Álvaro Dias, senador e pré-candidato à Presidência da República

Nas últimas semanas, o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) tem dedicado a maior parte de seu tempo a viajar pelo País, buscar apoio popular e estabelecer um discurso convincente de reconstrução das bases políticas nacionais. Como pré-candidato à Presidência, definiu como sua prioridade aquilo que tem chamado de “refundação da República”, uma síntese da proposta de reestruturação dos modelos político, fiscal e até previdenciário do Brasil. Desde a semana passada, no entanto, Dias assumiu uma postura mais crítica, principalmente em relação ao Supremo Tribunal Federal, que adiou a decisão a respeito do futuro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Quando o STF, uma instituição fundamental para a preservação do Estado de direito, se divorcia das aspirações da sociedade, a República falece”, disse o senador. Acompanhe, a seguir, sua entrevista:

DINHEIRO – Por que o sr. se considera credenciado a disputar a Presidência e quais são as suas principais bandeiras?

ÁLVARO DIAS – Porque eu sei que o meu passado limpo derrotará as grandes estruturas. Nossa proposta é de rompimento radical com o atual sistema de governança. De refundação da República. O Brasil precisa enfrentar uma reforma do Estado, passando pelos poderes Executivo e Legislativo, especialmente. É preciso acabar com os privilégios das chamadas autoridades. Será preciso rever as mazelas dos andares de cima para, depois, propor alguma mudança para os andares inferiores. Só assim a classe política estará credenciada a propor reformas.

DINHEIRO – Mas essa proposta de combate aos privilégios, repetida em todas as eleições, já não está velha e desgastada?

DIAS – A diferença é que os que pregavam a eliminação dos privilégios, no passado, não abriam mão dos seus próprios privilégios. O que me credencia a pregar essas mudanças é meu histórico político. Faço isso há 27 anos. Não recebo aposentadoria de ex-governador. No Paraná, sou o único. Somados, seriam R$ 11 milhões. Não recebo, há mais de dez anos, o auxílio-moradia de R$ 5,5 mil por mês e não moro em apartamento funcional. E não recebo também a verba-indenizatória de R$ 15 mil por mês. Então, no fim do ano, com todas essas renúncias, acabo comemorando uma economia de quase R$ 1 milhão aos cofres públicos. Por isso, posso assumir esse compromisso com tranquilidade. Comigo será diferente. Se não for para fazer diferente, eu não seria candidato.

DINHEIRO – Por que o eleitor vai acreditar nisso agora, em meio a tantos escândalos de corrupção no poder público?

DIAS – Tenho a percepção de que há, no inconsciente coletivo, um movimento de mudança. Isso tem levado o eleitor a eliminar intermediários e se relacionar diretamente com os candidatos. A leitura que eu faço é a de que o eleitor não está com a esperança de que surja um salvador da pátria, alguém que vem de outro planeta para salvar o país. Espera que o próximo presidente tenha a coragem de propor a substituição desse sistema político que não deu certo. Fracassou.

DINHEIRO – O sr., um político de longa data, não faz parte do atual modelo político?

DIAS – Não se pode, irresponsavelmente, colocar todos no mesmo pacote. O modelo político atual é um monstro, calcado em fundo partidário e fundo eleitoral, que utiliza recursos públicos como fábrica de siglas. Esse modelo impede a renovação da política. Não vejo hipótese de grande renovação no parlamento com esse sistema que nos tornou reféns dele. A mudança desse modelo político é parte daquilo que chamo de refundação da República.

DINHEIRO – Mas seu nome esteve envolvido em uma acusação de recebimento de propina de R$ 5 milhões da Odebrecht. Qual sua posição?

DIAS – Isso é um absurdo. Não há nenhum inquérito ao meu respeito. Que fique bem claro que não sou investigado. Minha vida é ficha limpa do começo ao fim. Minha luta é o combate à corrupção. O bom jornalista sabe distinguir o que é falso do que é verdadeiro, e não pode contribuir para que se jogue todos os políticos no mesmo lamaçal da corrupção. Posso perder a eleição, perder eleitor, perder amigos, mas jamais perderei minha dignidade. Quem é que não viu minha atuação no Congresso, inclusive na CPI? (ele se refere à CPI da Petrobras). Quem não viu, não tem o direito de pegar o e-mail de algum malandro, que está usando meu nome para achacar empresas, e considerar que isso já é a prova de pagamento de propina. Isso é uma armação de natureza política para desconstruir minha imagem. Isso vem do esgoto, da podridão da política.

DINHEIRO – Como refundar a República se as mudanças que o sr. propõe dependem do apoio daqueles que se beneficiam dos privilégios?

DIAS – Exatamente. Essa é a questão-chave. A solução seria o novo presidente da República, no calor das urnas e com a legitimidade do voto, elaborar um projeto alinhado com as demandas da sociedade. Ao demonstrar para os brasileiros que as mudanças são necessárias, ele terá o apoio popular e o apoio do Congresso. Afinal, o Congresso apoia aquilo que o eleitor exige. Por questão de inteligência e de sobrevivência, o Congresso não rema contra a maré.

DINHEIRO – Qual é sua bandeira econômica?

DIAS – Temos três desafios fundamentais para a economia. Primeiro, o da produtividade. O Brasil, nesse quesito, supera apenas o Sri Lanka e a Ucrânia. O segundo desafio é o dos investimentos. Aí nós só superamos apenas a África. E, por último, o desafio mais urgente: o problema fiscal. Por isso é fundamental a redução do tamanho do Estado.

DINHEIRO – Redução do Estado significa privatização de estatais?

DIAS – Sim, de quase todas, com exceção das estratégicas. Hoje existem 149 estatais federais, 30% delas criadas durante os governos do PT para servirem como cabide de emprego. Então, fechadas, elas não fariam falta alguma. A privatização é inevitável. Agora, setores como o de energia, com a Petrobras, não podem entrar na lista de privatização. Podemos até avaliar isso em um futuro distante, mas não agora. Vender a Petrobras hoje, desvalorizada pela metade, na bacia das almas, seria um crime de lesa-pátria. Aliás, a Petrobras já foi privatizada pela corrupção. Então, antes de discutir uma privatização, temos de reestatizar.

DINHEIRO – Então o sr. defende manter a Petrobras como está, mesmo tendo sido a principal fonte de propina nos governos do PT?

DIAS – O que se admite é a liberação da competição em torno da Petrobras. Mas o controle precisa ser do Estado brasileiro. É uma questão de segurança nacional e de soberania do País. A Eletrobras é a mesma coisa. O Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal também precisam continuar nas mãos do Estado. A privatização desses bancos, que são instrumentos de alavancagem do desenvolvimento, nos entregaria totalmente ao sistema financeiro. A agricultura, por exemplo, se ressentiria muito da ausência do Banco do Brasil.

“Quando uma instituição como o STF se divorcia das aspirações da sociedade, a República falece” Audiência do STF que analisou pedido de habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula. A decisão foi adiada para o dia 4 de abril (Crédito:Evaristo Sa / AFP)

DINHEIRO – Quem seria seu ministro da Fazenda?

DIAS – O melhor que eu pudesse encontrar no momento. A definição dos nomes só será possível depois das eleições. A paixão da disputa impede que você possa fazer a opção pelo melhor, antecipadamente.

DINHEIRO – O sr. não tem nomes em mente?

DIAS – Se eu te der nomes, estou comprometendo a minha tese. Tenho conversado com economistas, de várias tendências, tentando construir esse mosaico. O objetivo é montar o melhor time que atenda aos interesses do País.

DINHEIRO – Como o sr. avalia o atual governo?

DIAS – A ausência de credibilidade do governo atual compromete a tarefa de se desenhar um ambiente de negócios. Estamos atraindo poucos investimentos externos e não estamos entusiasmando os investidores internos. Não há atmosfera favorável ao desenvolvimento.

DINHEIRO – E a equipe econômica?

DIAS – A equipe é boa, mas não adota as medidas suficientes. A questão da dívida pública, por exemplo, não tem recebido a atenção que merece. Eles acabam se prendendo muito na necessidade de um ajuste fiscal, com base em corte de alguns gastos localizados e de aumento dos impostos. Sempre surgem novas taxas, tarifas e alíquotas para cobrir déficits. Fica difícil promover ajuste fiscal, que tenha algum efeito prático na economia do País, quando se fala em aumentar impostos. Aumentar impostos é uma contradição imperdoável.

DINHEIRO – Se o Brasil enfrenta um problema fiscal, como reduzir impostos?

DIAS – A carga tributária brasileira inibe o processo de crescimento econômico. O fundamental para dar dimensão ao crescimento econômico e estimular o processo de desenvolvimento seria uma grande reforma tributária, inteligente e competente, que pudesse fazer a roda da economia girar com mais força. Com menos impostos, o governo arrecadaria mais em decorrência do crescimento econômico. Mas o governo é imediatista. Tem medo de perder receita e não tem visão estratégica e de futuro. Sabem que estão ali provisoriamente, para tapar o buraco nessa fase de transição. Então, não se faz reforma em profundidade.

DINHEIRO – Qual sua posição sobre a Reforma da Previdência?

DIAS – A palavra reforma, quando se fala em Previdência, foi condenada pela ação do atual governo. É uma palavra desgastada, que devemos evitar. Prefiro tratar do assunto, valendo-me das experiências bem-sucedidas de outros países, como sendo uma atualização da legislação brasileira. Prefiro falar em atualização da Previdência Social ou modernização do sistema previdenciário.

“Vender a Petrobras desvalorizada pela metade, na bacia das almas, seria um crime de lesa-pátria”Refinaria da Petrobras no Rio de Janeiro (Crédito:Arquivo Petrobras)

DINHEIRO – Além de chamar a reforma de atualização ou modernização, como resolver a questão do déficit?

DIAS – Obviamente, começar cobrando contas. Inicialmente, temos de fazer um balanço e mostrar para a sociedade, com todas as letras, o que ocorreu com a Previdência Social no País. Apontar porque chegamos a um déficit monstruoso e também expor publicamente o balanço dos devedores. Há uma inadimplência de mais de R$ 400 bilhões, uma dívida de grandes empresários, de grandes banqueiros e de partidos políticos, inclusive. Enquanto não se cobrar essa dívida, efetivamente, não se pode colocar a mão grande no bolso dos trabalhadores e dos aposentados menores. Então, para o governo ter autoridade para promover uma reforma, tem de tomar essas providências.

DINHEIRO – A explosão da violência pode levar eleitores a votar em candidatos que levantam a bandeira da segurança pública de forma mais enfática, como o deputado Jair Bolsonaro?

DIAS – Tudo é duvidoso na questão do que pode empurrar eleitores, para lá ou para cá. Pesquisas de intenção de voto hoje não significam nada. Ainda estamos muito distantes do episódio. O Collor tinha 3% das intenções em abril, e ganhou a eleição. Já vi candidato com 0,3% das pesquisas, setenta dias antes da eleição, e ganhou. Então, é muito prematuro cravar uma tendência agora. As pessoas ainda não estão decididas. A questão da segurança é hoje a pauta preponderante no radar de qualquer candidato. Mas todos precisam explicar de onde virá o dinheiro para bancar as ações de segurança.

DINHEIRO – O sr. acredita que a legalização da maconha é uma forma de combater o tráfico?

DIAS – Sou radicalmente contra isso. Seria um desastre. O exemplo antes oferecido como favorável à tese, o caso da Holanda, hoje se apresenta como desfavorável.

DINHEIRO – Mas está funcionando em alguns Estados americanos…

DIAS – Os Estados Unidos avançaram muito mais do que nós em mecanismos de administração pública e de controle de drogas. No Brasil, com essa imensa faixa de fronteira para atuação de traficantes, seria um estímulo ao consumo. Não chegamos a esse estágio ainda, não evoluímos o suficiente. Estamos atrasados. A questão fundamental é o restabelecimento da autoridade. Quando a autoridade não se impõe, a marginalidade se sobrepõe. Por isso, defendo tolerância zero no combate ao crime e à corrupção. Tolerância zero significa conferir autoridade aos que comandam.

DINHEIRO – Se eleito, o que o sr. fará com programas sociais, como Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida?

DIAS – Preservar, mas administrar melhor enquanto estivermos vivendo nesse estado de pobreza. Mentirosamente, advogaram que os programas sociais tiraram milhões da pobreza. Na verdade, os programas sociais estavam escondendo a pobreza. Hoje, os números oficiais mostram que temos 52 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Se fosse um país, seria o 280 do mundo. É mais gente do que a população da Argentina. O Uruguai, a Irlanda e a Nova Zelândia, somados, têm menos população do que o contingente de pobres no Brasil.

DINHEIRO – Uma eventual prisão de Lula pode gerar um efeito contrário, um sentimento de vitimização?

DIAS – Se vivemos em um Estado de direito, em um País democrático, a prisão de Lula é a única alternativa para preservar a democracia. Um político preso por corrupção não vai conseguir se tornar vítima. E quem acredita nisso deve acreditar também em Papai Noel.

DINHEIRO – O STF errou ao adiar sua decisão?

DIAS – Sim. O voto suspeito de seis ministros do Supremo causou grande indignação no País. Não poderia ser diferente. Quando uma instituição como o STF, fundamental para a preservação do Estado de direito, se divorcia das aspirações da sociedade, a República falece. A República faleceu.