Empresas paradas, comércio fechado, metade da população em isolamento social. O cenário brasileiro para tentar conter o aumento no número de casos de Covid-19 não é nada convidativo para a economia. Mesmo com incertezas do mercado e avaliações de queda brusca no Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, a gigante chinesa Xiaomi trafega na contramão e acaba de lançar seu 17º modelo de smartphone no País em apenas dez meses do início de sua operação em território brasileiro. Entre celulares, acessórios, aparelhos eletrônicos e outros itens que fazem parte do dia a dia das pessoas, como escovas de dente e guarda-chuvas – tudo com tecnologia embarcada –, a companhia prolifera a diversificação de seus produtos. “Entramos no Brasil com o objetivo de trazer experimentação. Em 2020, vamos focar no conhecimento da marca, para que os consumidores possam tocar nos nossos produtos”, afirma o presidente da Xiaomi no Brasil, Luciano Barbosa. Para isso, a companhia planeja incrementar as parcerias com revendedores e ampliar os atuais 2,5 mil pontos de venda físicos para grandes redes varejistas. Um dos acordos mais recentes é com a Casas Bahia. Outros projetos incluem Extra, Kalunga, Pernambucanas e Ricardo Eletro, além de lojas das operadoras de telefonia celular. “Nosso plano de expansão está mantido”, diz o executivo. Hoje são duas lojas próprias em São Paulo: nos shoppings Ibirapuera e Center Norte. As inaugurações foram marcadas por filas de clientes antes da abertura.

A principal característica da empresa chinesa é entregar produtos de alta performance a preços competitivos. Tem funcionado, principalmente com os smartphones. Dados da StatCounter, serviço de análise que mensura a quantidade de dispositivos móveis conectados à internet, mostram que, de fevereiro de 2019 a fevereiro de 2020, a participação da Xiaomi no mercado brasileiro mais que triplicou, variação de 255,5%. No segundo mês do ano passado, 1,89% dos celulares que acessavam a internet eram da marca chinesa. No mesmo período deste ano, 6,72%. Ultrapassou a LG em janeiro, tornando-se a quarta mais atuante no País, atrás de Apple (12,31%), Motorola (22,40%) e Samsung (46,21%). Das mais de dez marcas que vendem celulares no Brasil, apenas a Xiaomi e a Samsung têm crescido nos últimos meses.

O mais novo modelo na prateleira é o Redmi Note 9S, uma aposta da marca para a categoria de intermediários premium. Possui câmera quádrupla, bateria de longa duração (pode ultrapassar 48 horas) e processador Snapdragon 720G, especialmente desenvolvido para games – com recursos avançados que permitem atender a chamadas enquanto se joga sem interromper o game e otimizar tons de cores nos gráficos. Preço: R$ 2.799 (64 GB). Seu antecessor, o Redmi Note 8, é o celular mais vendido no comparador de preços e marketplace Zoom nos últimos cinco meses (novembro a março). A fórmula para cair no gosto dos brasileiros é a mesma: custo-benefício proporcionado pela combinação de um hardware potente, bom design e um conjunto de câmeras elogiado.

PASSADO Se hoje a tecnologia da Xiaomi desponta com aceitação e crescimento no mercado brasileiro, vale lembrar que nem sempre foi assim. Em 2015, cinco anos depois de sua criação, a companhia tentou explorar as terras tupiniquins. Sem sucesso. Uma série de equívocos fez empresa interromper a operação já em 2016. Na época, a chinesa entrou no Brasil com um portfólio de apenas dois smartphones, pulseira tecnológica e power bank (carregador portátil). Os produtos eram de características básicas e com preços elevados, apesar de a companhia vender a imagem de alta performance. A comercialização era apenas on-line. Erros que prejudicaram o negócio.

Com essa experiência negativa na bagagem, a Xiaomi voltou ao Brasil em meados do ano passado. Desta vez por meio de uma parceria estratégica com a DL, importadora e distribuidora oficial de seus produtos no Brasil, localizada no município de Santa Rita do Sapucaí (MG), um dos principais polos de tecnologia do País, também conhecido como o Vale do Silício brasileiro. A empresa possui 15 anos de experiência e contatos importantes com pequenos, médios e grandes varejistas, o que garante à Xiaomi pontos de venda pulverizados, tanto físicos como no e-commerce. “Agora conhecemos melhor o Brasil, temos produtos de excelente qualidade, um leque grande de itens e um ótimo canal de vendas. Mudou nossa imagem”, afirma Luciano Barbosa.

MOBILIDADE O leque ao qual o executivo se refere é composto por cerca de 300 itens comercializados pela companhia no Brasil. Tem de tudo. É um tudo que garante 50% do faturamento da Xiaomi no País. A outra metade da receita é apenas dos celulares. Além de smartphones e acessórios, a chinesa vende lâmpadas LED tecnológicas, escovas de dente elétricas (com 30 mil vibrações por minuto), relógios de pulso e até guarda-chuva com abre-fecha automático.

Além disso, dois produtos se destacam na área de mobilidade: bicicleta elétrica dobrável e patinete elétrico. Esses dois itens são apostas da empresa quando a quarentena acabar, pois mira na mudança de comportamento das pessoas, que vão evitar transporte público. “O mundo já não é o mesmo e na retomada vão ocorrer outras mudanças. Inclusive na mobilidade urbana”, diz Barbosa. Antes do início da quarentena provocada pela pandemia de coronavírus, no início de março, o patinete, chamado de Mi Electric Scooter, custava R$ 3.699,00. As vendas estavam em “crescente bem positiva”, segundo o executivo, pegando carona no boom do uso desses equipamentos.

Com a penetração atual e a perspectiva de crescimento no mercado brasileiro, especula-se que a Xiaomi comece a fabricar seus produtos no País. As discussões internas para concretizar o projeto estavam adiantadas, mas sofreram mudanças por causa do cenário provocado pela Covid-19. “Está em estudo e não tem previsão de conclusão”, afirma Luciano Barbosa.

Empresa vê o Brasil com potencial de consumo para seu portfólio e preparado em infraestrutura, caso ela decida produzir no país. (Crédito:Divulgação)

Além de aguardar melhor visão do atual cenário, que está nebuloso, os cabeças da companhia avaliam outras variáveis, como as mudanças na lei do Processo Produtivo Básico (PPB), apelidada de Lei da Informática, que prevê incentivos para produção local. “Somos muito pés no chão. Vamos estudar bastante”, afirma Barbosa. A empresa vê o Brasil com potencial de consumo e preparado em questão de infraestrutura. Montar uma fábrica para poucos modelos seria uma das saídas.

Enquanto não define sua planta no País, a importação continua sendo o caminho percorrido pelos produtos da Xiaomi. Parte do sucesso pega carona na mudança de imagem do produto chinês. O preconceito diminuiu. Muito em razão da mudança da própria mentalidade do empresariado do país asiático e da exigência da sociedade chinesa por produtos de melhor qualidade. Essa barreira do ‘preconceito’ foi rompida, na avaliação do executivo brasileiro. “Ficaram as grandes marcas, que possuem qualidade e preço”, diz. “Produto de informática requer qualidade. Estamos no estágio de as pessoas almejarem nossos produtos.”

SUCESSO Marca tem apenas duas lojas próprias, ambas na cidade de São Paulo. Inaugurações foram marcadas por filas na porta. (Crédito:Divulgação)

A China foi o primeiro país a se afetado pelo coronavírus e, atualmente, volta aos poucos ao ritmo normal de produção. Seria uma vantagem para a companhia chinesa em relação às concorrentes? Para Luciano Barbosa, a resposta é sim, mas ressalta que a empresa também foi afetada pela crise, com atraso na atualização de alguns softwares de novos produtos. Não houve, porém, atraso de produção de peças e componentes e os itens da Xiaomi chegam normalmente aos consumidores. “Estamos bem abastecidos”, afirma. E assim segue a proliferação da Xiaomi no Brasil.