Imagine colocar em uma mesa de negociações o brasileiro Jair Bolsonaro, o venezuelano Nicolás Maduro, o argentino Alberto Fernández, o cubano Miguel Díaz-Canel, junto de outros chefes de Estado latinoamericanos que, embora falem a mesma língua, não se entendem. Mesmo que a situação seja hipotética, o tamanho dessa encrenca exemplifica o desafio do novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Mauricio Claver-Carone. Aos 45 anos, o executivo americano foi indicado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para liderar a instituição pelos próximos cinco anos. Quebra uma tradição de mais de seis décadas de liderança de nomes da América Latina. Segundo ele, o foco de sua atuação será unir os países da região, e superar as desavenças políticas que marcaram a sua eleição. O problema é que ele ficou bastante conhecido por defender de forma intransigente uma política linha-dura contra Cuba e por influenciar a política do governo Trump em relação à Venezuela – deixando que seu histórico contraste claramente com seu atual discurso.

Para o professor de estudos internacionais da Universidad de Chile, Miguel Lopez, o desafio do novo dirigente, se for unificar, seria digno de um roteiro de filme de ação. “Se a missão dele for conciliar os interesses e unir uma região que perdeu sua identidade histórica, vejo o desafio como uma inspiração para filme de James Bond”, disse. “Enquanto esses presidentes estiverem no poder, não haverá união.” O resultado da votação não será divulgado publicamente, mas Brasil e Colômbia já declararam apoio
a favor de Claver-Carone.

NOVA GESTÃO Investimentos em saneamento básico citados pelo novo presidente do BID faz o Itamaraty receber bem a escolha de Donald Trump. (Crédito:Divulgação)

A própria campanha de Claver-Carone, que prometeu priorizar o Brasil em seus projetos, especialmente na área de saneamento básico, prenuncia anos turbulentos para ele. Em uma contraofensiva liderada pela Argentina, com a participação de Chile, Costa Rica e México, houve tentativas de atrasar a votação. Claver-Carone chegou a acusar o governo do presidente argentino Alberto Fernández de obstrução. No frigir dos ovos, porém, a tentativa dos países se mostrou frustrada. Na posse, minimizando o ocorrido, o novo presidente do BID disse que “após os desentendimentos, tivemos conversas excelentes e produtivas sobre como podemos ter uma agenda unificadora e seguir em frente”. Ele se referia ao armistício tratado com Fernández e com os presidentes do Chile e da Costa Rica.

FOCO NA REELEIÇÃO Nos bastidores, a nomeação de Claver-Carone tem sido vista como um gesto político de um presidente desesperado pela reeleição. Ao agradar a comunidade latino-americana interna, Trump tentará garantir os votos mais conservadores desse influente grupo do estado da Flórida na corrida eleitoral de novembro. À frente do banco interamericano, Claver-Carone também poderá estancar o avanço do poder econômico que a China tem conquistado na região, onde Pequim concede aproximadamente US$ 14 bilhões em financiamentos todos os anos..

Como o mais importante sócio do BID, os americanos mantêm grande influência nas decisões relativas a equipes do banco. Os EUA têm 30% do poder de voto, seguido por Brasil (11,3%), Argentina (11,3%), México (7,3%), Japão (5%), Canadá (4%) Venezuela (3,4%), Colômbia (3,1%) e Chile (3,1%). Os demais países, que incluem além de América Latina e Caribe até europeus e asiáticos, fragmentam os demais 21,5% dos votos.

LATINOS DESUNIDOS Em uma tentativa de ganhar votos para reeleição, Trump rompe seis décadas de tradição ao colocar um americano na presidência. (Crédito:Divulgação)

No Brasil o Ministério das Relações Exteriores comemorou a eleição. “Apoiada pelo governo brasileiro, a eleição de Mauricio Claver-Carone representa uma proposta de gestão pragmática, transparente, eficiente e associada a valores comuns e fundamentais às Américas, como democracia, liberdade econômica, desenvolvimento sustentável e Estado de Direito”, afirmou o Itamaraty, em nota. O tipo de alinhamento automático que traz efeitos colaterais. Em especial na Europa, cujos países têm peso de cerca de 10% dos votos na instituição. “A América Latina de hoje lembra a dos anos 80: dividida e carente de solidariedade”, afirmou em reportagem a agência alemã Deutsche Welle.