A maior empresa de varejo eletrônico do mundo, a Amazon, executou uma manobra surpreendente no Brasil na última semana: anunciou que vai, enfim, mergulhar de ponta no mercado brasileiro, com a venda direta ao consumidor brasileiro. Serão milhares de produtos, em 12 categorias. “Vamos partir para o ataque e colocar a Amazon em um espaço digno de seu tamanho no e-commerce brasileiro”, afirmou Daniel Mazini, diretor de varejo da Amazon Brasil. O anúncio não chamou a atenção apenas pelo potencial de expansão no País, mas pelo tímido histórico da companhia em território nacional. No início da década, a Amazon gerou turbulências no mercado brasileiro ao anunciar seu desembarque no País.

A inovação da concorrente criado em 2014, o Luiza Labs é o centro de inovação e tecnologia da Magazine Luiza, que pretende avançar em sua participação no e-commerce

Mas sua chegada, no entanto, causou mais especulação do que acirramento da concorrência. Quem esperava uma revolução nos hábitos de compra, como ocorreu nos Estados Unidos, se frustrou. A gigante fundada por Jeff Bezos, em 1994, parecia se contentar com a venda no Brasil de livros digitais em português, que vieram acompanhados do lançamento do leitor eletrônico Kindle. Em 2014, a Amazon deu um passo maior, com a venda direta de livros impressos. Ainda um movimento cauteloso. “Naquela época, nós tínhamos só um tipo de experiência com varejo. Não estávamos felizes. Queríamos mais”, diz Mazini. Por isso, a empresa decidiu se movimentar em 2017. Uma importante ação para mudar esse quadro foi a ampliação de seu sortimento, com produtos de diversas categorias por meio do modelo conhecido como marketplace, uma espécie de shopping virtual em que terceiros usam o site como vitrine para as ofertas. Parecia questão de tempo para que a companhia começasse a disputar, em pé de igualdade, o comércio online no País. O que agora, ao que tudo indica, começará a acontecer.

Em seu movimento mais ousado no mercado brasileiro, a varejista inaugurou um centro de distribuição com 47 mil metros quadrados em Cajamar, região metropolitana de São Paulo. Equivalente a uma área de 10 campos de futebol, é o maior empreendimento próprio da Amazon na América do Sul. Os valores dos investimentos, por razões estratégicas, não foram revelados. “Com esse novo CD, nós conseguimos ir além da venda direta de livros, expandindo para outras 11 novas categorias no varejo, com produtos vendidos e enviados pela Amazon”, diz Mazini. “Trouxemos mais quatro categorias que não estavam disponíveis no marketplace antes”, completa, referindo-se ao incremento de catálogo, que agora também oferece artigos para bebê, limpeza, beleza e brinquedos. Ao todo, foram adicionados 120 mil itens ao estoque da companhia, que já contava com 200 mil livros — a Amazon utilizava um centro de distribuição terceirizado, em Barueri (SP), para estocar os itens literários. “O novo CD é um diferencial importante para que a empresa consiga competir com outros varejistas já estabelecidos no mercado brasileiro e aumentar o seu reconhecimento em relação aos consumidores locais”, diz Ricardo Sfeir, analista da consultoria Euromonitor International.

Apesar dos avanços vagarosos, todas essas etapas foram importantes para que a Amazon entendesse as complexidades logísticas e tributárias do Brasil, conseguindo ajustar pouco a pouco a oferta para seu consumidor. “Estar no Brasil com a venda de livros físicos nos ajudou muito a entender a questão logística. O País tem muitas complexidades, como barreiras comerciais entre os estados. Isso deu um know-how grande para o nosso time de operações de transportes”, diz Mazini.

Um relatório do BTG Pactual, divulgado em agosto passado, mostra que a inauguração do complexo em Cajamar demorou mais do que o imaginado. Naquela época, esperava-se que a empresa anunciasse o início das operações no CD já em setembro. “Esperamos que essas novidades tragam volatilidade para o mercado de e-commerce no País. No entanto, alertamos aos investidores que a Amazon irá competir com players bem posicionados no mercado, como Magazine Luiza e B2W”, disse Fábio Monteiro, analista do BTG Pactual. Ele estima que o faturamento da Amazon no País tenha sido de R$ 600 milhões em 2018.

Ricardo Sfeir, Euromonitor: “O novo CD é um diferencial importante para que a empresa consiga competir com outros varejistas já estabelecidos no mercado brasileiro e aumentar o seu reconhecimento em relação aos consumidores”

O consumidor brasileiro gosta de praticidade e descontos e a Amazon já entendeu isso. Na virada do ano, a empresa decidiu começar a oferecer a opção de pagamento por meio de boleto bancário registrado, com prazo de um dia útil para que seja efetuada a transação. Agora, junto com o anúncio do novo CD, a Amazon resolveu implementar também a opção de frete grátis em compras a partir de R$ 149 para todo o seu catálogo de produtos — para livros e jogos de videogame, a gratuidade para a entrega já existia e está mantida para compras acima de R$ 99. Mas esse movimento é considerado perigoso, se levado em consideração os custos logísticos e as margens normalmente já apertadas para quem trabalha com e-commerce. A prática era comum no final da década passada . Hoje, quase nenhuma das grandes bandeiras do varejo online oferece frete gratuito. O Mercado Livre chegou à gratuidade da entrega para compras a partir de R$ 120 em 2017, mas a prática durou poucos meses. Os elevados custos dos Correios acabaram sendo um impeditivo. “É muito difícil uma operação ser rentável no Brasil sem cobrar frete. A empresa vai queimar bastante dinheiro”, diz Maria Paula Cantusio, analista do BB Investimentos.

Hoje, quase todas as grandes redes do varejo estão trabalhando com o “click and collect”, (ou clique e retire), a modalidade de compra online com retirada dos produtos nas lojas físicas. Os analistas alertam que a Amazon, mesmo com os avanços, ainda será muito preterida por clientes brasileiros que preferem esse tipo de oferta. Uma alternativa para avançar com o braço offline seria comprar a operação física da Via Varejo, dona das redes Casas Bahia e Ponto Frio, que foi colocada à venda pelo grupo varejista francês Casino. No fim de 2018, o Grupo Pão de Açúcar (GPA), acionista majoritário da operação, vendeu 5% de participação na empresa – hoje, está com 39%.

A Amazon tem mostrado cada vez mais interesse de ir para o varejo físico nos Estados Unidos. No Brasil, falta um braço físico para que ela avance no conceito de omnichannel. Mas não só isso. “Falta um braço logístico e, para todas as empresas de e-commerce, seria importante também investir em meios de pagamentos, como o Mercado Pago, do Mercado Livre”, diz Pedro Guasti, presidente do conselho de comércio eletrônico da FecomercioSP.

O supermercado do futuro após operar em modelo de testes durante um ano, a empresa de Jeff Bezos lançou o Amazon Go, em Seattle, nos EUA, um supermercado sem atendentes e operadores de caixa

ESTRAGOS NA BOLSA Não demorou muito para que os planos de expansão da Amazon no País gerassem danos às ações de suas concorrentes listadas na bolsa. Ainda antes do anúncio oficial, na segunda-feira 21, os papéis ordinários de Magazine Luiza e B2W recuaram 3,26% e 4,13%, respectivamente – a Via Varejo também apresentou queda no pregão: 1,64%. Entre os dias 17 e 23 de janeiro, as perdas foram ainda mais expressivas, ao passo que os papéis da Magazine Luiza caíram 4,98% e os da B2W recuaram 7,77% – nesse mesmo período, a Bovespa subiu 1,67%. Apesar disso, tudo indica que não há motivos para grandes preocupações. “Foi uma reação exagerada. É óbvio que a Amazon é uma concorrente de peso, mas ainda não está vendendo itens de linha branca, não tem uma malha logística montada e ainda tem a questão tributária, que pesa bastante para entrantes no mercado brasileiro”, diz Maria Paula. “A pressão inicial já passou e continuamos com indicações de compra para os dois papéis.”

A empresa não abre como serão seus próximos passos no País. Imaginava-se que ela já anunciasse, junto com o CD, o sistema “Fulfillment by Amazon”, que permite aos vendedores terceiros do marketplace estocarem produtos diretamente nos centros de distribuição da Amazon, que se torna responsável pela logística e pela entrega dos itens. Outra novidade muito esperada pelo mercado é o programa de fidelidade Amazon Prime. Por meio dele, a empresa garante o envio das mercadorias gratuitamente, com entrega em até dois dias. “Não se sabe se a Amazon vai expandir rapidamente ou demorar mais um ano, mas certamente essas inovações acontecerão”, diz Guasti. Resta esperar para saber quando virão as novas empreitadas. Se levarmos em consideração o ritmo de inovação da empresa a nível mundial, logo teremos novidades.