Durante muito tempo, a chamada indústria tradicional olhou para o segmento de luxo com a mesma atenção dirigida a um poste. Luxo? Isso é futilidade. Produtos artesanais? É melhor fabricar em larga escala com linhas de produção robotizadas Fábricas na Europa? Que desperdício! É muito mais barato levar a produção para a China. Mimar o cliente? Se o produto é bom não há motivos para perder tempo com amenidades. Era assim que as empresas que não faziam parte do universo do glamour pensavam os seus negócios. Mas isso mudou. Da mesma forma que as companhias do setor de luxo passaram a dar atenção ao grande público ganhando escala sem perder o status (leia reportagem na pág. 74), as empresas que atendem a massa começaram a buscar o público de alta renda aplicando ferramentas usadas no setor de luxo. Entre elas, pode-se destacar a operadora de turismo CVC, as empresas de telefonia Claro e Telefônica, a fabricante de perfumes O Boticário, a produtora de vinho Salton, a cervejaria Schincariol e a bandeira de cartão de crédito MasterCard. “Esse tema é a bola da vez”, diz Carlos Ferreirinha, diretor da MCF Consultoria & Conhecimento. “Há uma uniformidade nos produtos e as empresas estão buscando se diferenciar com atendimento e percepções emocionais.”

Elas estão sendo levadas a esse caminho de forma imperativa. Primeiro porque o mercado de luxo movimentou US$ 3,9 bilhões no Brasil em 2006. Segundo porque o número de milionários cresceu 10,4%: são 120,4 mil pessoas com patrimônio superior a US$ 1 milhão. O mais importante, contudo, é que os clientes estão mais exigentes do que nunca. De olho nesse cenário, a CVC, empresa que fatura R$ 1,5 bilhão vendendo pacotes de turismo para a classe média, está lançando a agência Set Travel Boutique & Entertainment, uma boutique de viagens e entretenimento. O braço exclusivo ainda está em fase de estruturação, mas deve entrar em operação até o fim do ano com uma loja no bairro do Itaim, em São Paulo. “Faremos viagens exclusivas para os melhores hotéis do mundo”, diz Gustavo Paulus, presidente da holding CVC. “Ainda estamos estudando se os clientes da Set também serão atendidos pela CVC.” Uma coisa é certa: usará o poder de fogo da gigante do turismo.

Foi, de certa forma, o que aconteceu com a operadora de telefonia celular Claro. Os executivos da empresa enxergaram espaço para um serviço personalizado e criaram o Claro A, que começou como uma experiência. A empresa se associou a marcas como Land Rover, Banco Safra e Daslu, selecionou alguns dos melhores clientes dessas grifes e distribuiu aparelhos com um serviço diferenciado. Esses clientes contavam com um personal mobile, um profissional bilíngüe para solucionar as dúvidas até mesmo pessoalmente. Virou sucesso e, desde julho desse ano, tornou-se produto. “Esse serviço é o crème de la crème”, diz João Cox, presidente da Claro.

Por enquanto, o Claro A é oferecido apenas em São Paulo e é vendido somente em uma loja no Shopping Iguatemi ao custo de R$ 49,90 por mês. Vale lembrar que uma operação como essa demanda muita atenção. Afinal, a Claro tem 26,3 milhões de clientes e esse serviço representa uma minúscula parcela. No fundo, o que se ganha com esse movimento é imagem. A Telefônica, em breve, deverá fazer o seu début nessa área. Uma divisão da companhia denominada premium prepara o lançamento de um serviço guardado sob sigilo. DINHEIRO apurou que o nome fantasia será Telefônica Superpremium. “Há mais de um ano estamos trabalhando nisso”, diz Sérgio Wainer, diretor do segmento premium. O executivo desconversa sobre como será o produto, mas percebe-se que o atendimento será personalizado e até um consultor irá até a casa do cliente para ensinar como tirar melhor proveito dos serviços da Telefônica. O modelo também será desmembrado para casais, solteiros, famílias…

Nos últimos anos uma expressão personificou esse movimento, o masstige, contração das palavras inglesas mass (massa) com prestige (prestígio). Ou seja, a massificação do prestígio traduzida em produtos diferenciados a preços mais acessíveis. O Boticário, com 2,4 mil lojas no Brasil, vem fazendo esse exercício com maestria. Em setembro do ano passado, a empresa lançou o perfume Lily Essence, uma fragrância que custa R$ 137. É um perfume que briga diretamente com os exemplares das grandes marcas internacionais. O segredo de seu prestígio está no processo de fabricação. O Boticário resgatou a técnica da enfleurage, um modo artesanal de retirar as essências das flores para obter o óleo que será usado na criação do perfume. No processo, as flores cultivadas em Holambra são levadas em um caminhão climatizado e chegam na planta industrial d’O Boticário, no Paraná, ainda fechadas. Tudo isso para que elas desabrochem durante a extração da essência. O frasco também foi cuidadosamente desenvolvido na França. “A forma de produção artesanal encanta os consumidores”, diz Tatiana Ponce, gerente nacional de mercado d’O Boticário. “Vamos lançar mais três produtos para a classe A, um ainda este ano e mais dois em 2008.” É um caminho que pode redefinir a empresa.

A fabricante de bebidas Salton passou por isso em um processo iniciado em 1997. Na época, 99% do faturamento da companhia vinha dos populares conhaque Presidente e vinho Chalise. Hoje, essa participação caiu para 60%. O restante do faturamento de R$ 160 milhões é gerado com as vendas de vinhos e espumantes finos. “Investimos mais de R$ 50 milhões para produzir bebidas de alta qualidade”, diz Ângelo Salton Neto. A empresa, que possui uma moderna vinícola no Rio Grande do Sul, atualmente possui rótulos refinados como os tintos Classic, Talento e Desejo. Agora, quer oferecer prestígio para a massa. “Diminuímos a nossa margem de lucro e aumentamos o volume para brigar com os vinhos argentinos e chilenos”, diz Salton. Resultado: os preços caíram 30% e o Classic agora é encontrado a uma média de R$ 12. O grupo cervejeiro Schincariol, dono de um faturamento de R$ 3,65 bilhões, é outro que passou a atuar no segmento premium. A empresa sediada em Itu, interior de São Paulo, tinha só três marcas, Nova Schin, Primus e Glacial, nenhuma delas voltada para o público de alta renda. Desde o início do ano, isso mudou. Em janeiro, ela comprou a Baden Baden, cervejaria de Campos do Jordão, em São Paulo, partiu para cima da Nobel, uma respeitada marca do Nordeste, em maio, e, em julho, abocanhou a Devassa, a badalada marca carioca com produção artesanal e 14 bares próprios – 13 no Rio e um em São Paulo. “São marcas que agregam mais prestígio para o grupo”, diz Marcel Sacco, diretor de marketing da Schincariol. “Também alcançam outro tipo de cliente.” Esse cliente ao qual ele se refere é do tipo que pede atenção especial.

Para essa turma, o atendimento é fundamental. “Não adianta servir os melhores pratos e vinhos que existem se o garçom atende mal”, diz Venâncio de Castro, diretor da MasterCard. Depois de fazer estudos sobre a sua base de clientes, a companhia identificou que uma parte deles viajava oito vezes ao ano e tinha um gasto mensal de US$ 7 mil. Com esses dados nas mãos, desenvolveram o MasterCard Black, um cartão sem limite cuja anuidade custa cerca de R$ 600. Quem dispõe de um produto como esse tem acesso a salas vip em aeroportos espalhados no mundo inteiro, tem serviço de concièrge e outros mimos. Mais: por meio de uma parceria com o grupo Fasano, os clientes são convidados para shows nos hotéis da rede e têm acesso a menus exclusivos nos requintados restaurantes. “Essa é uma tendência que começou com a onda do mercado de luxo e veio para ficar”, diz Ana Zambon, da consultoria Zambon Inc. Só um míope para continuar enxergando esse segmento como se fosse um poste.