Enólogos costumam usar o termo maturação para designar o período de estágio do vinho entre o fim das fermentações e o momento em que ele é engarrafado. Por ser um organismo vivo, o vinho amadurece, envelhece e morre. Por isso, deve ser bebido em uma janela de tempo precisa. Se passar do ponto, avinagra. Se aberto jovem demais, antes que tenha evoluído até sua plenitude, pode frustrar as expectativas de quem o comprou. Raciocínio semelhante se aplica à abertura de capital de uma empresa. Para evitar decepções, é preciso acertar o timing, aguardar que o negócio amadureça. Foi isso que fez a Wine no ano passado. Como um vinho que precisasse de mais tempo na garrafa, a companhia preferiu postergar sua chegada ao mercado. Em setembro, um pedido de oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) foi levado pela Wine à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A empresa seria listada no Novo Mercado da B3 em 6 de novembro. Sua precificação se aproximava de R$ 1 bilhão — para ser exato, R$ 945,2 milhões, somando os lotes suplementar e adicional de ações. Surpreendendo os interessados, dias antes da abertura um fato relevante alertou para que todos guardassem suas taças. A Wine permaneceria fechada por mais tempo. “Decidimos suspender o processo porque casava com a eleição americana. A previsão era de um cenário turbulento”, disse à DINHEIRO o CEO da Wine, Marcelo D’Arienzo.

Após evitar o que seria um IPO precoce, os controladores buscaram outras formas de amadurecer. “Em maio, a Wine se tornou uma empresa de capital aberto, com a divulgação trimestral auditada dos nossos resultados”, disse D’Arienzo. Com isso, foi possível emitir uma debênture de R$ 180 milhões que viabilizou o acordo de compra da Cantu Importadora. Segundo o CEO da Wine, mais importante do que adquirir as ações da oitava maior companhia do setor no País, com faturamento de R$ 200 milhões em 2020, é a possibilidade de realizar um sonho: criar a empresa líder do segmento de vinhos no Brasil. Hoje, a maior importadora dessa categoria de bebidas é a VCT Brasil, controlada pela chilena Concha y Toro. “A gente está brigando cabeça a cabeça e espero que até o final do ano possamos comemorar a posição de liderança e não de aspirante à liderança”, afirmou D’Arienzo. Entre janeiro e maio deste ano, Wine e Cantu somaram US$ 17 milhões em importações, contra US$ 18 milhões da VCT Brasil, segundo a Ideal Consulting (tabela abaixo).

LOJA FÍSICA Estratégia é atender o consumidor em toda a sua jornada: assinatura, e-commerce, empórios, supermercados, rede própria e restaurantes. (Crédito:Gabriel Andrade)

Nascida como e-commerce em 2008, a Wine tem hoje o maior clube de vinhos do mundo, com 250 mil associados. Nos últimos anos, abriu 13 lojas físicas, em dez cidades. O faturamento da Wine em 2020 foi de R$ 450 milhões, 66% maior que o de 2019. E a empresa quer seguir crescendo no embalo do aquecidíssimo mercado de vinhos do Brasil. “Com a pandemia, o Brasil ganhou entre 7 e 9 milhões de tomadores de vinho de forma regular”, disse o CEO da Wine. Ainda assim, 50% do volume de vinho vendido no Brasil é de mesa, ou seja, produzido com uvas que não são viníferas. Seguindo D’Arienzo, dos outros 50%, que incluem importados e vinhos finos nacionais, 72% são vendidos abaixo de R$ 50 para o consumidor final. Essa faixa de preço, portanto, equivale a algo entre 85% e 90% de todo o mercado de vinhos no Brasil. E é nesse ponto que a aquisição da Cantu pela Wine faz todo o sentido. “Como o poder aquisitivo do brasileiro é baixo, o que precisamos oferecer para o nosso cliente é uma relação custo-benefício incrível para que ele prove o vinho fino que antes não comprava”, afirmou D’Arienzo, citando o seguinte comparativo: na gôndola do supermercado, um Chalise (de mesa) custa R$ 18; e o Chilano, importado pela Cantu, R$ 22,90. Se o custo é decisivo na escolha, quem entra já escolhe o vinho fino importado.

Outra vantagem competitiva que a aquisição da Cantu oferece para a Wine chegar à liderança diz respeito à interiorização. É evidente que os milhões de novos bebedores de vinho no Brasil não estão apenas nas capitais. Hoje, cidade de até 100 mil habitantes já têm supermercados com boas adegas de vinho ou até mesmo empórios especializados. E a Cantu, que entrega as bebidas que importa para cerca de 11 mil pontos de venda em todo o País, é uma das responsáveis por isso. “Quem não era atendido pelo supermercado ou loja podia comprar no nosso e-commerce ou assinar o clube Wine, mas era sempre com planejamento”, disse o CEO da empresa. “A gente precisa estar presente com produtos do nosso grupo em toda a jornada de consumo”. Para a Wine, o cliente perfeito é aquele que assina seu clube de vinhos, compra no e-commerce e, quando sai de casa, encontra um vinho da Cantu no supermercado ou no restaurante. “Todas as vezes que ele toma vinho, toma comigo.”

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“Nosso cliente confia nas recomendações da empresa e não bebe só vinho. Atuar em outras categorias de pode gerar novas oportunidades de crescimento” Alexandre Magno relações com investidores.

TECNOLOGIA E não só vinho. Segundo Alexandre Magno, da área de Relações com Investidores da Wine, seu cliente confia nas recomendações da empresa ao escolher outras bebidas. “Isso pode ser interessante como oportunidade de diversificação do negócio”, afirmou. Para D’Arienzo, além de demandar mais vinhos e outras bebidas, o crescimento da Wine implica investir em tecnologia, tanto para avançar no processo de interiorização quanto de curadoria, incluindo Inteligência Artificial. “Estamos trabalhando numa aquisição nessa área”, disse. Ele não descarta fazer o IPO no futuro. Se vier, o blend Wine-Cantu poderá valer bem mais do que R$ 1 bilhão.