A cossada por um governo que impõe sua agenda ideológica extremamente conservadora e maniqueísta acima dos imensos desafios econômicos do País, a estatal de combustíveis se torna mais uma vez refém do uso político, perde R$ 32 bilhões em valor de mercado e retira o patrocínio de 13 dos mais importantes projetos culturais do País – uma decisão com consequências desastrosas não apenas para a classe artística como para toda a economia criativa.

Quando Fernando Collor de Mello assumiu a presidência da República, em 1990, uma de suas primeiras medidas – junto com o confisco da poupança dos brasileiros – foi extinguir a Embrafilme, a estatal ligada ao ministério da Cultura e dedicada à produção e distribuição de filmes nacionais. Com um orçamento anual médio de cerca de US$ 12 milhões, a empresa conseguia colocar nos cinemas um longa-metragem a cada 15 dias. Por ironia do destino, quando o decreto da extinção foi assinado, a Embrafilme estava prestes a lançar “Dias Melhores Virão”, do cineasta Cacá Diegues.

O título não poderia ser mais profético – e para o bem do cinema nacional. Nos anos seguintes, com a criação da Lei de Incentivo à Cultura (mais conhecida pelo sobrenome do intelectual e diplomata que a concebeu, Sergio Paulo Rouanet) e da Lei do Audiovisual, a produção cinematográfica renasceu, o público fez as pazes com as salas de exibição e o cinema passou a ser um negócio rentável também para as empresas patrocinadoras, que ao investir em um filme podem receber parte da renda que ele gera em bilheteria e na venda para a televisão.

Ainda assim, a política de terra arrasada adotada por Collor em seus primeiros meses no Palácio do Planalto foi dramática para a indústria cultural e para o que hoje chamamos de economia criativa, aquela que gera riqueza a partir do talento de artistas e realizadores em áreas como o próprio cinema, o teatro, a música, a literatura, as artes visuais, a moda e tudo o que envolve criação. Ao transferir para as empresas o financiamento da cultura, o governo permitiu que essa atividade se profissionalizasse, gerando novas oportunidades de investimento em marketing – e ainda tomou o cuidado de garantir às empresas o almejado benefício fiscal.

Foi por meio desse mecanismo que a Petrobras se tornou a principal financiadora da cultura, apoiando não apenas a realização de obras de arte específicas como a manutenção de projetos de longo prazo. Por meio da renúncia fiscal, a Petrobras transfere uma parte do imposto que é obrigada da pagar a cada ano. Em vez de ir para a Receita Federal, esse dinheiro sustentou, por anos, os festivais de teatro de Curitiba e Porto Alegre, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o Festival de Música do Rio de Janeiro. No total, 13 projetos de valor inestimável para o País foram suspensos.

O corte no patrocínio fere mortalmente esses projetos e extermina uma parte significativa da atividade econômica ligada à cultura. Evidentemente, o corte não diz respeito às finanças da empresa e sim a uma reorientação de suas prioridades. Para a atual direção, o foco dos apoios será a educação fundamental. Em um governo cujo ministro da Educação sequer resistiu três meses no cargo, é difícil acreditar que o investimento da estatal no setor será bem conduzido. Antes de anunciar o corte do patrocínio, a Petrobras foi desautorizada por Jair Bolsonaro a reajustar o preço do diesel. A medida fez com que as ações da empresa caíssem 7,8%, o equivalente a uma perda de R$ 32,4 bilhões em seu valor de mercado. Por trás dessa decisão estava o medo de uma nova greve de caminhoneiros. É verdade que eles pararam o Brasil em 2018. Mas, sem cultura, o País ficará parado para sempre.