No dia-a-dia, ele administra um banco com orçamento de R$ 47 bilhões. Fora do escritório, Carlos Lessa, presidente do BNDES, investe seu tempo e suas economias numa rua estreita e de paralelepípedos do centro histórico do Rio de Janeiro, onde por décadas funcionou uma casa do baixo meretrício. Ali o professor Lessa restaura um sobrado de três andares do século 18. Dentro já não há mais nada, só entulho e madeiras com cupim. Ruiu tudo duas décadas atrás. ?Mas a fachada é de uma beleza deslumbrante?, conta Lessa. Curioso como ele só, o professor pesquisou a origem do edifício e descobriu que fora a primeira sede do Banco do Brasil de Dom João VI. Chegou a ser utilizado como agência do banco até 1870, depois caiu em decadência. Seu último proprietário foi um peixeiro chamado de Risca Faca. Em 2002, um pouco antes de assumir o BNDES, Lessa procurou os herdeiros e pagou R$ 60 mil pelo prédio. ?Se eu não pegasse, algum neguinho iria derrubar.? Gastou mais R$ 30 mil para pagar as contas atrasadas e indenizar os indigentes que ocupavam o local. Planeja gastar mais R$ 250 mil na restauração. A fachada, já deu jeito. O trabalho maior foi encontrar um artesão capaz de queimar azulejos idênticos aos originais. ?Lá dentro, vou enfrentar lentamente?, diz. E o que será feito do edifício depois de restaurado? ?Talvez um restaurante, uma casa de espetáculos ou um recanto para qualquer tipo de atividade prazerosa.? Mas o nome do futuro estabelecimento comercial, ele já decidiu: Encantos do Rio. ?Será a casa mais bonita da cidade?, promete.

Será a sétima obra de Carlos Lessa, ex-professor que alega que todo o dinheiro vem de heranças de família. ?Acho divertido recuperar ca-
sas?, diz. ?É um hobby que o velho Clemente Mariani e o Israel Klabin também tinham.? Em 2001, ele enfrentou a restauração de dois sobra-
dos menores, contíguos ao futuro Encantos do Rio. Os imóveis estão com a família há um século; foram comprados por seu bisavô. Lessa também investiu R$ 250 mil na reforma. A região é toda tombada pela Prefeitura do Rio. ?Não se tem opção, ou deixa ruir ou restaura?, explica. Há dois anos funciona no local um sebo de livros, o Al-Fárábi. O aluguel rende R$ 4 mil mensais aos três filhos do professor.

O presidente do BNDES é maníaco por coleções. Desde criança, coleciona porcelanas orientais. Adolescente, começou a colecionar discos de música brasileira. Mais tarde chegaram os livros. Tem hoje mais de 20 mil volumes. ?Uns 11 mil são virgens, o resto foi lido?, garante. Sua biblioteca tem 15 diferentes temas ? economia é apenas um deles, com 3 mil livros. Também gosta de coleções sobre história de empresas e sobre história das cidades brasileiras. Sobre o Rio de Janeiro, são cerca de mil títulos. ?Sempre amei muito a cidade?, diz. Foi o compadre Darc Costa, hoje o poderoso vice-presidente do BNDES, quem despertou em Lessa o gosto por colecionar casas coloniais. Darc comprou há 20 anos um casarão de 300 metros quadrados no bairro do Cosme Velho, com vista para o Cristo Redentor e vizinho à mansão do jornalista Roberto Marinho. Lessa foi para lá há 13 anos; comprou um casarão de 400 metros quadrados. O que mais o agradou foi morar no bairro que inspirou os romances de Machado de Assis. ?Eu precisava de uma casa para colocar minha biblioteca?, explica Lessa. ?A casa é antigona, mas não é tombada, posso reformar do jeito que eu quiser.? Neste momento, Lessa está fechando a compra de mais dois sobrados coloniais contíguos, em Cosme Velho, de 100 metros quadrados. O preço? ?Baratinho?, desconversa. Ao passear pelo centro do Rio, Lessa confessa o prazer de ver que dezenas de outros prédios antigos estão sendo restaurados por particulares. ?O que estou fazendo não é nada tão importante, mas tenho a impressão de que a moda pegou.