No dia 25 de novembro de 2017, o executivo Eurico Teles, na época diretor jurídico da Oi, recebeu uma visita de Marco Schroeder, presidente da empresa de telefonia, em um hospital no Rio de Janeiro. Teles estava internado e acabara de passar por uma cirurgia nos olhos, para corrigir um problema simples na visão. De olhos vendados, ele travou a seguinte conversa, iniciada por Schroeder:

– Colega, eu trago uma notícia para você. Mas, antes, você está bem?, disse Schroeder.
– Sim, retrucou Teles. Qual a novidade?
– Eu vou renunciar.
– Você está louco em renunciar em um momento destes?, questionou Teles.

Plano aprovado: Assembleia geral de credores, em dezembro do ano passado, demorou 15 horas, entrou pela madrugada e ratificou plano de recuperação judicial

Os apelos não surtiram efeito. Naquela tarde, Schroeder, que estava à frente da Oi desde junho de 2016, quando a operadora entrou com um pedido de recuperação judicial, com dívidas de R$ 65,4 bilhões, comunicou aos acionistas e ao mercado que estava deixando o posto. No mesmo dia, já em casa, mais uma emoção: exatamente às 19 horas, Teles recebeu uma ligação e ficou sabendo que seu nome havia sido escolhido como CEO interino da Oi, em substituição ao antigo chefe. Dois dias depois, o conselho de administração, com o apoio da Pharol (ex-Portugal Telecom), principal acionista da empresa, com uma fatia de 22,2% do seu capital, e do empresário baiano Nelson Tanure, da Société Mondiale, dono de uma posição de mais de 6%, ratificou a indicação. “Foi uma grande surpresa”, diz Teles, que assumiu a companhia mais enrolada do Brasil sem enxergar, literalmente, um palmo à frente do nariz.

Desde então, Teles, um funcionário de carreira que começou sua trajetória na Telebahia, depois incorporada pela Telemar e que tornou-se Oi após unir-se à Brasil Telecom, conseguiu desenrolar alguns dos nós do enrosco na qual a Oi se meteu. Poucos dias após sentar na cadeira de presidente, esse piauiense de Piripiri ganhou plenos poderes do juiz Fernando Viana, da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para apresentar um plano sem interferência do conselho de administração. Leia-se, neste caso, Tanure e Luís Palha, da Pharol, que controlavam o board e barravam os acordos para tentar evitar uma grande diluição de suas participações. Sem a interferência da dupla, Teles conseguiu aprovar com ampla maioria o plano de recuperação judicial em uma assembleia geral dos credores que durou 15 horas e só terminou na madrugada de 20 de dezembro. A diluição dos atuais acionistas ficou em 72% — ambos queriam bem menos. O acordo parece estar surtindo efeito.

Schroeder, ex-presidente da Oi: executivo renunciou após pressão de acionistas, que queriam uma diluição pequena de suas participações

Na segunda-feira 28, a operadora de telefonia deu mais um passo para começar a sair de sua crise. A companhia apresentou seu primeiro balanço com a redução de sua dívida líquida financeira, que caiu R$ 40,3 bilhões para R$ 7,3 bilhões, uma queda de 84% no primeiro trimestre deste ano. O lucro foi de R$ 30,5 bilhões, mas ele é meramente contábil, por conta da reestruturação dos débitos previstos em seu plano de recuperação judicial. Do lado negativo, a receita líquida consolidada, considerando as operações no Brasil e no exterior, somou R$ 5,6 bilhões, uma diminuição de 8,7% ante o faturamento líquido de R$ 6,1 bilhões registrado no mesmo período de 2017. Excluindo as operações internacionais, a queda foi de 7,3%. “Estamos começando a melhorar a companhia e a receita demora um pouco para voltar”, afirmou Teles. “Sempre digo a todos que o pior já passou e que agora temos uma perspectiva de autossustentação.”

O resultado foi analisado de duas formas pelo mercado. De um lado, a redução da dívida foi considerada positiva. Em relatório, o banco BTG Pactual diz que há grande potencial de valorização dos papéis da Oi e recomendou a compra aos clientes. Mas a queda na receita ligou o sinal de alerta dos analistas. “Sem aumentar investimentos, a Oi não vai conseguir recuperar sua participação de mercado e voltar a crescer”, diz Eduardo Tude, presidente da consultoria especializada em telecomunicações Teleco. A receita líquida da Oi recuou em todas as suas linhas de negócios no primeiro trimestre de 2018. “Reafirmamos nosso compromisso de uma geração de caixa de R$ 6,1 bilhões no fim de 2018, conforme o plano de recuperação judicial”, afirma Carlos Brandão, diretor financeiro da Oi.

Tanure, do Société Mondiale: empresário pressionou até o último momento para evitar diluição. derrotado, ele reduziu sua posição na Oi para menos de 1%

O mercado, no entanto, ainda age com cautela. Os papéis preferenciais da empresa recuaram 9,1% um dia após a divulgação do balanço, recuperando-se na sequência, com alta de 11,1%. No ano, acumulam queda de 16,4% até quarta-feira 30. O Ibovespa, principal índice da B3, sobe 0,5%. O valor de mercado da empresa está na casa dos R$ 2,3 bilhões, o mesmo de quando o plano foi aprovado pelos credores, em dezembro do ano passado. Quando entrou em recuperação judicial, em junho de 2016, a Oi valia R$ 809 milhões. As rivais Vivo e TIM são avaliadas, respectivamente, em R$ 74,6 bilhões e em R$ 32,5 bilhões.

Há ainda muitos desafios pela frente. O primeiro deles é fazer a conversão da dívida dos bondholders (detentores de títulos) em ações, o que deve acontecer até o fim de junho – o prazo do plano de recuperação é até julho. Novos acionistas devem ganhar relevância, como os credores Golden Tree e o Solus, que devem deter até 30% da nova empresa após a conversão. A Pharol deve ter sua fatia reduzida a pouco mais de 7%. Tanure, segundo apurou a DINHEIRO, vendeu suas ações. Hoje, ele conta com menos de 1%, se considerada a posição da Société Mondiale. Após essa fase, o próximo passo é fazer uma capitalização de pelo menos R$ 4 bilhões até o quarto trimestre. O dinheiro é fundamental para que a Oi consiga investir R$ 6,5 bilhões neste ano. É mais do que os R$ 5,6 bilhões gastos em 2017, mas abaixo de suas rivais Vivo, Claro e TIM, que devem desembolsar aproximadamente R$ 8 bilhões cada neste ano. “Eles melhoram o investimento, mas deveriam estar mais perto dos R$ 8 bilhões”, afirma Juarez Quadro, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Luís Palha, da Pharol: executivo sentiu-se traído por Teles e agora briga na justiça dos EUA para evitar homologação de plano de recuperação judicial

Os recursos serão usados na expansão da rede de fibra óptica até a casa do cliente e na tecnologia 4G. No Nordeste, a companhia vai usar a faixa de frequência 1,8 GHz para ofertar 4,5G, que pode atingir velocidades de até 300 megabits por segundo (Mbps). As cidades de Fortaleza, Recife e Salvador serão as primeiras a receber o serviço. O plano é levá-lo para 22 localidades neste ano. Ao mesmo tempo, a companhia iniciou uma campanha interna com os seus 54 mil funcionários batizada de “Eu indico”. A meta é que cada funcionário da empresa traga dois novos clientes. Teles, quando visita uma filial, vai de mesa em mesa cobrar dos empregados o envolvimento com a ação. “A nossa eficiência de vendas precisa melhorar”, admite o presidente da Oi. O executivo também tem se encontrado com presidentes de empresas para explicar a situação da Oi e tentar retomar a confiança. “Perdemos mais de R$ 1 bilhão em receitas no B2B no ano passado”, afirma Teles.

O clima bélico que marcou os 18 meses que antecederam a aprovação do plano de recuperação judicial da Oi foi amenizado (para se ter uma ideia, Pharol e Tanure chamavam os credores de abutres. Estes, por sua vez, se referiam aos acionistas controladores como piratas). O que não significa que a bandeira de paz tenha sido hasteada. A Pharol, por exemplo, tenta impedir a homologação do plano de recuperação judicial da Oi na Justiça dos Estados Unidos. A Associação dos Investidores Minoritários do Brasil (Aidmin) informou que entrará com uma ação coletiva contra a operadora brasileira nos tribunais americanos.

Em comum, Pharol e Aidmin questionam os termos da conversão de dívida, a capitalização de R$ 4 bilhões e a governança da companhia. “Entendemos que o processo, como foi conduzido na Oi, não observou a lei, o estatuto da empresa e o direito dos acionistas”, afirma Thiago Lopes, do escritório Cescon Barrieu, que defende a Pharol. A Aidmin pede também a destituição da atual diretoria executiva. “Ela se autopaga, se autoisenta”, afirma André de Almeida, do escritório Almeida Advogados, que representa a associação dos minoritários. “Não há como uma empresa desse tamanho, emitindo e convertendo dívidas, continuar com uma diretoria como essa.” A Oi alega que todas essas objeções já foram apresentadas sem sucesso em todas as esferas judiciais no Brasil. Procurado, Tanure não concedeu entrevista.