Não deve ter sido uma decisão fácil para Luiz Carlos Sella, o dono da vinícola Peterlongo. Mas ele decidiu que não deixará de estampar a palavra champagne, assim, com a grafia francesa, em seus vinhos. Desde que comprou à centenária vinícola gaúcha em 2002 e, mais recentemente, desde a contratação do francês Pascal Marty como consultor, em 2015, que o empresário é questionado sobre a palavra champanhe no rótulo de seus espumantes.

Pela legislação brasileira, Sella pode usar este termo porque a Peterlongo o utiliza desde antes da criação da região de denominação de origem Champanhe, pelos franceses, na década de 1920. É a única vinícola brasileira que sobreviveu elaborando espumantes desde então. Mas o uso da palavra incomoda os franceses, que pressionam para que o termo seja tirado do rótulo. Champanhe, afinal, é apenas o vinho espumante elaborado na região demarcada de Champanhe, com regras de elaboração bem específicas. Nem os demais espumantes franceses elaborados pelo método clássico, de segunda fermentação na garrafa, podem ser assim chamados. Pelas regras, são batizados de crémant.

Com a pressão europeia, Sella decidiu tirar o nome do rótulo da maioria dos seus espumantes, deixando a palavra apenas no seu produto premium. Foi uma, digamos, concessão aos franceses. Este espumante, alias, está passando por uma reformulação. Na próxima safra, com lançamento previsto para 2020, o espumante será elaborado apenas com a uva chardonnay, seu vinho base fermenta em barricas de carvalho e depois fica 36 meses de autólise, como é chamado o processo em que as leveduras ficam em contato com o vinho, após a segunda fermentação na garrafa. Atualmente estas garrafas envelhecem na adega subterrânea da vinícola, ainda sem o rótulo.

“O nosso consumidor gosta desde nome e consome o nosso produto”, afirmou Sella, na minha visita à vinícola no último sábado. A defesa do nome champagne pode ser feita pelos consumidores que visitam a vinícola e até ficam para o Wine Movie, um gostoso programa de assistir filme no gramado em Garibaldi, ao lado dos vinhedos. São consumidores que devem gostar de pagar menos por um “champanhe”: o espumante brasileiro é vendido por menos de R$ 180 enquanto um autêntico champanhe supera a barreira dos R$ 300.

Mas certamente não é de todos os consumidores. O Peterlongo vem ganhando qualidade e se distanciando do Espuma de Prata, a sua bebida de entrada de gama, que caracterizava a vinícola tempos atrás. Mas os aromas, sabores e complexidade dos seus melhores espumantes são muito diferentes do de um champanhe. Na minha opinião, melhor seria trabalhar para estar na nata dos bons espumantes nacionais, valorizando os produtos brasileiros.

Enquanto isso, Sella agendou para este primeiro semestre, provavelmente em maio, a visita que fará à região de Champanhe, a convite dos produtores locais. Uma das ideias que está na pauta é elaborar um champanhe da Peterlongo em território francês. Aí sim o termo no rótulo fará sentido e a vinícola absorveria um importante conhecimento para melhor elaborar as suas borbulhas também no Brasil.

No meio de toda esta discussão, chama a atenção o filme escolhido para a mais recente exibição do Wine Movie, o cinema a céu aberto da Peterlongo: o documentário “Um ano em Champagne”, de David Kennard.