Brasil. Duas semanas depois, em 11 de março, a Organização Mundial de Saúde declarou pandemia. Passado um ano de isolamento social, com as mais variadas medidas de restrição ao turismo, ao entretenimento e às aglomerações, o mundo ainda não poderá cair na folia. A vacinação, iniciada por aqui em 17 de janeiro, está longe de atingir o número suficiente de pessoas para que todos fiquem protegidos do vírus.

No melhor dos cenários, isso ocorrerá em setembro, como planeja a empresária Luiza Trajano, que está mobilizando o setor privado para encampar a compra de imunizantes, ou até o final do ano, na previsão do governador de São Paulo, João Doria. Sem vacina, sem carnaval.

A festa popular regada a música, suor e cerveja que virou sinônimo da alegria e descontração do brasileiro no imaginário coletivo global é bem mais que uma tradição enraizada em todo o País. Trata-se de uma atividade econômica de faturamento concentrado e alto impacto na renda de uma longa cadeia de trabalhadores, formais e informais. Segundo cálculos da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) com base no carnaval de 2020, apenas os quatro dias do reinado de Momo injetariam R$ 8,1 bilhões na economia, gerando 25 mil empregos temporários. A prefeitura de São Paulo estimou em R$ 2,6 bilhões o valor movimentado pelo carnaval de 2020 na cidade, que teve 678 desfiles de blocos de rua entre os dias 15 de fevereiro e 1º de março. No Rio de Janeiro, o movimento foi ainda maior: R$ 4 bilhões, com 98% da rede hoteleira ocupada, sem contar os aluguéis do tipo Airbnb.

De costureiras de fantasias a catadores de lata, de músicos a seguranças, de taxistas a ambulantes, o carnaval é o período do ano que proporciona o maior rendimento para uma legião de trabalhadores. Em uma tentativa de compensar o baque na renda de quem venderia suas cervejas pelas ruas, a Ambev criou uma plataforma que prevê o pagamento de até R$ 255 para vendedores cadastrados. Empresas acostumadas a bancar desfiles, blocos e camarotes já migraram para o digital. A programação de lives patrocinada pela Riachuelo inclui estrelas como Ivete Sangalo e Claudia Leite. Nada que se compare, claro, aos cerca de 100 trios-elétricos que percorrem as ruas de Salvador todos os anos.

Ainda que abalado em suas dimensões econômica, cultural e social, o carnaval da Covid-19 está criando novos modelos de negócio dentro de comunidades. Um exemplo é o Festival Itaquerendo – Carnaval não é só folia, criado por um bloco de Itaquera, na zona leste paulistana. Segundo seus idealizadores, objetivo é “desenvolver ações que potencializem a inclusão, a defesa de direitos, o resgate, a preservação de patrimônios imateriais e fomentar a cultura, a arte e o entretenimento”. Serão selecionados 55 trabalhos autorais nas áreas de teatro e fotografia. Cada um deles receberá ajuda de custo entre R$ 600 e R$ 1 mil.

Se carnaval não é só folia, o “não carnaval” de 2021 pode ser uma oportunidade para o Brasil reinventar sua mais autêntica manifestação popular. A história registra que em 1919, após o fim da Primeira Guerra e da gripe espanhola, o Rio de Janeiro fez o seu “carnaval da revanche”, tido como “o maior de todos os tempos”. Quem sabe o de 2022, para o qual já estão sendo vendidos abadás, venha para ressignificar a festa dos brasileiros. Como diz a letra de Vinícius na Marcha de Quarta-feira de Cinzas: “A tristeza que a gente tem/ Qualquer dia vai se acabar/ Todos vão sorrir, voltou a esperança/ É o povo que dança, contente da vida feliz a cantar”.

Celso Masson é diretor de núcleo da DINHEIRO