Houve um tempo em que a caderneta de poupança era o destino certo dos recursos de quem pretendia guardar qualquer reserva financeira. Simples, sem risco e livre de impostos, ela protegia os recursos sem remunerar quase nada. À medida que mais e mais pessoas passaram a ter acesso à educação financeira, cresceu o número de investidores na bolsa de valores ou que direcionam recursos a produtos bancários atrelados a ativos de risco. E a poupança foi perdendo clientes. Entre julho de 2019 e abril de 2020, a quantidade de CPFs cadastrados na B3 dobrou, para 2 milhões de registros. Além disso, a forte queda dos juros nos últimos dois anos incentivou a migração de muitos para opções mais rentáveis, ainda que mais voláteis. Apesar de tudo isso, muita gente ainda considera a poupança a opção mais segura para guardar o dinheiro, embora seja o produto de renda fixa que menos remunera no momento.

Em maio, a poupança rendeu ínfimos 0,17%. Mesmo assim, apresentou captação líquida de R$ 37 bilhões, resultado de depósitos de R$ 235 bilhões e retiradas de R$ 198 bilhões. Foi o maior valor mensal registrado desde 1995, quando a série histórica do Banco Central teve inicio. E, se isso pode deixar a impressão de que maio foi um ponto fora da curva, o recorde anterior havia sido abril, com captação líquida de R$ 30,5 bilhões. No ano, a poupança acumula captação de R$ 63,9 bilhões.

Gerente de investimentos do Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), Marcia Guerra recorda que em 2019 a bolsa estava fervilhante. Isso chamou a atenção não só de uma nova geração de investidores, mas também da anterior, que não tinha apetite para risco, mas acabou seduzida pelo bom desempenho da renda variável. Essa segunda turma teve prejuízo, se assustou e retornou para a poupança. “É um produto simples, fácil de aplicar o dinheiro e com ótima liquidez”, diz. Segundo ela, a segurança não estaria apenas na garantia de uma rentabilidade positiva, mas também no histórico de saúde das instituições.

Pessoas de mais idade viram diversos bancos quebrarem e interpretam que o dinheiro na poupança não será perdido. “O Fundo Garantidor de Crédito protege valores de até R$ 250 mil, não só da poupança, mas de outras aplicações em renda fixa. Porém, muita gente não sabe disso”, afirma Marcia. Em maio, o Sicredi registrou captação líquida de R$ 93 milhões ante R$ 60 milhões em maio de 2019, ou 53% a mais. Em abril, foram R$ 97 milhões contra R$ 58 milhões do mesmo mês do ano anterior (alta de 66%).

Mesmo a segurança e a liquidez podem não explicar completamente os recordes da poupança. Gestor da Guide Investimentos, Erick Scott Hood avalia que escaparam para essa opção apenas aqueles que ainda desconhecem outras formas de aplicação em renda fixa. “A poupança não é um bom investimento nem para o mais conservador”, diz. O gestor ressalta que há opções que trazem rendimento maior e que também permitem liquidez imediata, como o Tesouro Direto Selic, fundos DI e CDBs. Analista de renda fixa da assessoria de investimentos Spiti, Guilherme Cadonhotto destaca a praticidade: “Uma vantagem da poupança é a facilidade para abrir uma conta e fazer depósitos”. Ele entende que o atual sucesso da caderneta não será longevo. “Com a popularização das plataformas, investir no Tesouro ou em outras opções ficou igualmente fácil.”

Apesar das baixas taxas de rendimento, os especialistas não desestimulam o investimento na renda fixa, uma vez que ela é um porto seguro em momentos de dificuldades e protege o dinheiro da perda inflacionária. Em suma, faz parte da diversificação da carteira de investimentos. Mas, é preciso buscar as melhores opções. “Hoje, a Selic está em 3% ao ano e a poupança rende apenas 70% disso”, diz Rafael Panonko, analista-chefe da Toro Investimentos, alertando que, ao buscar outros investimentos sem risco, é preciso ficar de olho em taxas de administração que podem ser cobradas. “Antigamente, com juros de dois dígitos, alguns gestores cobravam de 2% a 5% em aplicações no Fundo DI, por exemplo”, afirma Panonko. “Hoje, isso é impensável. O ideal é buscar opções com taxa zero.”

LIQUIDEZ DE CURTO PRAZO Ao aplicar na poupança, principalmente em uma situação de desespero, o investidor menos experiente não precisa se preocupar em se informar sobre taxas e outras variáveis. Além disso, não existe cobrança de imposto de renda sobre o rendimento para pessoas físicas, independentemente do tempo que o dinheiro está aplicado. “Por isso, nós a indicamos para quem precisa de liquidez no curto prazo”, diz. Dica preciosa, pois quem aplica em CDB, por exemplo, pagará 22,5% de IR sobre o rendimento, caso precise resgatar antes de seis meses. Depois desse tempo, a cobrança de IR cai de forma escalonada, até 15%. Outra dica é dada por Cadonhotto, da Spiti. Ele explica que há ativos de renda fixa que oferecem risco de mercado e, apesar de perdas serem muito raras, ela pode ser muito alta. “Um exemplo é o Tesouro IPCA+ 2045, que, em março, chegou a cair 20%”, diz ele, que, por isso, não recomenda ativos pré-fixados ou indexados por inflação de longo prazo.