Desenvolver a receita para que o Brasil inicie a próxima década em uma curva econômica ascendente se assemelha à produção de um novo medicamento. O primeiro passo é entender qual é a enfermidade a ser tratada e definir quais os efeitos desejados com a fórmula. Depois, os químicos precisam criar o “veículo” do princípio ativo que irá combater os problemas identificados. Em seguida, é preciso buscar meios de tornar a fórmula acessível, sustentável e com um sabor que não seja amargo demais. No caso da economia brasileira, o cerne do problema é o descontrole fiscal. Ele causa uma infecção generalizada que afeta outras funções da atividade econômica.

Para entender o tamanho do estrago e seus efeitos, é só observar o que ocorreu na última década. Em 2014 o Brasil registrou o primeiro déficit primário (receitas menos despesas, sem contar juros) da história, algo em torno de R$ 32 bilhões. Era o primeiro sinal de que a saúde econômica não ia nada bem. Desde então, o rombo só saltou. Influenciado pela pandemia, ele chegou a 2020 em estrondosos R$ 844 bilhões, deixando o País à beira de um colapso fiscal. O resultado pôde ser sentido em várias doenças oportunistas: o empobrecimento da população, a redução da capacidade do Estado de investir e a fuga do capital estrangeiro. Não por acaso, dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, enquanto o mundo deverá crescer 30,5% na década encerrada em 2020, o Brasil vai registrar um tímido avanço de 2,2%, muito aquém do prometido para um País emergente de dimensões continentais.

TETO DE GASTOS Com esses dados em mente, é possível entender qual é o agente “causador” do problema. O tratamento cabe à equipe econômica do governo federal, encabeçada pelo ministro Paulo Guedes. É ela que deve apresentar soluções que, ainda que não curem já a doença, possam ao menos suavizar seus efeitos no Produto Interno Bruto (PIB). Para Carlos Kawall, diretor do ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, alguns dispositivos já aplicados, como o teto de gastos, são fundamentais para que seja possível ao menos estabilizar a situação do paciente Brasil. “Embora dentro de limites bastante restritivos, há como cumprir o teto de gastos”, disse. Mas, segundo ele, é fundamental que se avance na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial e na reforma administrativa. “Isso reduzirá a rigidez do orçamento e garantirá a sustentabilidade da dívida pública no médio e no longo prazos.”

Na avaliação de Bruno Funchal, atual secretário do Tesouro, o Brasil tem total capacidade de retomar o controle fiscal em 2021. Basta cancelar o auxílio emergencial para que as contas voltem ao eixo. A questão é que essa sustentação financeira tem impedido que milhões de brasileiros mergulhem na total desassistência ou capacidade de gerar renda. José Roberto Afonso, economista e um dos criadores da Lei de Responsabilidade Fiscal, afirma que a crise não vai acabar em 2021, podendo se estender por no mínimo dois anos. “Enquanto não se resolver a crise da saúde, vai ter crise fiscal. Então todos os esforços deveriam estar na saúde.”

Para o ano que vem, a previsão é que o dólar fique em torno de R$ 5,00 e o PIB cresça 3,36%. Mas esses números não se sustentarão sozinhos. O Brasil também precisa estar atento ao fluxo global de investimento estrangeiro no processo de retomada. Segundo Celso Satto, professor de comércio exterior da Universidade de Brasília e consultor do Senado na Comissão de Assuntos Internacionais, a vitória de Joe Biden marcará um novo momento nas relações entre os países. “O Brasil precisa olhar para o exterior e enxergar parceiros, não inimigos”, disse. “A falta de diplomacia mina a criação de acordos com nações desenvolvidas.” Para ele, ainda que o governo não esteja aberto para negociações que envolvam sustentabilidade, as empresas agem. “Não adianta ignorar o problema. E os empresários sabem disso.”

Há outro efeito colateral de um arrocho fiscal que retire benefícios fiscais para empresas e reduza drasticamente o investimento público no setor produtivo: o emprego, provavelmente o maior desafio a ser enfrentado no curto prazo. Na avaliação de Kawall, a retomada dos postos de trabalho perdidos na pandemia vai levar alguns anos. “Teremos por algum tempo elevação da taxa de desemprego, que deve chegar à máxima histórica de 16% em 2021”, disse. Para ele, a aceleração de reformas que elevem a taxa de crescimento é fundamental. “Não há mais espaço para aumento de gasto financiado por elevação da dívida pública”, afirmou.

Se for imprescindível, a solução é pensar em medidas de elevação de receita, mesmo que temporárias. “Gastamos demais, e mal, em 2020. Não há como repetir isso”, disse Kawall. Como todo medicamento, o que se propõe a sanar os problemas do Brasil possui restrições e sua aplicação precisar ser acompanhada de perto. Ou, nas palavras de Paracelso (Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim), médico alemão do século 16, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

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