Na primeira semana de fevereiro, Ruth Myrna Porat, uma inglesa de 61 anos, deixou sua validação num documento digital de 92 páginas ao lado de outros 12 poderosos executivos da indústria de tecnologia. No meio do grupo, vale constar, havia apenas outras três mulheres: Amie O’Toole, Ann Mather e Diane Green, todas ligadas à Alphabet Inc, o mosaico de empresas que vão de carros autônomos a biologia, com Google e YouTube no topo. Ruth Myrna Porat é vice-presidente sênior e CFO (Chief Financial Officer) da Alphabet. Portanto, o principal nome de finanças da companhia cujo faturamento no ano passado foi de US$ 136,8 bilhões (R$ 511,6 bilhões), com lucro líquido acima de US$ 30 bilhões.

Porat está no grupo há pouco tempo, menos de quatro anos. Antes de mergulhar no mundo da tecnologia ela fez carreira, e fortuna, no Morgan Stanley, onde trabalhou de 1987 a 2015 – com um breve hiato de três anos. Apesar do gigantismo, o Google à época vivia pressionado por acionistas para conseguir reduzir custos. Por isso seu alto comando concordou em bancar um pacote que chegou a US$ 70 milhões e salários de US$ 650 mil para trazê-la. Em troca queria da executiva apenas duas coisas. Que fizesse uma gestão atenta a custos e fiscalmente disciplinada e que transformasse o DNA organizacional e desenvolvesse em cada um dos 98.770 colaboradores (além dela) uma cultura por resultados. E que resultados! Porat tornou-se uma espécie de turning point.

Em pouco menos de quatro anos a receita da Alphabet aumentou 82% e o lucro líquido deu um salto de 88%. O faturamento de 2018 é equivalente a R$ 16,2 mil por segundo. Isso é igual a colocar no cofre R$ 155 mil no mesmo intervalo de tempo em que o velocista jamaicano Usain Bolt precisou para bater o recorde mundial dos 100m rasos (9’58”) em Berlim, há dez anos. Para uma breve dimensão comparativa, o faturamento que o Grupo Globo, a maior companhia de mídia do Brasil e uma das maiores do planeta, obteve em todas as suas operações entre 1 de janeiro e 31 de dezembro foi o mesmo alcançado pela Alphabet em uma semana e meia. Traduzido de outra forma, o Grupo Globo leva 34 dias para fazer o que a companhia guarda-chuva do Google faz em 24 horas.

Fórmula sagrada: Larry Page e Sergei Brin pretendem fazer da corporação uma marca inexpugnável. Para isso seguem o mesmo lema desde o IPO, realizado em 2004: nunca deixar que o Google vire uma empresa convencional (Crédito:David Paul Morris/Bloomberg via Getty Images)

Nada na empresa sugere qualquer dado que não seja superlativo. Criada por Sergei Brin e Larry Page em setembro de 1998, a companhia é o tipo de corporação que o capitalismo contemporâneo nunca viu. Na verdade, só haveria equivalência em operações mantidas a lâminas, pólvora e poder. A mais emblemática delas, e tida como a organização de maior envergadura da história, foi a Vereenigde Oostindische Compagnie (VOC), a Companhia Holandesa das Índias Orientais, que valeria cerca de US$ 7,8 trilhões em preços corrigidos.

Fundada em 1602, a VOC era globalizada antes de existir a palavra globalização. Começou como empresa de navegação — o que não deixa de ser semanticamente irônico, já que o Google surgiu para organizar buscas em meio a uma navegação caótica (na web) —, mas se ramificou para quase todos os aspectos do comércio de especiarias, da produção às vendas. O poderio da Alphabet está evidente na carta assinada por Brin e Page em agosto de 2004, quando o site de buscas teve seu IPO (oferta inicial pública de ações). “O Google não é uma empresa convencional”, escreveram. “E não pretendemos nos tornar uma.”

Para eles, criatividade e desafio são a mesma coisa e a essência do sucesso. As ações, naquele 19 de agosto, foram ofertadas a US$ 85. Na segunda-feira (25) fecharam a US$ 1.109,40 (alta de 1.200%). A receita saiu de US$ 3,2 bilhões, em 2004, para US$ 136,8 bilhões, em 2018 (alta de 4.175%), e o lucro líquido saltou de US$ 399 milhões para US$ 30,7 bilhões — 77 vezes maior. Talvez a única diferença entre a Companhia das Índias Orientais de ontem e a Alphabet Inc de hoje seja o fato de que esta navega em mares ainda mais amplos. Pessoas como Porat não querem fazer do Google algo maior. Querem fazer do Google a empresa insuperável.


Para ganhar a batalha da nuvem, pés no chão

É sempre bom lembrar algo. Não existe nuvem quando se diz que há algo na nuvem. Uma imagem do Google Photos não está no éter, ou num espaço entre mais um teste da Virgin Galactic e um voo da KLM. Está em uma unidade de armazenamento de dados em Mountain View, Estados Unidos. Ou em qualquer um dos outros 21 centros
de dados da Alphabet (Google/YouTube) no país. Para ser virtuoso no mundo virtual há uma necessidade inescapável: muito espaço no mundo físico. E cada vez mais amplos, recheados de supercomputadores. É a única maneira de processar informações com precisão e velocidade ascendentes.

Em sua incansável missão de ter todas as respostas para todas as pessoas no menor espaço de tempo, o Google vai aumentar seus investimentos em novos centros de dados de US$ 9 bilhões, em 2018, para US$ 13 bilhões, este ano. Uma elevação de 45%. O movimento mostra mais que os desafios, revela as obsessões da companhia. Em uma teleconferência com analistas após a divulgação do relatório de resultados da Alphabet, o CEO do Google, Sundar Pichai, disse que investir em data centers é necessário para “estabelecer as bases” para as apostas em computação em nuvem, publicidade, YouTube e aprendizado de máquina. Num dia comum 1 bilhão de pessoas pedem algo a algum serviço do Google. Toda essa informação tem de estar armazenada em algum canto e ser processada em milésimos de segundo. Só se alcança tal performance com muita máquina. “Os novos centros de dados vão reforçar a entrega do serviço mais rápido e confiável a todos os nossos usuários e clientes”, disse Pichai. (ER)


Oito perguntas para o Annual Report da Alphabet

A cada fim de ano o board executivo da Alphabet Inc precisa divulgar um extenso documento com seus resultados e descrever estratégias e riscos para o negócio. DINHEIRO “entrevistou” o documento de 92 páginas divulgado este mês.

Como definir a empresa em poucas palavras?
O Google não é uma empresa convencional e nem pretendemos que se torne uma. Esse espírito tem sido uma força motriz e leva a pequenas apostas em áreas que podem parecer muito especulativas.

O que é a Alphabet Inc?
É uma coleção de empresas, a maior delas é o Google, mas inclui outras que estão muito longe de nossos principais produtos de internet, como carros autônomos ou biologia.

A empresa tem a pretensão de ser útil e usada por todas as pessoas, sem qualquer exceção, mas como isso acontece efetivamente?
A internet é um dos equalizadores mais poderosos do mundo. Nossa missão é garantir que a informação chegue a todos. Então, se você é uma criança em uma aldeia rural ou um professor em uma universidade de elite, pode acessar a mesma informação. Velocidade e conectividade são preocupações centrais e outras empresas da Alphabet também têm iniciativas com objetivos semelhantes. A Loon, por exemplo, levará este ano internet movida a balões para as regiões do centro do Quênia.

Vocês fazem dinheiro com a publicidade, mas também distribuem muita publicidade ruim para diferentes parceiros pelo mundo. Como contornar essa questão?
Nós nos concentramos em criar as melhores experiências de publicidade de várias maneiras, desde filtrando tráfego inválido até a remoção de bilhões de anúncios ruins de nossos sistemas todos os anos para monitorar de perto os sites, aplicativos e vídeos em que os anúncios são exibidos. Quando necessário, eles são colocados numa lista negra. Nosso objetivo é garantir excelentes experiências do usuário.

E do ponto de vista do anunciante?
Geramos receitas principalmente entregando publicidade de desempenho e publicidade de marca. A publicidade de desempenho permite que nossos anunciantes se conectem com os usuários enquanto geram resultados mensuráveis. A publicidade de marca ajuda a aumentar a conscientização e a afinidade dos usuários com os produtos e serviços dos anunciantes.

Quais são os riscos que uma empresa do porte da Alphabet pode ter?
Nossas operações e resultados financeiros estão sujeitos a vários riscos e incertezas. Se não continuarmos a inovar e fornecer produtos e serviços que são úteis para os usuários, podemos não permanecer competitivos, e competir com sucesso depende muito da nossa habilidade de antecipação. Além disso, geramos mais de 85% da receita total com publicidade em 2018. Muitos de nossos anunciantes, editores digitais e parceiros de conteúdo podem rescindir seus contratos conosco a qualquer momento. Esses parceiros podem não continuar conosco se não criarmos mais valor do que suas alternativas disponíveis.

Quem pode concorrer com vocês?
Enfrentamos concorrência em todos os aspectos. Nosso negócio é caracterizado por mudanças rápidas, bem como tecnologias novas e disruptivas, especialmente de empresas que buscam conectar pessoas com informações e fornecer-lhes publicidade relevante. Enfrentamos a concorrência de mecanismos de busca (Baidu, Bing, Yahoo), de mecanismos de busca verticais (Amazon, eBay, Kayak, LinkedIn), de redes sociais (Facebook, Snapchat, Twitter), e mesmo de outras formas de publicidade, como outdoor, revistas, jornais, rádio e televisão. Nossos anunciantes normalmente anunciam em várias mídias, tanto on-line quanto off-line. Além disso há concorrentes como a Apple, provedores de serviços corporativos de nuvem (Alibaba, Amazon, Microsoft), de assistentes digitais (Amazon, Apple)… Competir com sucesso depende muito da nossa capacidade de distribuir produtos inovadores.

O que vocês fazem de tão diferente que outras empresas não conseguem fazer?
Muitas empresas se sentem confortáveis fazendo o que sempre fizeram, realizando apenas mudanças incrementais. Isso leva à irrelevância ao longo do tempo, especialmente na tecnologia, onde a mudança tende a ser revolucionária, não evolucionára. As pessoas acharam que estávamos loucos quando compramos o YouTube ou lançamos o Chrome, mas não vamos fugir do alto risco porque eles são a chave para o nosso sucesso a longo prazo.