Na segunda-feira 19, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) celebrou a arrecadação de mais de R$ 1 bilhão em um leilão de biodiesel. A Marfrig, uma das maiores companhias de alimentos à base de proteína animal do mundo, com receita de US$ 12,7 bilhões de dólares no ano passado, tem investido dinheiro e esforços numa campanha em defesa da preservação de matas e florestas. E já avisa que não vai trabalhar com fornecedores que não cumprem as leis ambientais. A startup brasileira Fazenda Futuro foi criada para desenvolver hambúrgueres à base de plantas e já vale, apenas 8 meses após sua criação, quase R$ 400 milhões.

O CEO da empresa, Marcos Leta, está de olho no negócio das chamadas carnes vegetais e produzidas em laboratório, que deve movimentar mais de US$ 1 trilhão nas próximas décadas. A Suzano, maior produtora global de celulose, com operações em 60 países e 17 mil funcionários, tem na figura do seu presidente, Walter Schalka, um defensor das causas ambientais. Num evento realizado na semana passada, Schalka arrancou aplausos da plateia ao afirmar que os empresários brasileiros têm de ser mais atuantes na luta contra o desmatamento da Amazônia.

Esses são apenas alguns dos muitos exemplos de companhias do agronegócio — sejam gigantes e tradicionais como Marfrig e Suzano, ou pequenas e inovadoras, como a Fazenda Futuro — que perceberam algo quase impensável há apenas uma década: o agronegócio pode (e deve) trabalhar em parceria com o meio ambiente. Essa é uma ideia cada vez mais forte em todo o planeta. Exceto para o autodenominado Capitão Motosserra. Para espanto do Brasil e do mundo, o presidente Jair Bolsonaro já deixou claro, por meio de atitudes e declarações, que está se lixando para o assunto. Para ele, “meio ambiente é coisa de vegano”, como disse recentemente. Erro grotesco. “Não é uma questão de ser vegano. É uma questão de sobrevivência dos dois lados: do agro e do meio ambiente”, afirma o engenheiro de alimentos Marcelo Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). “Precisamos entender que o agro depende da preservação ambiental. Se não conservarmos o meio ambiente, não haverá recursos naturais para produzirmos nada”.

O grande problema é que as declarações e atitudes atabalhoadas de Bolsonaro não ficam no campo do folclore ou da piada sem graça. Elas têm consequências reais. Foi o caso da aprovação, por parte do governo federal, de 236 novos agrotóxicos. Sendo o Brasil um dos maiores exportadores agrícolas do mundo — em 2018, foram quase US$ 102 bilhões —, o fato repercutiu globalmente. Na Suécia, a rede de supermercados do Grupo Paradiset, a maior da Escandinávia, anunciou o boicote a todos os produtos made in Brazil.

À rádio RFI, da França, o dono da companhia, o empresário Johannes Cullberg, foi firme: “Precisamos parar Bolsonaro. Ele é um maníaco!”. O grande medo dos europeus é que três dos agrotóxicos recentemente liberados pelo governo brasileiro usam como base o glifosato, classificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como potencialmente cancerígeno. Com isso, a Paradiset já aboliu de suas prateleiras água de coco, café, limão e manga brasileiros. E Cullberg tem convocado outros empresários a fazer o mesmo.

Carne verde: com o hambúrguer vegetal, a startup de Marcos Leta já vale R$ 400 milhões (Crédito:Claudio Gatti)

Outro episódio péssimo para a imagem do País foi o da demissão do ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, exonerado no início deste mês por divulgar dados científicos que mostravam o aumento do desmatamento na Amazônia. Ou seja, foi demitido por fazer seu trabalho. Doutor em Física pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e membro do conselho da Sociedade Europeia de Física, Galvão viu sua demissão repercutir internacionalmente.

Uma das opiniões mais contundentes veio de um diretor da Nasa. “É um fato significativamente alarmante, pois reflete como o governo brasileiro encara a ciência”, disse, à BBC, Douglas Morton, chefe do Laboratório de Ciências Biosféricas da Agência Espacial Americana, uma das instituições mais admiradas e sólidas dos Estados Unidos, o segundo maior parceiro comercial do Brasil — atrás apenas da China.
A demissão injustificada de um cientista do quilate de Galvão causou, ainda, outro dano ao País. Devido a esse episódio, o Brasil perdeu, em apenas dois dias, quase R$ 300 milhões em investimentos que iriam para projetos de preservação da Floresta Amazônica, a maior selva tropical do planeta.

Como forma de protestar pela postura a favor do desmatamento adotada por Bolsonaro, a Alemanha decidiu segurar os R$ 155 milhões que enviaria ao Fundo Amazônia. Com a arrogância de sempre, o presidente disse que não precisava do dinheiro dos alemães. Um dia depois, a Noruega seguiu o exemplo da Alemanha e congelou o repasse de R$ 133 milhões que iria para o mesmo fundo. No total, o meio ambiente brasileiro perdeu exatos R$ 283 milhões numa só machadada do Capitão Motosserra, que segue sorrindo, vomitando bravatas e incentivando queimadas.

Enquanto isso, outros personagens tentam apagar o incêndio. É o caso da Conservation International (CI), uma das maiores ONGs ambientais do mundo. Com atuação em cerca de 30 países, a CI tem se esforçado para, em parceria com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), colocar em prática um plano que vai aplicar cerca de R$ 25 milhões em municípios da Bahia e do Tocantins, no intervalo de três anos. Com o objetivo de conciliar o agronegócio com a preservação ambiental, o projeto usa incentivos econômicos para estimular os fazendeiros a produzir de forma sustentável, desmatando o mínimo possível e respeitando os limites da natureza. Com isso, os produtores serão inseridos numa espécie de cadastro verde, apresentado a bancos e tradings globais, facilitando a venda de seus produtos e a aquisição de financiamentos e empréstimos.

ÁREAS NATIVAS O maior foco é a soja, muito forte na região e mais importante commodity agrícola do País, que deve alcançar as 120 milhões de toneladas produzidas este ano, a maior da história. Para quem ainda acha estranho conservacionistas trabalhando ao lado de produtores rurais, o biólogo carioca Miguel Moraes, diretor sênior de Programas da CI, dá uma lição simples. “A produção rural é fundamental para o povo e para a economia brasileira, assim como a preservação de áreas nativas em propriedades privadas é fundamental para o agronegócio”, diz Moraes, mestre em Botânica e doutor em Desenvolvimento Sustentável.

Do outro lado do campo, mas jogando no mesmo time, estão os produtores e empresários do agronegócio. Todos em busca de maneiras e alternativas para conciliar a produtividade com a preservação. “Graças à evolução da ciência e da tecnologia, estamos provando que isso é possível”, destaca Marcelo Brito, da Abag. O Brasil tem ótimos dados nesse sentido. Em 2004, a área cultivada no País era de 47 milhões de hectares (maior do que o estado do Rio de Janeiro). No ano passado, esse número saltou para 63 milhões de hectares, alta de 34%. Já a produtividade, que era de 2,3 toneladas por hectare em 2004, subiu para 3,8 toneladas no ano passado, crescimento de 65%. Estamos produzindo mais em menos espaço. “Isso é resultado da evolução agrária e da preocupação dos produtores em respeitar as leis ambientais”, diz Brito.

Ele ressalta que essa postura é fundamental, inclusive, para o bom andamento dos negócios. Afinal, é cada vez maior o número de países que exigem garantias de que os produtos rurais que estão comprando foram produzidos de forma sustentável. “Hoje, mais do que nunca, quem manda é o consumidor. E o consumidor das nações desenvolvidas exige produtos ecologicamente corretos”. Não se trata de uma tendência. É uma questão de sobrevivência, como pesquisas comprovam.
Este mês, foi concluído o relatório que será apresentado em setembro durante o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Ligado à ONU, o órgão é o mais importante do mundo sobre questões ambientais e climáticas.

A conclusão do é alarmante: da forma como existe hoje, a agricultura não é sustentável e aumentará, ainda mais, a devastação ambiental e o aquecimento da Terra. Um dos pontos mais importantes do relatório, produzido por cientistas de todo o mundo, é conciliar produção rural com conservação do meio ambiente. É crucial, para a sobrevivência do planeta e da humanidade, mudarmos os conceitos já estabelecidos sobre o assunto, incluindo a maneira como produzimos e consumimos alimentos. “O mundo inteiro já entendeu isso e está caminhando nesse sentido”, diz Miguel Moraes, da CI. “Trabalhar em parceria com o meio ambiente é o único caminho para que o agronegócio siga crescendo”, complementa Brito. Simples, não? Só não entende quem não quer. Tipo o Capitão Motosserra.


Por que a soja brasileira aumenta a tensão entre EUA e China

Apesar da admiração que Bolsonaro tem pelo presidente americano Donald Trump, o Brasil nunca tomou oficialmente partido na guerra comercial travada entre os Estados Unidos e a China. Mesmo assim, o País ganhou um papel importante nessa batalha. É que a soja brasileira aqueceu as tensões entre as duas maiores economias do mundo. Em retaliação à elevação das tarifas sobre bens industrializados imposta por Trump aos produtos chineses, o presidente Xi Jinping passou a tributar em 25% alguns produtos agrícolas americanos. A soja foi um deles. Com isso, o agronegócio brasileiro se deu bem, especialmente a soja.

Só no ano passado — quando teve início a guerra comercial que assombra a economia global —, as exportações nacionais para o gigante asiático tiveram uma alta de 35% em relação a 2017. O maior crescimento foi da soja, que exportou US$ 7 bilhões (quase R$ 30 bilhões) a mais para a China. Mas outros produtos do agro brasileiro também registraram ótimos números, como a carne bovina (quase US$ 560 milhões a mais) e o algodão (alta de US$ 360 milhões). Por seu turno, Trump já afirmou estar “insatisfeito” com a substituição da soja americana pela brasileira por parte do governo chinês. E enquanto Trump e Jinping duelam, a soja nacional vai ganhando força na terra de Mao Tsé-Tung.