Mudanças como home office favoreceram a diversidade nas empresas, mas também aumentaram as oportunidades para os profissionais.

A carreira de Ricardo Basaglia, diretor-geral do Michael Page Group no Brasil, é um bom exemplo do novo perfil do mercado de trabalho. “Eu me formei em computação e até os 23 anos de idade eu achava que ganharia a vida como programador, pois sempre fui muito tímido”, disse ele, que atualmente lidera a filial brasileira de uma das principais empresas de recrutamento do mundo. Nesse ambiente, uma das principais habilidades são as relações interpessoais. Timidez à parte, Basaglia comemora os bons resultados no primeiro semestre, pois as empresas brasileiras desengavetaram projetos adiados devido à pandemia e contrataram como nunca.

DINHEIRO – As empresas brasileiras voltaram a contratar?
RICARDO BASAGLIA – Sim. Percebemos isso logo. O setor de recrutamento é um dos primeiros a sentir o impacto da crise. Antes de começarem a demitir pessoas, as empresas interrompem as contratações. Porém, por essa mesma lógica, o setor também é um dos primeiros a sentir os movimentos de retomada. Em 2020 a pandemia provocou um esfriamento no mercado. Com isso, chegamos ao início de 2021 com muitas contratações represadas, apesar das melhoras na economia no quarto trimestre do ano passado. Agora, as empresas estão desengavetando os projetos que ficaram parados e estão tentando executar tudo o que vinha sendo planejado.

As exigências das empresas mudaram?
Ah, mudaram. O mercado de trabalho é um organismo vivo, que reflete as demandas da sociedade. À medida que as empresas se modernizam e se adaptam, a demanda muda. Surgem novas posições, novas vagas, à medida que algumas desaparecem. Alguns aspectos que ganharam importância foram os relacionados aos ESG, em especial na tomada de decisões e na maneira como são tratados os funcionários. A sociedade está cobrando novas práticas e posturas. Como a empresa e o executivo lidam com diversidade e com minorias, e se a maneira como a empresa faz negócios também está alinhada com essas práticas. E as demandas éticas passaram a ser colocadas de maneira explícita, e não mais subentendida.

Por que isso está ocorrendo?
Em um cenário no qual a disputa por talentos é acirrada, uma empresa que não tiver a atitude correta não vai conseguir contratar, porque ela será punida pelos consumidores. É uma questão de cultura. A melhor definição é: cultura não é o que está escrito nos quadros na parede, é o que acontece quando o chefe não está olhando.

Isso provocou muitas trocas de executivos?
Nossas pesquisas mostram que 40% dos CEOs contratados pelas empresas são dispensados em até 18 meses. Isso vem ocorrendo por vários motivos. O principal é a pressão por resultados no curto prazo. Nas companhias listadas em bolsa, a avaliação é realizada a cada trimestre. As substituições ocorreram porque muita gente não estava preparada para lidar com a crise. Seja para conduzir a empresa tendo em vista as necessidades impostas pela pandemia, seja por não ter a capacidade de transformar o negócio e adapta-lo aos novos tempos. Os profissionais substituídos foram os que haviam sido promovidos antes de estarem prontos. Durante as crises, as exigências ficam maiores. A régua fica mais alta. É preciso ter preparação e inteligência emocional para lidar com esse momento. Porém, as substituições não ocorrem apenas por fatores negativos. À medida que o profissional entrega resultados, ele começa a ser abordado por outras empresas.

“Há uma diferença entre diversidade e inclusão. Diversidade é convidar pessoas diferentes para o baile, inclusão é tirá-las para dançar” (Crédito:Istock)

Quais as consequências dessas mudanças?
Esse encurtamento no tempo de permanência do executivo causa problemas graves. Recrutar um executivo custa caro. Considerando-se as despesas financeiras e o tempo gasto pela organização com a escolha, a seleção, o treinamento e a integração, trocar um executivo pode custar o equivalente a nove meses de salário. Até porque mesmo os profissionais mais brilhantes demoram algum tempo para atingir um ponto de ótimo em seu desempenho. Se o caso for um trainee de alto potencial, para quem a empresa pagou um MBA, essa conta pode chega a dois anos de remuneração. Na situação anterior, em que esse trabalhador ficava 20 anos na empresa, o custo era diluído. Agora, se o profissional não entregar resultados e for dispensado, esse investimento em sua seleção será dinheiro perdido.

Qual é o profissional valorizado agora?
Pessoas que tenham a capacidade de ajudar a transformação da empresa. Isso conta mais do que a capacidade e a experiência do profissional. Outro ponto mais valorizado é a capacidade de aprendizado. A explicação para isso é demográfica. As pessoas estão vivendo mais, e provavelmente chegarão aos 100 anos de idade ainda em atividade. Assim, o trabalhador médio poderá ter de três a cinco carreiras durante sua vida profissional. A situação antiga em que a pessoa ia para a escola, fazia um curso, conseguia um trabalho e permanecia nele até a aposentadoria mudou. Já não há empregos que garantam essa segurança. Atualmente também é preciso ser flexível e versátil. O profissional bem-sucedido é mais ou menos como o americano Scott Adams, criador do Dilbert. A maneira como ele mesmo se define é muito interessante. Adams diz que sempre foi um bom desenhista, mas não o suficiente para ganhar a vida como artista. Sempre foi engraçado, mas não o bastante para viver como humorista. E sempre trabalhou bem em corpo rações, mas não o necessário para assumir uma posição executiva. Na mescla desses três talentos ele foi bem sucedido.

A tecnologia desempregou muita gente com a pandemia. Isso vai continuar?
A tecnologia não destrói o trabalho, mas destrói empregos específicos antes de criar os novos. Por isso, tanto os governos quanto os sindicatos têm de parar de tentar proteger o emprego e passar a proteger o trabalhador. Porque sem qualificação e aperfeiçoamento crescentes, o trabalhador não vai preservar sua empregabilidade no longo prazo. Se há sete anos alguém me dissesse que todo motorista de táxi teria de possuir um smartphone e saber usa-lo bem, eu pensaria que isso era uma piada. Atualmente, quem não sabe usar aplicativos de transporte e de localização está fora desse mercado.

Treinamento resolve?
Treinamento não é conhecimento e conhecimento não é resultado. As empresas brasileiras gastam até US$ 3 bilhões em treinamento por ano, mas provavelmente 75% disso não gera resultados. O grande problema é que o formato não é adequado. O Brasil é um dos países com maior oferta de cursos de inglês, mas apenas 3% da população fala inglês fluente. Há uma informação estarrecedora: 90% das pessoas que compram cursos on-line não os concluem, e 50% sequer começam. Não apertam o “play” uma única vez. E essa é a maior ameaça à empregabilidade. O mercado futuro do trabalho não vai depender do conhecimento, pois ele está 100% disponível na internet. O que fará a diferença é a capacidade de aprender.

Isso é só para a alta gerência?
Não, isso vale para todos os setores, tanto para as áreas operacionais quanto para as áreas estratégicas. A demanda maior e mais imediata é naqueles segmentos de atividade que foram mais impulsionados pela pandemia, como tecnologia ligada à saúde e varejo on-line. Mas também faltam profissionais em tecnologia, serviços digitais e em marketing digital, só para ficar em alguns exemplos.

Onde estão as maiores distorções?
Notamos que em várias áreas há um forte descasamento entre a oferta e a demanda por profissionais. Há 1,2 mil cursos de Direito no Brasil, mas o número de cursos de Medicina e de Computação não chega a 300. Nada contra quem se forma em Direito, mas temos advogados demais e programadores e engenheiros de menos. O déficit de profissionais de tecnologia é de 300 mil profissionais no mínimo, embora algumas estimativas indiquem que poderia haver uma demanda por 500 mil profissionais.

“Cerca de 90% das pessoas que contratam treinamentos on-line não acabam os cursos e 50% sequer começam” (Crédito:Istock)

Que mudanças a pandemia provocou?
A visão de muitas empresas ainda é arcaica. Nossa raiz é latina, temos um modelo antigo, que controla horário de entrada e de saída, que avalia se a pessoa mostra movimento e não o resultado. Esse modelo não sobrevive no home office, o que obriga a uma evolução da liderança. Isso chacoalha a empresa e é um incentivo à diversidade. Que não é a mesma coisa que inclusão. Diversidade é convidar pessoas diferentes para a festa, inclusão é tirá-las para dançar. O home office facilita a inclusão. Por exemplo, dos profissionais mais experientes. Como a pandemia tornou o trabalho menos presencial e mais on-line, ela reduziu o espaço para o preconceito. Há menos visibilidade, menos linguagem corporal, e o profissional mais velho não é tão diferente dos demais, que são bem mais jovens. Porém, o home office é, de certa forma, um retorno aos anos 1970. Naquela época, todos tinham suas próprias salas. Na década seguinte, as paredes dos biombos caíram, porque se percebeu que os espaços abertos eram mais eficientes. Agora, todos voltaram a ter sua própria sala, só que é a sala de casa. Isso parece ser uma vantagem para a empresa, que reduz custos, mas também é uma ameaça à retenção de talentos.

Por quê?
As empresas que pensam tecnologia como um meio para cortar custos não entenderam nada. Tecnologia é um meio para criar valor para os clientes. E também pode ser uma ferramenta para gerar valor para o funcionário. Pense em um programador que seja fluente em inglês. Com um esquema de home office ele pode trabalhar para uma companhia americana, europeia ou asiática. O câmbio desvalorizado tornou esses profissionais extremamente baratos para um empregador internacional.