Na semana passada, o governo federal decidiu pôr fim à novela da venda do controle acionário da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Na terça-feira, 20, o presidente da Anatel, a agência reguladora do setor, Renato Guerreiro, decretou a intervenção no comando da companhia gaúcha. A medida abre o caminho para o primeiro processo legal de cassação da licença de concessão de uma empresa de serviço público privatizada. A intervenção vigora até 30 de abril de 2001. Mas, em 180 dias, o interventor despachado para a Capital gaúcha pela Anatel, Ronaldo Rangel de Albuquerque Sá, ex-presidente da Telebrás, deverá concluir um levantamento completo sobre a situação da CRT e definir o modelo de extinção da atual concessão. Até lá, a Telefonica, que lidera o consórcio Tele Brasil Sul, dono de 85,2% do controle acionário da CRT, terá uma última chance para tentar vender as ações à Brasil Telecom. Foram justamente as divergências entre os acionistas da Brasil Telecom (Opportunity, Telecom Itália e fundos de pensão) sobre o valor a ser pago à Telefonica que levaram as negociações ao impasse e à conseqüente intervenção do governo. ?Os empresários não demonstraram à competência para negociar?, disse o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga. ?Houve descumprimento das regras do modelo brasileiro de telecomunicações?, reforçou Renato Guerreiro.

A chegada do interventor Ronaldo Sá à sede da CRT em Porto Alegre, na manhã da quarta-feira 21, marcou um dos dias mais tumultuados nos 40 anos de história da companhia. Em uma rápida reunião, ele afastou toda a diretoria nomeada pela Brasil Telecom e anunciou a contratação de uma empresa de auditoria, encarregada de apurar possíveis irregularidades na administração e analisar os bens da CRT. Esses bens é que serão retomados pela União em caso de a cassação da licença concretizar-se. Nessa hipótese, o governo teria que levar a CRT a um novo leilão. ?Foi um primeiro dia complicado?, disse Sá a DINHEIRO. Segundo ele, a intervenção é uma forma de o governo garantir os contratos em andamento e preservar a continuidade dos serviços prestados aos assinantes gaúchos. No ano passado a CRT ganhou prêmios de qualidade por prestação de serviços. Sá, que deixou a presidência da Telebrás para assumir a companhia gaúcha, disse ainda que o seu trabalho na CRT vai servir de modelo para outras possíveis intervenções do governo em empresas privatizadas. E mais: um possível acordo entre TBS e Brasil Telecom não exclui a retomada da concessão.

Sem acordo. A novela da venda das ações da CRT ? que tem 1,6 milhão de assinantes e faturamento de R$ 1,47 bilhão ? teve início em junho de 1998, quando o consórcio Tele Brasil Sul (TBS) comprou o controle acionário da operadora gaúcha. Um mês depois, a Telefonica de España, controladora do TBS, adquiriu a Telesp. Como a lei não permite que uma mesma empresa detenha o controle de duas companhias de telefonia fixa, os espanhóis ficaram obrigados a vender sua participação na CRT em 18 meses. O prazo venceu em 4 de fevereiro. Não houve acordo com a Brasil Telecom, única interessada na compra. A Anatel, então, afastou a Telefonica do comando da CRT e nomeou a Brasil Telecom administradora temporária da empresa, concedendo mais 45 dias para que as duas partes chegassem a um acordo. Cinco dias antes do prazo final estipulado pelo governo, segunda-feira 19, começaram a chegar ao público detalhes da briga travada nos bastidores entre os acionistas da Brasil Telecom ? o banco Opportunity e a Telecom Itália. Reuniões tensas e cartas trocadas entre os executivos davam o tom de como foram conduzidas as negociações entre os sócios da Brasil Telecom e a Telefonica. As cartas contendo as acusações entre o presidente do conselho de administração da Brasil Telecom, Modesto Carvalhosa e o representante da Telecom Italia no Brasil, Carmelo Furci, acabaram agravando a crise.

A disputa entre as partes girou – e gira – em torno do valor a ser pago pelo controle da operadora gaúcha. A Telefonica não aceita um valor inferior a US$ 850 milhões, mesmo estando obrigada a vender a sua participação. Essa cifra chegou a ser negociada diretamente com a Telecom Italia, mas acabou servindo de munição para que o conselho de administração da Brasil Telecom e o Opportunity melassem o acordo. Eles não concordam em pagar acima do teto de US$ 750 milhões, estipulado em uma reunião do conselho. Indignada, a diretoria da Telecom Italia responsabilizou o Opportunity pelo fracasso das negociações. ?Tal comportamento comprometeu a aquisição da CRT e colocou em sério risco a conclusão da compra de uma empresa estratégica para o futuro da Brasil Telecom?, dizia o comunicado da Telecom Italia, distribuído na quarta-feira 20. Do outro lado, os sócios acusavam os italianos de montarem uma estratégia para descapitalizar a empresa e pressionar o Opportunity a vender sua participação na sociedade. No meio do fogo cruzado, o presidente da Telefonica do Brasil, Fernando Xavier, alegava que o valor de US$ 850 milhões era bem inferior ao US$ 1,09 bilhão da avaliação feita por uma consultoria independente. ?Ficamos surpresos ao receber a proposta de US$ 730 milhões momentos antes de esgotar o prazo dado pela Anatel?, reclamou Xavier. ?Continuaremos negociando. Vamos perseguir a quantia de US$ 850 milhões. É um valor justo.? No caso do governo decidir pela cassação da licença, os acionistas serão ressarcidos pelo valor patrimonial da CRT, avaliado em US$ 1,4 bilhão.