Quando o conservador britânico Boris Johnson era jovem, costumava dizer ao pai que queria se tornar “o rei do mundo”. Com tamanha pretensão, era natural que tentasse alcançar o topo da política nacional. Johnson passou meses tentando esconder a intenção de se tornar primeiro-ministro do Reino Unido até que o resultado da consulta ao partido Conservador o consagrou vencedor na sucessão de Theresa May, na terça-feira 23. O novo líder tem a dura missão de conduzir o processo de saída da União Europeia. Um resultado que ele pretende entregar mesmo que isso signifique colocar o país em recessão. “Sairemos da União Europeia até dia 31 de outubro”, afirmou na posse. “Sem mais nem menos.”

A história de Boris Johnson poderia tê-lo levado a posições políticas completamente diferentes. Ele nasceu em Nova York, nos EUA, em 1964, quando o pai, Stanley Johnson, cursava economia na universidade Columbia. Passou parte de sua juventude em Bruxelas, nos anos 80, quando Stanley era membro do Parlamento europeu. Retornando à Inglaterra, estudou em Eton – uma das escolas mais prestigiadas do país – e em Oxford. Nada disso o impediu a desenvolver uma tendência sensacionalista e opiniões extremadas. Começou a vida profissional como jornalista e, por anos, cobriu política europeia da capital belga, sede do legislativo europeu.

A carreira foi um trampolim para a vida política. Ingressou no Partido Conservador britânico e se elegeu prefeito de Londres em 2008. Cumpriu dois mandatos e em seguida foi escolhido Secretário de Relações Exteriores. Suas frases provocavam incêndios. “Eles nos fazem pagar pelas oliveiras gregas, muitas das quais provavelmente nem existem sem os nossos impostos”, afirmou sobre o socorro à Grécia pós-crise de 2008. Depois, atacou as mulheres que frequentam a universidade: “Elas precisam encontrar maridos.” Em 2016, com a eleição de Donald Trump, rapidamente começou a ser comparado ao presidente norte-americano. Até o cabelo “ninho de passarinho” é igual.

Como primeiro-ministro, Johnson precisa entregar, em três meses, o que Theresa May não conseguiu em três anos. A principal razão para o impasse é a fronteira da Irlanda. A Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido, deixará a UE. A República da Irlanda permanece no bloco, mas uma fronteira entre os dois países precisa ser demarcada, com imposição de controle aduaneiro. Esse plano é irrevogável para a União Europeia, mas inaceitável para a ala que Johnson agora lidera. “Estou certo que podemos chegar a um acordo, sem checagem de fronteiras”, disse no discurso inaugural.

Economia em perigo: Johnson terá que evitar que a economia britânica afunde mais enquanto tenta aprovar seu novo plano para o Brexit (Crédito:Isabel Infantes / AFP)

Somente convicção talvez não seja suficiente para resolver o problema, mesmo com amplo apoio popular. Como a antecessora May, que assumiu quando David Cameron renunciou, Johnson tornou-se chefe de governo ao conquistar a liderança do partido Conservador. No sistema eleitoral local, o partido é eleito para liderar o país. “O país está dividido e o próprio partido Conservador, também”, diz Catherine Barnard, professora de direito da universidade Cambridge. “A qualquer momento podem pedir uma nova eleição geral, em que todos os membros do parlamento têm de se reeleger, incluindo o primeiro-ministro.”

Percalço
Se não tiver acordo, Boris Johnson garante que deixará a União Europeia de qualquer forma. Se for esse o desfecho, o impacto será enorme para a economia. Toda compra, troca e negociação entre Reino Unido e o bloco serão suspensos e revistos. Isso criaria uma interrupção no fornecimento de produtos, no fluxo de capitais e até no trânsito de pessoas. “Empresas que têm sede em Londres já começam a criar escritórios na Europa continental e a fazer estoques emergenciais para evitar esse tipo de corte”, diz Margarida Gutierrez, economista da UFRJ.

O simples temor de um desfecho abrupto já traz consequências econômicas. A libra esterlina, considerada uma das moedas mais sólidas do mundo, perdeu 14% de seu valor (na paridade com o dólar) desde que o plebiscito de 2016 determinou o Brexit. Não só isso, o PIB britânico também foi revisto para baixo. O Fundo Monetário Internacional calcula que o país crescerá somente 1,3% em 2019 e 1,4% em 2020. O Banco da Inglaterra (o equivalente ao Banco Central) já decretou, em estimativas, a elevada chance de recessão no ano que vem no cenário de saída abrupta. Para Johnson, sua administração entregará “a liderança que o país merece.” Os europeus estão cansados de esperar. Os britânicos também.