Quando apresentou ao mundo “a mão invisível do mercado”, o britânico Adam Smith (1723-1790) até considerou que o comportamento da atividade econômica teria senões diante de situações anormais – como é o caso de uma pandemia que paralisa empresas dos mais variados portes e segmentos, além de corroer a renda dos trabalhadores, sejam empregados ou autônomos. Mas por dois séculos e meio sua frase é usada como mantra do liberalismo sem nuances. Mesmo o pai da economia moderna, que ajudou a entender como o mercado se autorregula em condições normais, permitia refletir sobre prescrever os remédios para curá-lo caso adoeça.

Com o receio sobre o futuro da economia diante da Covid-19 e os rumos do Brasil, o que a mão invisível fez foi empurrar o paciente para a UTI. Os investimentos privados recuaram 32,8% no mês de abril, na comparação interanual. É o menor patamar em quase seis décadas. Com os investimentos congelados, postergados ou adiados, o crescimento da atividade econômica só poderá se dar de duas formas. A primeira é o aumento exponencial de pessoas físicas investindo em ações das companhias de capital aberto (ou seja, a atuação direta do mercado). A segunda é o socorro do Estado, que depende da vontade de quem comanda a economia.

A corrida à bolsa até tem ocorrido. Só que não de forma a suprir a falta de recursos públicos exigidos por uma economia complexa como a brasileira. Haverá dinheiro para que a atividade econômica sobreviva? Por enquanto, é difícil saber. Desde que a pandemia começou, os recursos estão se esvaindo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta queda de 27,5% no Indicador Mensal de Formação Bruta de Capital Fixo na comparação com março. Os números são um importante termômetro para mensurar os investimentos no aumento da capacidade produtiva na reposição do estoque de capital fixo.

Para Carlos Mudich, presidente da construtora Idea, focada em empreendimentos residenciais em Minas Gerais, não é momento de investir porque não há um lado bom da situação. “O dólar inviabiliza importações, a atividade interna impossibilita alta na demanda e o cenário externo dificulta planos de internacionalização”, afirma. Mudich não está sozinho. Quando avaliado o indicador do Ipea por categoria, a construção civil apresentou encolhimento de 25,1% nos investimentos de abril. Segundo estimativa da FGV/Ibre, caso a economia recue 5,4%, o PIB da construção deve cair 11%, ampliando as dificuldades de investimento também para 2021. Segundo Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV/Ibre, o setor vinha se recuperando da queda de 30% entre 2014 e 2018. “Com a pandemia, porém, houve paralisação tanto pelo lado da oferta quanto da demanda”, diz.

COMÉRCIO Queda de receita no setor entre metade de março e começo de maio foi de R$ 125 bilhões. (Crédito:Anderson Lira)

Não é só na construção que o capital do empresário parece estar longe dos investimentos. No setor de serviços a situação é parecida. O ambiente interno e externo afugenta entrada de dinheiro novo. Para o presidente da Confederação Nacional de Serviços (CNS), Luigi Nese, há pouca disponibilidade no momento. “O quadro econômico mundial de crise, agravado pela situação política e institucional do Brasil, deve provocar uma redução drástica do ingresso de capitais estrangeiros”, afirma.

Além disso, parte das despesas compensatórias anunciadas pelo governo não são fiscais. Segundo Nese, o que se pretende é usar novamente os recursos do FGTS para cotistas e fluxos do BNDES para expandir o crédito de curto prazo para capital de giro das empresas. Embora funcionais no curto prazo, tais medidas terão efeito negativo sobre a taxa de poupança doméstica. “Esses fatores indicam queda do investimento ao longo de 2020, fenômeno que deve se estender em 2021.” Diante desse cenário, uma solução seria reduzir a carga tributária, fator que abriria espaço no caixa das empresas para que houvesse mais condição de investir. Para o presidente da CNS, uma discussão ampla e profunda se faz necessária para que situação fiscal não se torne insustentável – tanto para o setor privado quanto para o público.

A situação é similar para os empresários do comércio. Ainda que as grandes empresas focadas em e-commerce consigam sustentar algum tipo de investimento em tecnologia, as pequenas, médias e grandes do varejo tradicional amargam perdas e não pensam em investimento nem no médio prazo. Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC), entre os dias 15 de março e 2 de maio as perdas acumuladas do setor somavam quase R$ 125 bilhões. Para Magda Lisboa, a especialista em varejo e professora da Universidade Federal de São Paulo, com o Dia dos Namorados a tendência é que essa queda se acentue. A projeção da CNC é que os lojistas faturem 43% menos no dia 12 de junho deste ano na comparação com 2019. As consequências da crise irão além da falta de investimento. A falta de capital irá fechar vagas em massa no setor. A previsão de Fábio Bentes, economista-chefe da CNC, é que algo em torno de 2,4 milhões de postos de trabalho sejam eliminados em apenas três meses. Apesar dessa previsão, ele afira que “o ritmo da queda no faturamento do varejo pode estar mostrando menor intensidade”.

“Em torno de 2,4 milhões de postos de trabalho [no comércio] devem ser eliminados em três meses.” Fábio Bentes, economista-chefe da CNC. (Crédito:Divulgação)
Na segunda semana após o início da pandemia, as perdas no setor atingiram R$ 23,03 bilhões. Na última semana pesquisada pela CNC (ou seja, até 2 de maio), o prejuízo diminuiu para R$ 18,04 bilhões. A explicação de Bentes é a agilidade com que o varejo de adaptou a novas condições de vendas. “Foram estratégias de e-commerce, m-commerce, vendas por aplicativos de redes sociais, serviços de delivery e drive-thru, tudo contribuiu para frear as perdas”, diz.

Menos produtividade Outros indicadores que apontam para a falta de capacidade de investimento foram compilados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em abril, os industriais relataram perdas de 3,3% do faturamento, queda de 19,4% nas horas trabalhadas na produção e redução de 2,3% no número de empregados. Os números se referem à comparação com março, quando os três índices já haviam registrado queda. O resultado, segundo o gerente-executivo de Economia da CNI, Renato da Fonseca, foi o menor patamar de faturamento, horas trabalhadas e capacidade instalada ociosa desde o início do indicador, em 2010. O emprego industrial foi o menor desde 2004. “Abril foi o pico da crise, pois tivemos medidas de isolamento social na maioria das grandes cidades durante todo o mês. Nossa expectativa é que a economia comece a retomar ainda em junho”, afirma. O emprego industrial e a massa salarial também caíram em abril. “Para uma retomada consistente é preciso que o país volte à agenda das reformas com vistas à eliminação do custo Brasil, ou seja para o aumento da competitividade.”

Diretor de novos negócios da indústria de autopeças Mirar, Antonio Hugger conta que a atividade na região da Grande São Paulo, onde atua, estava praticamente parada nos últimos dois meses. “Nosso faturamento chegou perto de zero em maio com 90% dos trabalhadores em lay off”, afirma. Para junho a expectativa melhorou um pouco em função de um novo contrato. “Conseguimos com duas secretarias municipais de saúde um contrato para produção de peças para ambulância, com isso consegui tirar 30% dos trabalhadores da suspensão do contrato.” Não há, no entanto, qualquer estimativa de investimento com capital próprio. “Só investiria se houvesse algum incentivo do governo.”

Uma cartilha para obter crédito

Marcio Fernandes

Se investir parece não estar nos planos de médias e grandes empresas, para os empresários de menor porte é algo totalmente fora da realidade. Além do esforço para fechar o caixa e honrar com os custos fixos, não são poucos os que precisarão de ajuda com empréstimos para manter (ou retomar) a atividade. Para tentar auxiliar os pequenos nessa jornada, a CNI lançou no início de junho uma cartilha com dicas para empresários que precisam buscar opções de crédito por meio do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), do Fundo Geral do Turismo (Fungetur) e de outras linhas de crédito oferecidas durante a pandemia da Covid-19.

Segundo o diretor de Desenvolvimento Industrial da CNI, Carlos Abijaodi, a obtenção de crédito nesse momento é crucial para os pequenos empresários, e a ajuda sobre como utilizar esses processos também. Com relação aos quase R$ 16 bilhões liberados pelo Pronampe, o executivo diz que o recurso poderá ser usado como investimentos e capital de giro, com um prazo de pagamento de 36 meses.

Segundo estatísticas da própria CNI, o cenário é desolador para grande parte dessas empresas. Em abril, o indicador que mede o nível de atividade do setor ficou em 27 pontos, em uma escala que vai de 0 a 100 e tem a média histórica de 43. O maior tombo ficou com a indústria de transformação, com queda de 4,8%. “A confiança reduzida se baseia na forte queda da demanda e incerteza causadas pela pandemia e contribui para a paralisação dos investimentos e morosidade na recuperação da atividade econômica”, informa a nota técnica da CNI.