Miguel Abuhab, presidente do conselho da Neogrid, empresa que desenvolve soluções com inteligência artificial para sincronizar cadeias de suprimentos de indústrias, varejistas e distribuidores, é o convidado do novo episódio do MoneyPlay Podcast, programa voltado para o mundo das finanças, apresentado pelo educador financeiro Fabrício Duarte. 

Formado em Engenharia Mecânica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Miguel criou duas empresas do zero – a Datasul, que desenvolvia soluções integradas de softwares de gestão empresarial (ERP) e que foi vendida à Totvs, e a Neogrid – e levou ambas para a bolsa de valores. 

No programa, ele conta como foi empreender no mercado de tecnologia e as dificuldades de fazer o IPO (Oferta Inicial de Ações, em português), a primeira aos 55 anos e a segunda aos 75 anos.

>>> Assista aqui o vídeo na íntegra.

Abuhab é brasileiro, o oitavo filho de um casal formado por um pai israelense e uma mãe turca. Seu irmão mais velho se formou no ITA e foi um exemplo para a carreira que escolheria.

Na faculdade, descobriu habilidades na área de produção que lhe renderam uma vaga na empresa de um dos professores. Como a companhia mandava mala direta (correspondência voltada para ações de marketing para os clientes), uma foi parar na Consul e rendeu um projeto de planejamento produtivo e, na sequência, um novo emprego.

+ Acho o Índice Bovespa muito ruim

+ Não compramos o que todo mundo compra, mas buscamos ativos fora do radar

+ As pessoas são seduzidas para virar trader, caminho não vencedor na maioria dos casos

+ O legal do trade é a liberdade de poder fazer de qualquer lugar

Controle de produção

Na Consul, ele pediu a compra do primeiro computador. O ano era 1972 e o equipamento não passava de uma máquina eletromecânica que perfurava notas fiscais que seriam lidas por um bureau da IBM. “Dá até vergonha de falar, mas ele tinha quatro discos e um total de 10 megabytes. Hoje, é o tamanho de uma fotografia”, relembra.

Naquela época, os computadores já vinham com softwares, então Abuhab estudou a programação, conceito que poucas pessoas no país sabiam utilizar. “Embora fossem máquinas muito limitadas,  eu conseguia fazer alguma coisa de valor para a empresa.”

Depois de algum tempo, ele percebeu que poderia implementar esse sistema em outras empresas. Estava na hora de empreender. 

“Saí da organização e a única coisa que tinha era experiência em sistemas de controle de produção por computador”, conta. Mas Abuhab teve ajuda de um ex-patrão, o antigo proprietário da Whirlpool, que o recomendou a outras empresas da região. 

Nasce a Datasul

No primeiro cliente, a WEG, queriam montar uma equipe própria. “Falei que tudo bem, que ia contratar equipe e treinar, mas o que o time desenvolvesse sob minha orientação seria propriedade intelectual minha e eu poderia vender para terceiros.”

Uma outra empresa menor ia comprar um computador e teria horas ociosas do equipamento, por isso, não queriam equipe. Abuhab fez um acordo para eles rodarem serviços de terceiros nas horas ociosas do computador. “Quando arrumei o terceiro cliente, já tinha o programa e o computador”, conta. “Depois veio o quarto cliente e assim surgiu a Datasul em 1978.” 

Entre o pessoal contratado pela empresa recém-criada e os da franquia, havia 4.000 pessoas. O empreendedor conta que foi uma grande mudança no processo, pois antes existiam os bureaus de processamento de dados – o que hoje a gente chama de SaaS (Software as a Service, em inglês, ou software como serviço, em português).

Até então, as empresas mandavam seus serviços para rodar em um bureau de processamento de dados porque as máquinas eram muito caras. “A tecnologia cliente-servidor foi uma uma mudança muito grande porque a máquina ficou barata e as empresas podiam comprar a sua”, explica. 

Novo mercado

Mas, agora, as máquinas já não vinham com o software, então surgiu a venda de licença de uso de programas para esses equipamentos. “Vi que havia uma reserva de mercado, pois não se podia mais importar os computadores e existiam apenas cinco fabricantes nacionais”, diz. “A tecnologia só faz sentido quando ela vem mudar uma regra de negócio”, aponta Abuhab. 

O empresário visitou feiras no exterior procurando tecnologias e encontrou uma ferramenta com uma linguagem de quarta geração e um banco de dados. Foi até Boston, nos Estados Unidos, onde era a sede da empresa e negociou a compra dos programas. “Eles disseram que não tinham planos para o Brasil, mas dariam suporte dos Estados Unidos.”

Em contrapartida, o engenheiro pediu ajuda para conseguir rodar o programa deles nos computadores brasileiros. Como resposta, disseram para mandar uma máquina para os EUA, pagar US$ 50 mil e assumir uma cota de venda de US$ 1 milhão por ano para ser distribuidor no Brasil.

Uma empresa parceira no Brasil topou mandar a máquina e pagar o valor exigido. Como a Datasul já tinha 40 clientes, Abuhab conseguiu o compromisso de que, após desenvolver o programa, todos o comprariam, viabilizando a cota anual também exigida. “No primeiro ano que lancei esse sistema, em 1989, dobrei a base instalada que eu havia construído em dez anos.”

Primeiro IPO

Em 2006, ele lançaria a Datasul na bolsa de valores. “A maior dificuldade para fazer um IPO é a governança: ter os números claros, contratações corretas, não ter processos na justiça, pagar impostos”, explica. “E, felizmente, desde o nosso princípio sempre tivemos tudo muito dentro da legislação.”

O executivo afirma que não teve dificuldades no processo, talvez apenas uma, por conta do tamanho da companhia. “Existia um certo volume de faturamento – não era uma empresa muito pequena, mas você precisa ter o volume suficiente na bolsa para poder negociar o papel”, justifica. 

Ele acredita que, por mais que a empresa faça planos, o IPO depende muito mais do momento. “O plano deve ser: preciso estar pronto, ter todas as regras de governança, ter conselho e transparência”, orienta. “E, depois, aproveitar o momento certo. Na época, a taxa de juros caiu bastante, houve um aquecimento e decidimos ir para o mercado em questão de três meses.”

Segunda empresa, segundo IPO

Em 1999, Abuhab criou a Neogrid, um negócio disruptivo que ainda hoje não tem concorrentes nacionais diretos. Sua tecnologia compartilha dados de estoques e vendas de empresas de varejo com empresas de manufatura que se organizam para repor no ritmo do consumo pelo uso de inteligência artificial e algoritmos. 

“O que a Neogrid fez foi conversar com a rede de varejo e colocar o conceito de que, enquanto o consumidor final não comprar, ninguém vendeu”, explica Abuhab. “A rede de varejo é ‘amiguinha’ da manufatura, da indústria e do fabricante – um canal para escoar o produto dele.” 

Em dezembro de 2020, Abuhab voltou à B3 para realizar o seu segundo IPO, o da Neogrid, aos 75 anos. Um feito raro não só no Brasil. O segredo do sucesso? Nas palavras de Miguel Abuhab: “primeiro, precisamos atender uma necessidade significativa de um cliente ou de um mercado suficientemente grande, sem que nenhum concorrente esteja operando ou venha a operar em um curto espaço de tempo”. 

A maior dificuldade desse processo, segundo o empreendedor, é identificar a vantagem competitiva. “Qual é a necessidade desse mercado suficientemente grande? Depois que descobrir, é jogar todo o foco em atender esta necessidade”, acrescenta.  

Além da Neogrid, Abuhab investe em outros tipos de ativos, como em uma empresa de agronegócio, também na Camerite, que faz monitoramento na nuvem com uma rede neural com 30 mil câmeras interligadas, além da Exepron, uma  empresa de software para gestão de projetos que usa os conceitos da Teoria das Restrições. O senhor simpático de 76 anos e que ama tecnologia não para.

“A tecnologia avança cada vez mais rapidamente. Os processos de comunicação e o número de cientistas pensando em inovações só crescem, então elas só aceleram”, justifica. E o que Abuhab aposta para o futuro? “Acho que a grande mudança agora é o blockchain, uma grande revolução tecnológica na mesma proporção do que vivemos lá no passado.”

>>> Confira aqui todos os episódios do programa.