Streaming, podcast, eBook, webinar, audiolivro. O mundo da tecnologia tem incorporado, numa velocidade pandêmica, diversos novos formatos para distribuição de conteúdo – e a ascensão da Netflix nos últimos anos exemplifica o fenômeno com precisão. É nesse ambiente que a carioca Ubook, fundada em 2014 e hoje maior a plataforma de conteúdo em áudio por streaming da América Latina, planeja se tornar também a maior do mundo. Se o coronavírus permitir, a empresa vai abrir capital na bolsa de Toronto (a TSX) ainda neste ano, onde deve captar cerca de R$ 10 milhões, segundo estimativas, e chegar a um valor de mercado de 100 milhões de dólares canadenses (cerca de R$ 350 milhões) nos próximos dois ou três anos. “Nossa meta é ser a maior plataforma de ‘audiotainment’ do mundo”, afirma Flávio Osso, fundador e CEO da Ubook. “O áudio pode ser mais uma forma de democratizar o acesso à cultura no nosso País.”

A ambição do empresário está sustentada nos números de crescimento do mercado. Com faturamento estimado em R$ 25 milhões por especialistas do setor, a Ubook vem acelerando sua produção de conteúdo original. Em três anos, passou de 50 horas de programação própria por mês para as atuais 450 horas. Esse avanço está em sintonia com a expansão da demanda. O podcast, por exemplo, é uma das mídias que têm mais crescido nos últimos anos. Um levantamento feito pela plataforma Deezer mostra que os programas de áudio sob demanda aumentaram 67% no País em 2019. A pesquisa aponta que, no geral, a adesão aos podcasts tem sido maior no Brasil do que em certos países no exterior.

Na França e na Alemanha, locais em que há um crescimento vertiginoso, o formato teve um crescimento expressivo de 50% em um ano, mas ainda ficou atrás do índice registrado no Brasil. Além de mostrar o crescimento da mídia no País, o estudo revelou que os brasileiros são bastante engajados com o formato. Entre os ouvintes no Brasil, 25% tendem a consumir mais de uma hora de programas em áudio por dia. Graças ao poder dos podcasts de manter a atenção do público por uma grande quantidade de tempo, a mídia tem ganhado a atenção de empresas de publicidade, que investem em novas formas de anunciar dentro do serviço.

Além disso, companhias de renome no mundo do streaming, como Spotify, Deezer, Amazon e Google, alem da Ubook, estão investindo no segmento por meio de programas originais. E a tendência é de que o setor veja seus rendimentos subirem nos próximos anos. Segundo levantamento da consultoria PwC, os podcasts geraram um faturamento publicitário de US$ 1 bilhão em 2019 globalmente. Até 2023, o valor deve subir cerca de 21%.

Todos os números confirmam que a publicação de áudio continuará sua trajetória ascendente. “Nos últimos sete anos consecutivos, o crescimento tem sido de dois dígitos em todo o mundo. É algo realmente extraordinário”, afirma Chris Lynch, copresidente da Audio Publishers Association (APA). “Mais audiolivros sendo produzidos significa que as pessoas estão ouvindo mais do que nunca.”

O plano de abertura de capital no Canadá pela Ubook tem sido bem desenhado pelo CEO e investidores. Com operações em países como México, Colômbia, Chile, Peru, Portugal e Espanha, a empresa planeja com a injeção de dólares no IPO (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações) acelerar sua internacionalização e fortalecimento dos negócios com aquisições. “Não queremos estar em todos os países com um pontinho, como se fosse um tabuleiro de War. A ideia é ser dominante nos mercados onde estamos”, afirma Osso.

APORTE Recentemente, a Ubook recebeu aporte de R$ 3,2 milhões do fundo Cypress M3 FIP, da TM3 Investimentos, uma gestora independente de recursos focada em empresas brasileiras de middle-market, que tem como um dos principais investidores o empresário Marcel Malczewski, fundador da Bematech. “A Ubook vem crescendo de forma acelerada. Apesar de jovem, é uma empresa financeiramente muito saudável”, diz Malczewski. “O audiobook tem ocupado o espaço do livro eletrônico, mercado que vem perdendo força”, acrescentou.

O aumento exponencial da aceitação do audiolivro no Brasil e no mundo tem outras razões, segundo Osso. Além da enorme facilidade da tecnologia, já que a plataforma pode ser acessada de forma simples por tablets e celulares, através de aplicativo ou navegador de internet, a necessidade de otimizar o tempo também ajuda. “Um exemplo disto é durante o trânsito, tanto para quem está dirigindo ou se locomovendo por transportes públicos, o tráfego é mais caótico a cada dia e as pessoas tendem a considerar este um período perdido”, diz Osso. “Ouvir um livro enquanto se está parado no trânsito traz a sensação de aproveitar muito melhor este tempo.” A Ubook recebeu também aporte de R$ 20 milhões da Confrapar, gestora de fundos para empresas de tecnologia, em um movimento que antecede o IPO.

Marcel Malczewski “A Ubook vem crescendo de forma acelerada. Apesar de jovem, é uma empresa financeiramente muito saudável” (Crédito:Claudio Gatti)

A listagem na TSX será pelo processo conhecido como “reverse takeover” (aquisição reversa), que consiste em uma empresa utilizar uma outra já registrada em bolsa, mas inativa, para negociar suas ações. Ao assumir o controle de uma companhia registrada na bolsa do Canadá, por exemplo, uma empresa brasileira ganha exposição mundial. Segundo Osso, a Ubook está preparada. Com mais de 100 mil audiobooks em cinco idiomas, 1,5 mil jornais e revistas em áudio, 350 mil podcasts e mais de 2,8 milhões de usuários em 2019, a estratégia é seguir os passos da Netflix.

“Vamos ser a Netflix de olhos fechados”
Entrevista com Flávio Osso, CEO da Ubook

Flávio Osso, CEO da Ubook. (Crédito:Claudio Gatti)

O crescimento da Ubook no País reflete o baixo grau de leitura do Brasil?
Existe essa mística de que o brasileiro lê pouco. Mas não é isso. Está lendo cada vez mais. O que está mudando é o formato. As pessoas estão o tempo todo lendo posts nas redes sociais. Não é o que gostaríamos que estivessem lendo. Poderiam ler mais livros. Por isso, como as pessoas mudaram os hábitos de consumo, temos também livros impressos, mas estamos buscando entregar conteúdo na situação e no momento em que estão dispostos a consumir.

Qual a meta da empresa?
Nossa meta é ser a maior plataforma de ‘audiotaintment’ do mundo. Temos audiobooks, séries e documentários, programas de entrevistas, stand up comedy. Hoje produzimos muito conteúdo original. Muito na linha de outras empresas de streaming, muito focada em filme, fazemos nosso conteúdo próprio em áudio. Além disso, a Ubook, que antes era só audiobook, hoje tem outras verticais de conteúdo em áudio. Temos documentários, noticia em tempo real, em parceria com Reuters e The Guardian.

Os livros digitais aparentemente fracassaram. Os audiobooks correm esse risco?
Não acho que foi um fracasso. O que houve foi um erro de expectativa. Não se substitui um hábito construído em milênios, com os livros, por um dispositivo novo, um smartphone ou um tablet. Houve uma super expectativa, que pra mim nunca fez sentido. Um livro custa R$ 29, R$ 39 ou R$ 49. Para começar a ler no digital, começa em R$ 300 para cima.

Os conteúdos em áudio não podem prejudicar o setor de leitura?
A gente não quer que as pessoas ouçam mais do que leiam. A gente quer que o consumidor consuma conteúdos. O áudio pode ser mais uma forma de democratizar o acesso à cultura. Não temos a pretensão de substituir nada.

O Netflix conseguiu multiplicar seus resultados quando deixou de ser uma plataforma de distribuição de conteúdo para se tornar uma produtora de conteúdo. O plano do Ubook é semelhante?
Com certeza. A produção de conteúdo original é o caminho para crescer. Hoje, 70% da nossa produção é de conteúdo original. O Netflix é nosso benchmark. Eles estão focados no vídeo. A gente, no áudio. A essência é a mesma. Ao se tornar o maior do mundo, vamos ser a Netflix de olhos fechados.

O livro em papel vai acabar?
Não. É inimaginável que uma cultura que existe desde o pergaminho vai acabar. Sempre vai ter o seu espaço. Mas isso não significa que temos que obrigar as pessoas a consumir um único formato. O importante é ter a liberdade de escolha. Tem espaço para todo mundo.

A ameaça maior é para o rádio?
No formato tradicional do rádio, com certeza. Já tive uma emissora de rádio aqui no Rio de Janeiro, a Jovem Pan. As rádios que estão dando certo são as que entenderam essa movimentação. A freqüência FM é só um meio de entregar o conteúdo. Uma rádio que tem uma marca forte, como a Jovem Pan, o que importa é a reputação do nome e a qualidade do conteúdo, não importa o meio. Para os veículos que já são tradicionais, é muito mais importante a solidez e seriedade da marca. Para elas, sempre vai haver cliente para consumir o conteúdo, em qualquer meio.

Está mantida a intenção de IPO?
Sim. O coronavírus atrapalha os planos, mas mantemos firmes e fortes com o plano. A gente sempre entendeu que para nos tornar grande, é importante a abertura de capital fora do Brasil. Além de ser um mercado em dólar, o Canadá tem um foco em empresas pós-startup. É uma bolsa que está nos apoiando muito e está muito próxima da Nasdaq. Há muito investidor americano que investe no mercado canadense, principalmente no segmento de tecnologia.