Tão logo o FMI anunciou a liberação da ajuda financeira de US$ 40,7 bilhões para a Argentina, os chefões do país se lançaram a uma espécie de cruzada pelo otimismo. O presidente Fernando De la Rúa declarou que um círculo virtuoso de crescimento estava começando. Ao mesmo tempo, José Luís Machinea, ministro da Economia, garantia publicamente que não haveria aumento de impostos ou cortes nos salários. O coro foi reforçado pelo ex-ministro Domingo Cavallo, que convocou seus patrícios a tirar dinheiro da poupança e jogá-lo no consumo e, assim, reativar a combalida economia do país.

A ofensiva do governo pretendia soar forte e determinada como um tango, mas revelou-se dissimulada como uma milonga. Nas ruas da capital Buenos Aires, nesses dias quentes de janeiro o cenário que se vê é bem distante da euforia. Nesta semana, será a vez dos brasileiros ouvirem a música dos argentinos. O secretário de Finanças, Daniel Marx, desembarcará por aqui para falar sobre a blindagem e seus efeitos. Empresários, sindicalistas e economistas argentinos ouvidos por DINHEIRO concordam que a blindagem financeira veio em boa hora, mas está longe de ser a panacéia aclamada pelos governistas. ?A Argentina ganhou dois anos para evitar a recessão e readquirir a confiança dos investidores internos e externos?, disse Diego Videla, da Unión Industrial Argentina (UIA), a Fiesp dos portenhos. ?Se ficar apenas na blindagem o único efeito será o adiamento da crise para 2002.? Observe também o que diz o sindicalista Angel Alberto Garcia, da direção da Confederación General del Trabajo, a CGT: ?Esse dinheiro só veio para garantir o pagamento da dívida externa. Não há um plano para a retomada do crescimento.? Agora, o consultor empresarial Martin Jebsen. ?A blindagem é um remédio para um enfermo com potencial de cura, mas há um longo tratamento pela frente?, diz ele. Todos concordam que os problemas da Argentina não se resolvem apenas com ajudas financeiras. O país tem que gerar divisas para pagar credores externos e recuperar a capacidade de investimento. Precisa também fazer reformas profundas no setor público. Os próprios argentinos desconfiam que a tarefa, além de árdua, talvez esteja entregue a um governo sem condições políticas de fazê-lo. De la Rúa é visto como um sujeito honesto, mas carente de liderança, pecado capital para um presidente da República, sobretudo portenho. ?Quando o capitão tem poder, mas não liderança, o barco navega sem rumo?, diz o consultor Jebsen.

Parece ser a visão da maioria dos argentinos. Uma pesquisa do jornal El Cronista indica que 73% da população acredita que a economia será, no máximo, levemente melhor em 2001 ? apesar da blindagem, do acordo de austeridade fiscal com os governadores e dos cortes nos gastos públicos. Além disso, a base de comparação é muito ruim. A Argentina não cresce há dois anos ? só em 1999 a queda no PIB foi de 3,5%. O desemprego atinge 15,4%. A capacidade ociosa na indústria, segundo a UIA, está na casa de 30% a 35%. Nos últimos 10 anos, a dívida externa mais que dobrou de tamanho e soma hoje US$ 145 bilhões.

Muitos economistas colocam esse quadro na conta daquele que é, depois de Perón e Evita, o tabu máximo da vida do país, a paridade entre peso e dólar. Ninguém quer mudanças nesse departamento. Boa parte da população tem débitos em dólar. Até mesmo contas de telefone celular são cobradas na moeda americana. O setor privado acumula uma dívida externa de US$ 60 bilhões. ?Não vejo condições para alterações na paridade?, diz Alicia Cabarellero, da Fundação Invertir, que se dedica a estudos econômicos. Sem mexer na paridade, sobram poucas portas de saída para a crise. O país tem que aumentar suas exportações e levar mais dólares para seu caixa. Segundo cálculos da UIA, as vendas externas deveriam atingir cerca de US$ 35 bilhões até 2003, contra os US$ 24 bilhões do ano passado. Há boas notícias nesse front. Os preços das commodities no mercado internacional estão se recuperando. A síndrome da vaca louca na Europa também abre oportunidades de aumento para a exportação de carne.

Para a UIA, é necessário muito mais. ?Nos próximos 30 dias, o governo deverá anunciar medidas para aproveitar o clima positivo?, diz Videla. ?E elas devem dar prioridade para o aumento das exportações.? A agenda dos empresários traz reivindicações clássicas: redução de impostos, mais financiamento e menos burocracia. Além disso, defendem a redução nos gastos públicos. Parada dura para um governo politicamente enfraquecido. Este é um ano de eleições no país, o que complica mais a situação para De la Rúa. O Senado e parte da Câmara de Deputados serão renovados. Poucos dias depois do anúncio da blindagem, na sede da CGT, um antigo e despojado edifício próximo ao elegante Puerto Madero, os sindicalistas convocaram a imprensa para anunciar uma greve geral de 24 horas para 2 de março, um dia depois de uma manifestação que deverá ocorrer em frente do Congresso. Enfim, a atuação do governo argentino tem muito pouco da força e determinação de um tango, mas carrega um bocado de sua dramaticidade.

Parece ser a visão da maioria dos argentinos. Uma pesquisa do jornal El Cronista indica que 73% da população acredita que a economia será, no máximo, levemente melhor em 2001 ? apesar da blindagem, do acordo de austeridade fiscal com os governadores e dos cortes nos gastos públicos. Além disso, a base de comparação é muito ruim. A Argentina não cresce há dois anos ? só em 1999 a queda no PIB foi de 3,5%. O desemprego atinge 15,4%. A capacidade ociosa na indústria, segundo a UIA, está na casa de 30% a 35%. Nos últimos 10 anos, a dívida externa mais que dobrou de tamanho e soma hoje US$ 145 bilhões.

Muitos economistas colocam esse quadro na conta daquele que é, depois de Perón e Evita, o tabu máximo da vida do país, a paridade entre peso e dólar. Ninguém quer mudanças nesse departamento. Boa parte da população tem débitos em dólar. Até mesmo contas de telefone celular são cobradas na moeda americana. O setor privado acumula uma dívida externa de US$ 60 bilhões. ?Não vejo condições para alterações na paridade?, diz Alicia Cabarellero, da Fundação Invertir, que se dedica a estudos econômicos. Sem mexer na paridade, sobram poucas portas de saída para a crise. O país tem que aumentar suas exportações e levar mais dólares para seu caixa. Segundo cálculos da UIA, as vendas externas deveriam atingir cerca de US$ 35 bilhões até 2003, contra os US$ 24 bilhões do ano passado. Há boas notícias nesse front. Os preços das commodities no mercado internacional estão se recuperando. A síndrome da vaca louca na Europa também abre oportunidades de aumento para a exportação de carne.

Para a UIA, é necessário muito mais. ?Nos próximos 30 dias, o governo deverá anunciar medidas para aproveitar o clima positivo?, diz Videla. ?E elas devem dar prioridade para o aumento das exportações.? A agenda dos empresários traz reivindicações clássicas: redução de impostos, mais financiamento e menos burocracia. Além disso, defendem a redução nos gastos públicos. Parada dura para um governo politicamente enfraquecido. Este é um ano de eleições no país, o que complica mais a situação para De la Rúa. O Senado e parte da Câmara de Deputados serão renovados. Poucos dias depois do anúncio da blindagem, na sede da CGT, um antigo e despojado edifício próximo ao elegante Puerto Madero, os sindicalistas convocaram a imprensa para anunciar uma greve geral de 24 horas para 2 de março, um dia depois de uma manifestação que deverá ocorrer em frente do Congresso. Enfim, a atuação do governo argentino tem muito pouco da força e determinação de um tango, mas carrega um bocado de sua dramaticidade.