15/11/2018 - 19:00
Como Ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, o economista Joaquim Levy, por diversas vezes, falou demais. Quando se sentia à vontade, dava declarações que tinha de retificar depois, em saias justas que escancaravam o choque de ideais com o governo petista. Levy era um estranho no ninho. Não tinha liberdade para aplicar as ideias ortodoxas que defendia e era malhado pelo eleitorado que acreditou nas promessas vazias da campanha de Dilma. O choque às vezes acontecia sem que ele nem percebesse, como numa palestra a ex-alunos da Universidade de Chicago, em que fez, em inglês, a seguinte observação: “há um desejo genuíno da presidente de acertar as coisas, mas não de maneira efetiva.” A chefe cobrou explicações e o ministro só durou 12 meses no cargo — saiu antes do impeachment e do fim prematuro do governo petista. O economista então partiu para a diretoria financeira do Banco Mundial, de onde retornará, em janeiro, à presidência do BNDES. Desta vez, sem incomodar com os espasmos de realismo das convicções ideológicas, precisamente alinhadas com o futuro chefe da economia, Paulo Guedes, responsável por sua convocação.
Ambos carregam o DNA da pós-graduação na escola de Chicago, reduto da ortodoxia liberal e responsável por formar nomes que pregam a redução do Estado na economia. Assim deve ser a nova gestão do banco de desenvolvimento: pisar no freio e deixar o mercado de capitais ocupar o espaço que sobrará. Trata-se de um movimento já observado na atual gestão e que certamente será acentuado por Levy. Na visão de analistas, ele deve reproduzir o modelo de austeridade pelo qual ficou conhecido e que já lhe rendeu o apelido de “mãos de tesoura”. A expectativa é de um volume de empréstimos menor, voltado principalmente a empresas que têm mais dificuldades em levantar recursos nos bancos comerciais ou em captações externas. Nada parecido com o aumento da carteira observado nas gestões petistas, muito menos a política de campeões nacionais, que redundou em escândalos policiais. O ex-ministro da Fazenda deve preparar o BNDES para contribuir no processo de privatização de estatais e terá ainda a missão de cumprir um desejo já expressado algumas vezes por Guedes: a devolução pelo banco de recursos ao Tesouro Nacional, para o abatimento da dívida pública.
Levy é o primeiro nome confirmado da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro, além do já amplamente anunciado Paulo Guedes. Assim como ocorreu no momento da sua indicação pela presidente petista, a escolha foi bem recebida por analistas do mercado. “Não é porque ele teve uma passagem melancólica no governo Dilma Rousseff que se tirou o brilho dele”, afirma o analista Pedro Galdi, da Mirae Asset. “O que deve acontecer agora é vermos um BNDES muito mais pé no chão.” Formado em engenharia naval pela UFRJ, ele teve passagens pelo Tesouro Nacional, pela secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, no governo Sérgio Cabral, e pelo Bradesco.
Ao confirmar a indicação, o presidente eleito Jair Bolsonaro admitiu certa resistência pela participação de Levy nos governos de Dilma e Cabral e destacou um pedido pessoal: o de revelar detalhes de todas as operações financeiras do banco. “Firmo o compromisso de iniciar meu mandato determinado a abrir a caixa-preta do BNDES e revelar ao povo brasileiro o que foi feito com seu dinheiro nos últimos anos”, escreveu Bolsonaro pelo Twitter na quinta-feira 8. Operações de empréstimos em projetos internacionais, além de compra de participações em empresas, colocaram o banco sob suspeita nos governos petistas. Uma operação da Polícia Federal foi deflagrada para apurar supostas irregularidades na aquisição pelo BNDES de fatias da JBS envolvendo um total de R$ 8 bilhões. As declarações do presidente eleito foram mal recebidas pelos funcionários de carreira do banco. Em nota a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBndes) afirmou que as operações são divulgadas “de forma ampla e transparente, sem paralelo com qualquer outro banco” e que as transações já foram investigadas em três CPIs, duas operações e auditorias externa e interna, sem constatação de problemas.
MAIS NOMES O presidente eleito também já indicou a mudança que espera para os outros bancos estatais, ao sinalizar um corte de até 30% no número de comissionados em instituições financeiras como a Caixa e o Banco do Brasil. A redução deve atingir posições executivas, em que os salários chegam a ultrapassar R$ 60 mil. O plano inicial de Guedes era privatizar bancos públicos, mas as duas principais estatais financeiras devem entrar na cota do que Bolsonaro considera como empresa estratégica, o que as deixa de fora do programa de desestatização. Rumores de uma possível fusão entre o Banco do Brasil e o Bank of America são considerados improváveis por analistas do mercado. Ainda assim, a expectativa é o anúncio de medidas que tornem os bancos estatais mais eficientes. “Ele deve direcionar o banco para aquilo que eles foram feitos de verdade. Não dá mais para utilizar os bancos como plataforma para alavancar coleguismos, corporativismos”, afirma Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating. “Devem voltar para a sua essência, mas com mais eficiência, com critério, clareza e transparência.”
Para o economista Roberto Luis Troster, a discussão sobre a eficácia dos bancos públicos deve passar por uma revisão do sistema bancário como um todo, com correções do marco regulatório em temas como o nível exigido de liquidez, indexações, destino dos créditos direcionados, precificação das operações entre outros. “A primeira coisa que deve ser feita é focar na eficência. E não é só cortar custos, é melhorar a eficiência”, afirma. “Depois tem de começar a rever a intermediação financeira como um todo. Bancos estatais são resquício da época de inflação alta. Se não rever isso, continuamos refém” O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, chegou a tocar em alguns desses temas ao propor uma agenda para melhorar falhas no sistema financeiro nacional, a chamada agenda BC+, com medidas como a revisão do nível de depósitos compulsórios (recursos que não podem ser emprestados), estímulo a entrada de mais participantes, por meio das fintechs, mudança no formato de financiamento do cheque especial e nas linhas de empréstimo rotativo do cartão de crédito.
Goldfajn é um dos cotados para a presidência do Banco Central na gestão Bolsonaro. A lista conta ainda com outros cinco nomes (confira ao lado) e tem como preferência Roberto Campos Neto, diretor do Santander. Para a Caixa Econômica Federal, a equipe de transição cogitou a indicação da secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi. Já para o Banco do Brasil, foram sondados o ex-diretor do Banco Central, Luis Fernando Figueiredo e o presidente do Bank of America no Brasil, Alexandre Bettâmio. Nos dois bancos públicos, segundo apurou DINHEIRO, é grande ainda a chance de própria manutenção dos presidentes atuais, assim como uma alternativa caseira, com diretores de carreira.
Colaborou: Cláudio Gradilone