As aquisições da Guiabolso pela PicPay e da Minuto Seguros pela Creditas, ambas anunciadas na terceira semana de julho, foram apenas dois dos movimentos mais recentes de uma onda de consolidação entre as fintechs que vem se desenhando nos últimos meses. E ao que tudo indica deve continuar estourando nessas praias. Isso porque o crescimento acelerado dessas startups fez com que elas entrassem na mira de outras fintechs, chegando também até as insurtechs. O acesso a capital abundante facilitou o processo que vem sendo chamado pelo nome de “rebundling”, ou reorganização. A expectativa é que esse processo estabeleça uma nova ordem no setor. As fintechs antes especializadas passarão a agregar mais serviços financeiros para oferecer um leque mais completo de opções aos clientes.

Isso mesmo. As novatas que surgiram para atender nichos específicos, se diferenciando das grandes e pesadas instituições financeiras, agora fazem o caminho contrário. Só para se ter uma ideia o número de startups financeiras mais do que dobrou de 2015 a 2021, saindo de 474 empresas para 1.174 neste ano, segundo o ecossistema Distrito. Ao longo desses seis anos, o investimento nessas companhias ultrapassou a casa dos US$ 3 bilhões. Muitas delas, como Creditas, Nubank e PicPay, cresceram tanto que passaram agora a aglutinar produtos e serviços, ganhando mais corpo e presença, num movimento inverso.

Segundo o especialista em fintechs e professor da USP Bruno Diniz, estamos em um momento de amadurecimento no cenário das fintechs brasileiras. E o grande propulsor desse movimento é o processo de abertura dos bancos, o chamado open banking. “A compra do Guiabolso foi um atalho para que o PicPay entrasse no jogo mais rápido, com um parceiro de bastante experiência no conceito e que tem tecnologia para esse novo estágio do mercado financeiro”, disse Diniz. O especialista acrescenta que é o mesmo caso da Creditas, que comprou a Minuto Seguros, avançando no setor segurador, e a Volante, do mercado de automóveis.

Com a expansão nas soluções oferecidas, as fintechs acabam ficando cada vez mais completas. “Em 2020 tivemos um recorde de fusões e aquisições e neste ano o movimento vai continuar intenso porque muitas estão capitalizadas”, afirmou. Neste ano a previsão é de que o número de fusões e aquisições de fintechs seja 50% maior do que em 2020, quando foram realizadas 28 operações. Até julho, já foram feitas 22 transações, de acordo com a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs).

Numa negociação rápida, menos de uma semana, a empresa de pagamentos PicPay abocanhou todas as ações da Guiabolso por um valor não revelado. A transação visa unir a empresa de pagamentos controlada pelo grupo J&F, da família Batista, a uma das primeiras fintechs criadas no Brasil. Fundado por Thiago Alvarez e Benjamin Gleason em 2012, o Guiabolso foi pioneiro no lançamento dos APIs (Application Programming Interface) que permitem que os sistemas sejam capazes de consultar as contas correntes dos clientes em vários bancos e consolidar os dados de maneira automática.

VANTAGENS COMPETITIVAS Atualmente, são 6 milhões de usuários cadastrados. “Somos fortes em nossa plataforma de dados e no marketplace financeiro”, disse Alvarez à DINHEIRO. E foi justamente essa força do marketplace, que tem parcerias com empresas como Banco Votorantim, Creditas, Digio, Icatu e Órama, que atraiu a atenção do PicPay. Para o vice-presidente de serviços financeiros do PicPay, Eduardo Chedid, “o Guiabolso se adapta bem à estrutura de pagamentos do PicPay, que já tem 55 milhões de usuários ativos”. No caso da Creditas, a aquisição permitirá à empresa oferecer seguros em sua plataforma de crédito. Já os 160 mil clientes da Minuto poderão cotar empréstimos na hora de trocar seus veículos. Em um comunicado, a empresa informa que a Minuto conecta os serviços de 15 seguradoras parceiras e gera R$ 250 milhões em prêmios anuais.

Essa onda não surpreende o CEO e cofundador do banco digital Linker, David Mourão. Para ele, era natural e esperado que isso acontecesse. “O Brasil entrou no foco e a injeção de capital foi grande nos últimos cinco anos”, disse o executivo. Mourão diz que o cenário de queda de juros, inflação controlada e intensa digitalização dos processos, especialmente após a pandemia, contribuiu para avanço dessas startups. “A força da indústria financeira brasileira é reconhecida e as novatas criaram propostas de valor importantes”, afirmou.