Antes de começar, será necessário um disclaimer: não tente entender a história do Alibaba como tendo alguma lógica empresarial. Neste momento, basta saber que o grupo nascido em Hangzhou – cidade de 6,2 milhões de habitantes a 180km de Xangai – já foi muito próximo e igualmente muito inimigo do governo central do país, assim como foi muito próximo e muito inimigo de Yahoo e Softbank, dois parceiros estratégicos. Esse passado de dubiedades acaba parecendo menor quando se sabe que na semana passada as ações da companhia, negociadas sob o código BABA, estavam acima de US$ 204, bem perto da máxima histórica de US$ 208 (junho de 2018). Com isso, o valor de mercado do Alibaba chegou aos US$ 550 bilhões, mais que Tencent ou Xiaomi, para citar apenas duas conterrâneas de capital aberto. Número raro para uma empresa que nasceu há 20 anos e fez seu IPO (oferta inicial de ações) há apenas cinco. De lá para cá a valorização chegou a 120%.

“Hoje será brutal. amanhã será mais brutal ainda. mas depois de amanhã será um dia bonito. O problema, porém, é que a maioria das pessoas estará morta amanhã à noite” Jack Ma, fundador do Alibaba Group (Crédito:Philippe LOPEZ / AFP)

Para narrar a trajetória da empresa, o investidor e consultor Duncan Clark escreveu Alibaba – The House That Jack Ma Built (recém-lançado no Brasil como Alibaba, Gigante do Comércio Eletrônico, tradução de Eduardo Rieche, Editora Best Business). O autor tem conhecimento de causa. Era consultor do grupo em seus primórdios, a partir de 1999. Em 2000, como parte de seus vencimentos de consultoria, recebeu um pacote de ações a US$ 0,30 com a obrigação de fazer a opção de compra até o começo de 2003. Ele não quis. “Isso se converteu em um engano de US$ 30 milhões”, diz Clark, ao calcular quanto teria em setembro de 2014, durante o IPO que se tornou recorde, só superado agora com a saudita Aramco. Em dinheiro de hoje, Clark teria US$ 66 milhões.

Sua catarse foi mergulhar na história da companhia. E de Jack Ma, o fundador, mentor, líder, acionista, chairman e presidente, até setembro, quando deixou o cargo, do Alibaba Group. Um cara de 1,50m e cabeça de tamanho desproporcional que decidiu ser gigante na internet. A vida corporativa de Jack mistura filosofia pessoal e cultura organizacional para conduzir os negócios como se fosse uma missão – não à toa seu empresário ídolo é Jack Welch, o cara que revolucionou a GE. O Jack chinês nasceu dia 10 de setembro de 1964. Seu pai era fotógrafo e a mãe trabalhava na linha de produção de uma fábrica. Falhou ao tentar vaga em boas universidades. Falhou ao abrir suas duas primeiras empresas – uma de ensino de idiomas e outra de internet. Falhou até mesmo ao buscar emprego na rede de fast food KFC. De 24 candidatos foi o único não aprovado.

Os perrengues o calejaram e fizeram Jack ser centrado e não se distanciar de seus valores, assim como a de erguer uma narrativa para o Alibaba que pode ser resumida em três trindades. A primeira é provavelmente a mais assustadora em qualquer curso básico de administração e negócios: “[O sucesso aconteceu porque…] não tínhamos dinheiro, não tínhamos tecnologia e não tínhamos planejamento”, diz Jack Ma como um mantra dos primeiros tempos da empresa. A segunda trindade é o melhor business plan que um conglomerado pode desejar: “Os consumidores em primeiro lugar, os colaboradores em segundo e os acionistas em terceiro.” Ninguém esquece uma ordem dessas. Por fim, a trindade em que o império se fundamenta: e-commerce, logística (de entregas) e sistema de pagamentos (com a Alipay).

resiliência Como em qualquer história de sucesso ela não se conta pelo final feliz – na última semana de novembro a empresa fez a abertura de capital em Hong Kong, alcançando o valor recorde na bolsa local este ano, de US$ 11,2 bilhões –, mas com muita resiliência. Em especial para não ter atritos mais graves com o governo de seu país. A isso ele aliou um profundo conhecimento da cultura local. O mercado varejista chinês é altamente fragmentado e ineficiente, no qual grandes redes respondem por apenas um dígito das vendas. Entender dessa dinâmica fez o Alibaba começar a operar como B2B e conectar empresas da China e ajudá-las, inclusive, a negociar no exterior.

Do grupo nasceram o Taobao (C2C) e o Tmall (B2C). Nenhum desses gigantes foi exatamente pioneiro. O que os diferenciava era atrair massas de usuários – deixá-los satisfeitos – para depois trazer o dinheiro. Com os maiores volumes de pessoas navegando por seus territórios Jack Ma organizou uma inédita estrutura de distribuição terceirizada e investiu fortemente na análise de todos os dados gerados. E assim tornou o Alibaba o maior cérebro dos hábitos de consumo on-line da China – com seus 840 milhões de internautas. Tamanha concentração de dados fez a empresa lançar o sistema de pagamentos Alipay, praticamente uma moeda local.

Uma estratégia dessas – criar um mar de consumidores e depois rentabilizar – pede recursos parrudos, que Jack Ma obteve de Goldman Sachs, num primeiro momento, e Yahoo e Softbank (Japão), depois. No intrincado mundo dos negócios, ironias são comuns. A desta vez é que a participação do fundo japonês no Alibaba, de 26% (US$ 130 bilhões), é maior que o próprio valor de mercado do Softbank (US$ 82 bilhões). A KFC perdeu um funcionário. Mas a internet ganhou um de seus grandes.
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