Prestes a criar uma companhia aérea pela quinta vez, o empresário americano nascido no Brasil David Neeleman afirma que, para ter sucesso no setor, é necessário encontrar um modelo difícil de ser copiado. A receita foi colocada à prova quando Neeleman fundou a Azul – à época, analistas desconfiaram que a empresa não vingaria, pois acreditavam que não havia espaço no mercado.

O americano, porém, encontrou rotas rentáveis que ninguém operava e adotou aeronaves eficientes. Agora, quer repetir a fórmula na Moxy, companhia de baixo custo que deve começar a operar em 2021 nos Estados Unidos – e provavelmente no Brasil.

“Nos EUA, já foi dito que vamos voar em rotas que não terão concorrentes, como a Azul aqui. Aprendemos no Brasil”, diz Neeleman, que tem participação na portuguesa TAP, na francesa Aigle Azur e fundou as americanas Morris Air e JetBlue, a canadense WestJet e a Azul.

Leia, a seguir, trechos da entrevista.

O sr. está criando mais uma aérea de baixo custo nos EUA. O que ela terá de diferente para competir com companhias desse perfil?
Lá, o mercado é muito competitivo. Tem muita gente que quer matar novos entrantes. Vamos começar com o A220 (avião da Airbus que compete diretamente com modelos da Embraer). Estudamos o E2 (nova família de aeronaves da Embraer), uma aeronave muito boa. Mas o A220 dá algumas vantagens. Uma delas é podermos colocar um tanque de combustível auxiliar para ter alcance de quase nove horas. Então podemos voar mais de 6 mil km. Podemos ter primeira classe com assentos que reclinam 180 graus e trocar essa configuração, com flexibilidade para voar para Europa, para mercados no Brasil onde a Azul não tem voos…

A Moxy vai operar no Brasil?
Talvez. Temos opção de fazer muitas coisas.

Qual a probabilidade de trazer voos da empresa para o Brasil?
Para ter sucesso na aviação, o importante é a aeronave (certa). Quando começamos a voar aqui (com a Azul), o E-195 tinha custo de viagem de 25% a 30% menor do que o da Gol e o da Latam. Podíamos entrar em mercados onde eles não podiam. Depois descobrimos que o ATR (modelo bimotor) tinha custo de viagem 40% menor que os E-195. O custo de viagem importa muito. Quando a Azul quer ir para os EUA, por exemplo, só pode voar para alguns mercados onde tem muita demanda, porque a aeronave é grande. Se você tem uma aeronave com custo de viagem 60% menor, pode ir a outras capitais. Pode ser no Brasil, no Chile, no Havaí, na Europa, em todos os lugares sem voos diretos hoje. Nos EUA, já foi dito que vamos voar em rotas que não terão concorrentes, como a Azul. Isso aprendemos aqui no Brasil: 70% de nossas rotas não têm concorrência.

Quando a Moxy começa a operar?
A primeira aeronave chega em abril de 2021.

E há possibilidade de ela vir para o Brasil em rotas novas?
Sim.

O setor aéreo é tido como difícil de dar lucro. Por que o sr. investe nele?
Pode ser difícil se você não sabe o que está fazendo. O Warren Buffett falou que, se você quer ser milionário em aviação, precisa começar com US$ 1 bilhão. Muita gente já perdeu muito dinheiro fazendo isso. Mas temos a receita.

Qual é a receita?
Achar uma oportunidade. No Brasil, por exemplo, não dá para ser só mais uma, como a Avianca Brasil foi. Eles fizeram a mesma coisa e morreram. Quando começamos no Brasil, tinha muita coisa que eles (concorrentes) não estavam fazendo, foi uma oportunidade. A mesma coisa com a JetBlue: o JFK (aeroporto em Nova York) era quase abandonado para voos domésticos. Tinha oportunidade. Mas tem de ser um modelo difícil de se copiar e um mercado que possa ser estimulado. O A220 é uma aeronave de custo baixo e que pode voar até nove horas. Imagina um voo de Cuiabá a Orlando (EUA) todo dia e com tarifa barata, será que mais gente viajaria? Não estou dizendo que a gente vai voar para Cuiabá, mas oportunidade existe com uma aeronave de baixo custo.

O sr. falou que o setor é difícil quando a empresa não sabe o que está fazendo. As que quebraram foram por má gestão?
Sim. Elas tentaram fazer a mesma coisa que outras já faziam, fizeram pior do que as outras, ou com menos capital.

O sr. tem participação na Aigle Azur, empresa na França em dificuldades. Qual a situação lá?
A HNA (grupo chinês que tinha participação na Azul), que investiu aqui também e ajudou na privatização da TAP, pediu um favor: se eu poderia investir um pouco para ajudá-los. Eu não estava envolvido, mas, por causa da minha cidadania europeia, ajudei. Mas não estava envolvido na empresa, e ela quebrou.

Então faltou acompanhá-la de perto?
Acho que não tinha jeito de qualquer modo. (A empresa) não tinha razão para existir.

A Azul tentou ficar com a Avianca Brasil – principalmente os slots (horários de pousos e decolagens) no Aeroporto de Congonhas -, mas não conseguiu. Qual o impacto para a empresa?
Zero. Até o fim do ano, teremos mil voos por dia. Temos sete slots (em Congonhas), 14 a menos (do que teriam se tivessem conseguido comprar a Avianca). O que é 14 em mil?

Mas são 14 no principal aeroporto do País.
Temos outros rotas mais importantes. A gente queria (os slots), não estou minimizando isso, mas acho que o impacto vai ser mínimo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.