Foi por volta do ano 220 a.C. que o imperador chinês Qin Shi Huang começou a erguer a mais famosa das barreiras edificadas pelo homem. Reconstruída e ampliada na dinastia Ming, entre os séculos 14 e 17, a Grande Muralha da China teve um objetivo puramente comercial: dominar a Rota da Seda e garantir que toda negociação realizada na região fosse taxada. Hoje, também com fins comerciais, um novo paredão se levanta, agora de forma inversa. Ainda que virtual, ela já une lideranças políticas de Alemanha, Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão, Noruega, Reino Unido e Suécia, além de membros do parlamento europeu. O objetivo comum é combater o que grupo chama de “ameaça da crescente influência da China para o comércio global, segurança e direitos humanos”. Para não parecer um levante xenófobo, a Aliança Interparlamentar sobre a China, apresentada na sexta-feira (5), foi vestida com um véu humanitário. Ela afirma lutar por direitos civis e sociais dentro e fora do território chinês. “Essa organização pode usar como pano de fundo o objetivo de defender direitos humanos, mas o interesse é frear parte da escalada chinesa na economia mundial”, afirma o diplomata de carreira e ex-secretário da embaixada brasileira na Alemanha Vagner Scherer.

Em uma carta de intenções assinada em conjunto, o grupo recém-nascido – que não inclui os líderes máximos dos países – diz pretender “construir respostas apropriadas e coordenadas e ajudar a criar uma abordagem proativa e estratégica em questões relacionadas à China”. São copresidentes do grupo dois senadores dos EUA (Bob Menéndez, democrata, e Marco Rubio, republicano), um influente parlamentar do Reino Unido (sir George Iain Duncan Smith, conservador) e o ex-ministro de Defesa japonês Gen Nakatani. Há uma mulher na cúpula: Miriam Lexmann, que integra a comissão de relações exteriores do Parlamento Europeu. “A China, sob o governo do Partido Comunista, representa um desafio global”, afirmou Rubio. O senador defende uma legislação nos EUA para medidas da China em relação a Hong Kong.

Apesar de empresários e políticos estarem de olho na China há décadas, foi precisamente uma ação envolvendo a cidade de Hong Kong, município autônomo dentro do território chinês, que estimulou a formalização do grupo. No dia 29 de maio o governo chinês aprovou uma lei de segurança nacional que proíbe subversão, terrorismo e interferência estrangeira na cidade. Segundo uma pesquisa da Câmara de Comércio norte-americana de Hong Kong 53% dos empresários que atuam na região estão muito preocupados com a nova lei, sendo que 60% estimam que as novas regras vão prejudicar suas operações na cidade. “Hong Kong foi atingida por um golpe duro”, disse a presidente da Câmara, Tara Joseph, em comunicado.

Em sua defesa, a resposta chinesa foi habitual: dura e direta. O governo de Pequim diz que a situação em Hong Kong é interna e a expansão econômica e diplomática da China não representa uma ameaça global. “Instamos um pequeno número de políticos a respeitar os fatos, respeitar as regras básicas das relações internacionais, abandonar a mentalidade da Guerra Fria, parar de interferir nos assuntos internos e de fazer movimentos políticos por interesses egoístas”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang.

PREDOMÍNIO Alta produtividade chinesa preocupa as economias desenvolvidas. (Crédito:Zhou Songlin)

“VALORES COMPARTILHADOS” Além do alegado objetivo de defender a autonomia de Hong Kong — que em 1997 foi devolvida dos britânicos para os chineses com essa condição — os políticos da nova aliança afirmam que as ambições comerciais da China já destruíram economias inteiras. “Chegou a hora de países democráticos se unirem em defesa de nossos valores compartilhados”, declarou o parlamentar britânico Duncan Smith no Twitter, sem esconder sua repulsa aos chineses.

Pelo lado do Brasil, o diplomata Scherer avalia que seja é preciso cautela. “O Brasil, institucionalmente, não deve levantar qualquer bandeira agora”, diz. Enquanto o mundo organiza um paredão contra a China, talvez o Brasil precise ficar em cima do muro.