Lá vem “el jefe” (o chefe). Vestido em uma calça jeans, camisa sem gravata e paletó bem cortado, caminha discretamente pelo aeroporto de Santiago. Dirige-se ao balcão de embarque e, como todos os demais clientes da companhia aérea chilena LAN, cumpre os procedimentos sem qualquer privilégio. 

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Os novos sócios: da esq. para a dir., Maurício Amaro, Enrique Cueto,
Maria Cláudia Amaro e Ignacio Cueto no dia da assinatura

 Enrique Cueto, 51 anos, o CEO da maior empresa de aviação do Chile, faz tudo para passar despercebido. Sobe no avião e senta-se na primeira fileira. Fala baixinho com as comissárias de bordo para não chamar a atenção. Mas não tem jeito. Elas sabem que estão conversando com “el jefe” e, mesmo que ele queira fugir dos holofotes, trata-se de uma tarefa quase impossível. Ainda mais desde a sexta-feira 13 de agosto, quando Cueto assinou com a família Amaro a fusão da chilena LAN com a brasileira TAM, dando origem ao grupo Latam Airlines, holding que comandará as duas empresas. 

 

O negócio criou o maior conglomerado de aviação da América do Sul e o 15o do setor no mundo com uma receita anual de US$ 8,5 bilhões (leia os quadros ao longo da reportagem). Enrique Cueto, alçado ao posto de CEO do grupo, agora terá um papel crucial na aviação brasileira e influenciará nas decisões que norteiam a TAM. 

 

Pelo combinado, a família Cueto, controladora da empresa chilena, ficará com uma fatia de 24% da Latam e os Amaro, comandantes da companhia brasileira, terão 13,5%. O que torna o negócio ainda mais atraente para os chilenos é que eles terão poder de veto nas decisões mais importantes da TAM. 

 

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Na bolsa: abertura de capital do programa de fidelidade Multiplus. Da esq. para a dir., Líbano Barroso,

presidente (CEO) da TAM Linhas Aéreas; Antonio Luiz Rios da Silva, do conselho

de administração da Multiplus; Noemy, a matricarca dos Amaro; Maurício Rolim Amaro, novo

presidente do conselho da Latam; Egberto Vieira Lima, do conselho da Multiplus; e Maria Cláudia

Amaro, presidente do conselho da TAM S/A

 

“Se queríamos estar entre as grandes companhias, tínhamos de assumir a liderança na América Latina”, disse Cueto à imprensa chilena. E o Brasil é fundamental, pois concentra metade dos vôos na região.

 

A fusão vai sacudir a aviação brasileira. Com maior poder de fogo – leia-se caixa –, agora a TAM poderá pressionar a concorrência com mais força. “Eles farão de tudo para pressionar a Gol”, diz um executivo que conhece bem o mercado, referindo-se à empresa comandada por Constantino Oliveira Junior. 

 

E, segundo esse mesmo executivo, que conhece profundamente o setor, isso, num primeiro momento, poderá reduzir as tarifas em até 30% – fruto de uma provável guerra de preços. Nessa história, alguém pode sair machucado. A TAM buscou a união com a LAN porque sabe que precisa agir. 

 

Afinal, empresas como Azul e Web Jet, que nem sequer existiam há cinco anos, hoje possuem 12% de participação de mercado juntas. TAM, com 43% do bolo em julho, e Gol, com 38,15%, continuam com uma folgada liderança no mercado doméstico, mas a fatia de ambas tem caído. 

 

A companhia da família Amaro já chegou a ter mais de 50% de participação. “Há cinco anos, a liderança da TAM era incontestável. Hoje, ela e a Gol perdem cada vez mais espaço para as empresas de baixo custo”, diz Felipe Queiroz, analista da Austin Rating. 

 

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Nesse cenário, outros grandes negócios são esperados. “Ryanair e Virgin são empresas que estão de olho na Gol”, diz um executivo do setor. Outro acordo que se encaixaria como uma luva seria uma possível fusão entre a Gol e Avianca-Taca, da família Efromovich – um negócio que complementaria a malha de atendimento uma da outra. 

 

Se a Gol é forte no mercado nacional, a Avianca-Taca tem uma boa presença na América Latina. Juntas, as duas companhias transportariam 39,7 milhões de pessoas no continente – número próximo de LAN e TAM que responderam pelo transporte de 45,8 milhões de pessoas no ano passado.

 

Uma possível parceria entre Anvianca e Gol já está no campo de visão de pelo menos uma das empresas. “Não falei com o Constantino (Constantino Jr., presidente da Gol), mas é possível”, diz José Efromovich, presidente do Grupo Synergy, dono da Avianca, com exclusividade à DINHEIRO. 

 

A Avianca, aliás, foi a primeira a iniciar um processo de consolidação regional ao se associar à salvadorenha Taca, em outubro do ano passado, criando uma companhia com receita de US$ 3 bilhões. 

 

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O criador: a expansão da TAM, para além do mercado brasileiro, sempre foi um desejo

do comandante Adolfo Rolim Amaro, fundador da empresa, morto em 2001

 

Na próxima semana, os altos executivos da Avianca/Taca se reúnem no Brasil e é certo que a fusão entre as duas concorrentes regionais estará na pauta. “Nessa reunião vamos ver o que isto significa, mas, neste momento, a prioridade é consolidar a nossa própria fusão”, disse o empresário admitindo, porém, que a consolidação entre as operações de Avianca e Taca pode ser acelerada por conta da nova configuração que o setor aéreo latino-americano ganha a partir de agora. 

 

Nos últimos anos, muitas empresas se uniram (leia quadro) devido a sucessivas crises financeiras e problemas que quase levaram gigantes da aviação a quebrar. O movimento de consolidação iniciado por aqui, contudo, é diferente. A América Latina está longe de apresentar os números superlativos de mercados como o norte-americano ou o europeu. 

 

Mas, quando se compara o crescimento da demanda, sobretudo no Brasil, a vantagem passa para o lado de cá. No ano passado, a aviação brasileira transportou 64 milhões de passageiros, o que significa aumento de 17,6% em relação a 2008. 

 

E, só nos primeiros sete meses deste ano, a expansão foi de 26%. Já na América do Norte, cujo maior mercado são os Estados Unidos, a queda foi de 5,6%, e na Europa de 5%, em 2009, segundo dados da International Air Transport Association (Iata). O Brasil, portanto, tem um papel-chave. 

 

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O Arquiteto: homem de confiança da família Amaro, o presidente da TAM S/A, Marco Antonio Bologna,

ajudou a costurar o acordo de fusão entre as duas companhias aéreas

 

Carlos Eduardo Gondim, gerente sênior da Booz & Company, lembra que, das cinco fases típicas pelas quais passa a aviação civil mundial, o País entra só agora naquela em que as empresas começam a se unir em busca de sinergias, ganhos de escalas e complementaridade. 

 

O acordo, costurado com a ajuda do banqueiro André Esteves do BTG Pactual (leia reportagem na página 100), trouxe à luz uma das famílias mais influentes do Chile e também um dos executivos mais eficientes do setor. 

 

Enrique, o eleito para o cargo de CEO da Latam, faz o estilo calmo, é bom observador e trouxe para os quadros da LAN alguns de seus companheiros dos tempos em que estudou na Universidad Católica do Chile. “Com este grupo, sempre checa o presente de olho no longo prazo”, diz uma pessoa que trabalha próximo a ele. Enrique foi fundamental nas negociações com a família Amaro. 

 

Como gerencia de olho no futuro, ele sabia que a fusão com a TAM seria o caminho mais curto para ganhar espaço na região e, de quebra, aproveitar o momento em que as ações da LAN valiam mais do que as da TAM. No mercado da aviação, ele é visto como um estrategista focado na redução de custos. 

 

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O Clã cueto: da esq. para a dir., Ignacio, Enrique, os patriarcas Sonia Plaza e Don Juan José Cueto Sierra,

Esperanza e Juan José Cueto Plaza. Família unida nos negócios do grupo

 

Mas nem por isso deixa de embarcar em um avião para Milão para assistir ópera no teatro Scalla, onde gosta de apreciar as sonatas de Verdi ou Rossini. Ele aprendeu muito da arte da negociação com seu pai. Como os Amaro, que sempre se espelharam em Rolim Amaro (1942-2001), que criou a TAM a partir do zero, os Cueto se inspiram no patriarca Juan José Cueto Sierra, 80 anos. 

 

Nascido na Espanha, na região das Astúrias, ele desembarcou no Chile fugido da guerra civil que tomava conta de seu país. No Chile, Cueto, hoje chamado de Don Juan, numa reverência ao seu poder, iniciou o império da família com uma pequena lanchonete em Santiago. 

 

Logo depois, ao lado do amigo Antonio Martinez, fundou uma grife de bolsas e acessórios de couro chamada Giglioli. Ela foi a ponta de lança para todos os seus negócios. 

 

Seu grupo é acionista da Michilla, que extrai cobre de uma mina com reservas de 7,9 milhões de toneladas, investe no setor imobiliário, com participações em condomínios de luxo e cemitérios no Chile, mas a joia da coroa é, de fato, a LAN. 

 

Administrada por seus filhos, Enrique, Ignacio e Juan José Cueto Plaza, a empresa entrou no port-fólio de negócios da família Cueto em 1994. Foi quando o empresário – e hoje presidente do Chile – Sebastián Piñera os convidou a participar do negócio. 

 

Na época, os Cueto tinham uma empresa de aviação de carga baseada em Miami chamada Fast Air e, como já entendiam do assunto, entraram na sociedade. Comenta-se que Don Juan é eternamente grato a Piñera e eles têm uma relação muito estreita. 

 

Tanto é que, no início do ano, ao assumir a presidência do Chile, Piñera, que possuía o controle da companhia aérea com 26% das ações, prometeu que venderia sua participação na LAN. 

 

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Possível união? José Efromovich (acima), da Avianca, não descarta um acordo com a Gol,

de Constantino Jr. (à esq.). As duas empresas se complementam

 

E cumpriu a promessa. Em março, vendeu 8,5% de suas ações para os Cueto. Em poucos meses, os Cueto assumiram o controle da LAN e fizeram o maior negócio da aviação sul-americana. À família de Piñera restou apenas o consolo.  “Um dos meus filhos me mandou um e-mail há poucos dias dizendo que perdemos US$ 700 milhões pela venda das ações da LAN”, disse Piñera em entrevista à imprensa chilena. “Eu disse: quer saber, não fique chateado com isso porque estou feliz de fazer o que estou fazendo”, completou Piñera, referindo-se ao seu trabalho como presidente do Chile. Os Cueto, com certeza, também estão felizes.

 

Cada um dos Cueto tem uma característica diferente, mas um ponto os une: saber ganhar dinheiro e aproveitar a vida. Ignacio,  46 anos, é quem busca os novos negócios para o grupo. Acelerado, beirando o hiperativo, pratica montanhismo, pilota helicóptero e também esteve envolvido no acordo com a família Amaro. Juan José Cueto Plaza, 50 anos, é o cerebro do grupo, estuda cada negócio com precisão de detalhes. “Ele é estruturado, meticuloso e extremamente exigente”, disse uma fonte ao jornal chileno La Tercera. A irmã Esperanza não é ligada à companhia. 

 

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Ela é advogada e cuida da ONG Comunidad Mujer, que trabalha para a inclusão das mulheres no mercado de trabalho e na sociedade. O patriarca, Don Juan, passa boa parte do tempo na Espanha, seu país natal. 

 

É torcedor do Real Madrid, amigo de Florentino Pérez, o presidente do clube, e possui um camarote no estádio Santiago Bernabeu. Com certa frequência, se reúne com seus filhos para ver os gols de Cristiano Ronaldo, Kaká e companhia. E também para comemorar os gols de seus herdeiros no campo dos negócios. Agora, está na torcida para que emplaquem mais um. Mas isso dependerá do governo brasileiro.

 

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Atualmente, a legislação brasileira não permite que uma empresa estrangeira tenha mais de 20% de participação em uma companhia nacional. Mas tramita na Câmara um projeto de lei, que deverá ser votado em novembro, que possibilitaria às empresas de fora terem uma fatia de 49%. 

 

Se aprovada a lei, a LAN já anunciou que aumentará a sua participação na TAM. Esse é só mais um indício do poder da LAN no controle da TAM. Depois de anunciado o acordo, alguns analistas classificaram a operação como uma compra da TAM pela LAN. 

 

Isso porque a família Cueto deterá 24% das ações da nova companhia e os minoritários da LAN 46,7%, o que resultaria em uma participação de 70,7% na Latam. Já os Amaro ficariam com 13,5% e os minoritários da TAM com 15,8%, num total de 29,3%. “Esse negócio foi bom para os Cueto”, diz um executivo que conhece a família Amaro. 

 

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“Uma empresa como a TAM, que transporta 30 milhões de pessoas por ano e está no mercado que mais cresce, não pode valer menos que a LAN, que transporta 15 milhões de pessoas por ano”, diz. E prossegue. “A ação tem um valor fotográfico, as coisas mudam. 

 

A TAM já valeu mais que a LAN e poderia voltar a ser mais valiosa no futuro.” Pode ser. No primeiro pregão de 2010, a ação da TAM era cotada a US$ 21,50, enquanto a da LAN batia em US$ 16,72.  No dia 12 de agosto, um dia antes do anúncio de fusão, o papel da TAM era negociado por US$ 15,99 e o da LAN por US$ 23,13. Na quinta-feira 19, a ação da TAM valia US$ 20 e a da LAN, US$ 27. “Não foi venda”, defende Marco Antonio Bologna. “A família Amaro formará o bloco de controle com os Cueto.”

 

O restante das ações está no mercado e a aprovação do negócio vai depender dos acionistas minoritários e dos órgãos do governo. Da parte dos minoritários, é quase certo que eles aceitem a proposta. É que eles receberão um prêmio de 40% sobre o preço das ações. 

 

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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), inclusive, vai investigar o suposto vazamento de informações que teria feito os papéis da TAM fecharem com alta de 27,64% na sexta-feira 13, o que obrigou o anúncio da Latam ser antecipado e as negociações na Bolsa suspensas. 

 

O governo brasileiro, por sua vez, vai analisar o negócio. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou, por meio de sua assessoria de comunicação, que só se pronunciará sobre o caso depois de concluir a análise técnica dos documentos que serão encaminhados pelas empresas. 

 

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também espera os detalhes do acordo. “O órgão ainda não foi comunicado da fusão”, diz Arthur Badin, presidente do Cade. “Mas esse será o maior processo de concentração do setor aéreo brasileiro a ser analisado.” O governo chileno também vai fiscalizar os impactos da nova gigante por temer uma excessiva concentração. 

 

Efromovich, da Avianca, diz que não se surpreenderá, caso o casamento entre LAN e TAM não passe de um simples namoro. “Uma fusão entre aéreas é muito mais complexa do que em outros setores”, diz ele, lembrando não só as regulamentações governamentais de cada país como os acordos bilaterais e as parcerias firmadas entre as empresas em diferentes mercados, como obstáculos a serem superados. 

 

Um dos grandes desafios da Latam será definir, por exemplo, qual aliança adotará. Enquanto a LAN faz parte da Oneworld, que conta com outras gigantes como American Airlines e British Airways, desde maio a TAM integra a Star Alliance, liderada por grupos como Lufthansa e United Airlines. “Vamos definir isso mais para a frente”, diz Bologna.  

 

O que já foi definido é que os papéis da TAM deixarão de ser listados na Bovespa e serão substituídos pelos Brazilian Depositary Receipts (BDR) da Latam. As ações do novo grupo serão negociadas apenas nas bolsas de Santiago e de Nova York. 

 

Outra decisão importante diz respeito aos executivos que apitarão na Latam. Maurício Rolim Amaro, atual vice-presidente do conselho da TAM, será presidente do conselho, e Enrique Cueto será o CEO. As companhias terão suas gestões mantidas com os mesmo executivos. Líbano Barroso continua como presidente da companhia aérea e Bologna como CEO da holding TAM. Mas, agora, os dois terão de responder para “el jefe”.