Líder global no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a Noruega sustenta, há tempos, o título de melhor lugar do mundo para se viver. O país parece disposto a não limitar essa qualidade de vida às suas fronteiras. Por meio de seu fundo soberano, financiado pelos recursos da indústria petrolífera local, o governo norueguês investe em programas ambientais ao redor do mundo. No Brasil, ele é o maior doador do Fundo da Amazônia, com 94% dos US$ 1,21 bilhão arrecadados. O Pará é o maior beneficiado dessa iniciativa, com 25,2% do total dos valores destinados. Mas, ironicamente, o Estado é o palco recente de um desastre ambiental que coloca em xeque a imagem do país escandinavo.

Dono de uma receita de US$ 13 bilhões, o grupo Norsk Hydro admitiu que a Hydro Alunorte, sua refinaria de alumina – matéria-prima do alumínio – na cidade paraense de Barcarena, descartou água não tratada no rio Pará. Sediada em Oslo e com o governo da Noruega entre seus acionistas, com 34,4% de participação, a empresa teria cometido outras irregularidades, como a contaminação do rio Murucupi, que ainda está sob investigação. “Isso é completamente inaceitável e contraria o que a Hydro acredita”, disse Svein Richard Brandtzæg, CEO global do grupo, em comunicado. “Em nome da companhia, pessoalmente, peço desculpas.” O mea culpa foi acompanhado do anúncio de um aporte de US$ 64 milhões no sistema de tratamento de água da unidade brasileira.

Flagra: vistorias nas instalações da empresa descobriram canais clandestinos para despejar rejeitos (Crédito:REUTERS/Ricardo Moraes)

A descoberta da contaminação aconteceu há pouco mais de um mês, quando fortes chuvas atingiram Barcarena. Águas de tom avermelhado se espalharam pela cidade. Mesmo sob suspeita, a Hydro vinha negando qualquer responsabilidade. No entanto, um laudo do Instituto Evandro Chagas (IEC), vinculado ao Ministério da Saúde, complicou a situação da empresa. A análise preliminar detectou a presença de níveis elevados de materiais como alumínio e chumbo nas águas que abastecem as comunidades ribeirinhas do local – em alguns casos, até 35 vezes superior ao recomendado pela legislação brasileira. O cenário se agravou com a descoberta de dois canais clandestinos na refinaria para despejar rejeitos. “Na verdade, estamos só na ponta do iceberg”, diz Marcelo Lima, pesquisador em saúde pública do IEC. “O problema é muito maior do que parece.” Ele ressalta que ainda não é possível dimensionar todos os riscos e impactos do incidente.

O Tribunal de Justiça do Pará determinou a suspensão de 50% das operações da Hydro Alunorte, juntamente com a paralisação das atividades no depósito de resíduos de bauxita da unidade. Maior refinaria de alumina do mundo, a empresa emprega cerca de 2 mil pessoas. Em 2017, a unidade atingiu um recorde anual de produção de 6,4 milhões de toneladas. A suspensão parcial das atividades afeta diretamente a mina de Paragominas (PA), que fornece bauxita para a operação em Barcarena. A companhia anunciou que 600 funcionários da Alunorte entrarão em férias coletivas a partir de 31 de março. Em Paragominas, outros 400 profissionais seguirão o mesmo caminho, com início previsto para 2 de abril. Em nota à DINHEIRO, a Hydro afirmou que não considera demissões no momento e que “ainda é cedo para falar sobre perdas financeiras”.

Svein Richard Brandtzæg, CEO da Norsk Hydro: “Em nome da companhia, pessoalmente, peço desculpas” (Crédito:Terje Pedersen / NTB scanpix)

O grupo norueguês, no entanto, já sente no bolso as primeiras consequências da tragédia. Em 16 de fevereiro, um dia antes do incidente, a empresa estava avaliada em US$ 15,5 bilhões. Na quarta-feira 21 de março, o valor de mercado caiu para US$ 12,4 bilhões. O grupo também foi multado em R$ 20 milhões pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Atualmente, há 44 investigações abertas para apurar denúncias de irregularidades no pólo de Barcarena. O Ministério Público Federal identificaou 17 incidentes ambientais no local, desde o ano 2000, sendo que três deles envolvem a Alunorte.

“Há um histórico de danos na região”, afirma Laércio de Abreu, promotor do Ministério Público do Pará. Ele destaca ainda as principais reclamações dos moradores. “A sensação é a de que as grandes empresas chegam aqui, têm isenções fiscais bilionárias, mas não geram empregos para a comunidade, que só fica com o passivo ambiental.” Lima do IEC, acrescenta: “A mineração na Amazônia precisa ser monitorada”, diz. Quem está lucrando e quem está perdendo com isso? É um balanço que precisa, urgentemente, ser feito.”