Em mais uma manobra para buscar recursos extras e cobrir o buraco que vai se formando com a série de bondades eleitoreiras, o governo resolveu trazer a ideia de antecipação dos dividendos das estatais — Banco do Brasil, Caixa, Petrobras, BNDES, dentre outras —, como o novo coelho da cartola de suas mágicas. Na prática, essencialmente, está se falando da clássica pedalada, a mesma que em outros tempos, e com outros personagens, levou ao impedimento da então presidente Dilma Rousseff. Mas, como dito, a situação era diametralmente oposta da atual e não contava com um parlamento absolutamente resiliente diante das práticas do mandatário. O modelo que ficou notório com a petista e causou a convulsão do impeachment serve agora para modelar e até maquiar o desempenho da economia no segundo semestre, que vai de mal a pior. O governo não tem um problema de receita premente, dada a arrecadação recorde verificada, mas o quadro de desequilíbrio fiscal para 2023 é inevitável, em virtude da gastança eleitoral, que cobrará o preço mais adiante. De uma forma ou de outra, como é sabido, os benefícios distribuídos às mais diversas categorias e setores não irão perdurar. Têm prazo para terminar. Porém seus efeitos perversos sobre as contas serão sentidos a conta-gotas. No momento atual, pedir antecipação de dividendos é uma sinalização que já cria expectativas negativas do mercado, sempre atento aos passos do Executivo. A onda de temor pode, ato contínuo, gerar uma reclusão dos investimentos, especialmente os internacionais, com o efeito cascata desse processo impactando a economia como um todo. Apenas nos primeiros seis meses do ano o governo despejou na praça uma montanha de dinheiro para atrair apoios. E a saga continua. A antecipação de dividendos que, na prática, tem a mesma finalidade é um improviso de caráter contábil, no mínimo, duvidoso. Ele reforça a ideia de tentativa de maquiagem artificial dos resultados. Em outras palavras: o eventual superávit que venha a ser obtido neste semestre, com o claro objetivo de mostrar números em azul para conquistar o reconhecimento dos eleitores, trata-se da mais clássica gambiarra. Não se muda a realidade com artifícios dessa natureza. A promessa de zerar o déficit nominal — como sugerido ainda no início do governo — virou uma quimera. Privatizações, que eram o caminho natural para se obter recursos fartos e concretos, mal saíram do papel, salvo casos isolados. O arsenal de manobras, no bojo de uma contabilidade criativa, macula a esperada meta de gestão republicana do Estado. A quem a administração pública atual imagina enganar? Todo arcabouço liberal pretendido pela equipe econômica comandada por Paulo Guedes parece estar indo para as calendas — em que pese o empenho e as articulações do ministro nesse sentido de tornar o Estado mais enxuto. Aliado ao furo do teto dos gastos, a antecipação de dividendos amplia o fosso de dificuldades para que o Brasil, lá adiante, consiga retomar o caminho da estabilidade. A nova matriz econômica é condenável em vários aspectos, principalmente no que tange a seriedade dos números exibidos. Não dá para levar em conta.

Carlos José Marques
Diretor editorial