Pelo dicionário de Oxford, define-se como charlatão aquele que diz possuir soluções milagrosas para resolver problemas reais. Geralmente atrelado à cura de doenças (um caso recente no Brasil é a CPI do Senado pensar em enquadrar o presidente Jair Bolsonaro por charlatanismo por defender o uso da cloroquina como cura da Covid). O charlatão pode ter várias áreas atuação, desde que cumpra a premissa de antever saídas que envolvem pouca, ou nenhuma, base científica. No caso do ministro da Economia, Paulo Guedes, a cura milagrosa é da economia e envolve números. Especificamente o déficit primário do governo federal, que deve fechar 2021 em torno de R$ 190 bilhões, mas pode, segundo o ministro, chegar perto de zero ano que vem. Sem sustentação na realidade da economia brasileira, ou argumentos matemáticos para explicar a projeção, até mesmo membros da equipe econômica e do Tesouro Nacional não acreditam ser possível cumprir a profecia.

E os motivos para não zerar o déficit são muitos, sendo a pandemia um dos mais evidentes, já que é possível que nos próximos meses seja necessário reforçar a imunização na população, o que exigiria novos gastos. Também não há indícios de que o governo conseguirá, em ano eleitoral, diminuir as despesas. “Além disso, nenhuma das reformas aprovadas por este governo criaram um ambiente de redução de custos no curto prazo, para ajudar agora”, afirmou José Helio Arantes, economista e ex-secretário adjunto do extinto Ministério da Fazenda no governo Michel Temer. Na avaliação dele, Bolsonaro gastou muita energia (e capital político) com pauta de costume e religião e brigas com os outros Poderes, deixando à austeridade fiscal de lado “Mesmo que não houvesse pandemia, o déficit em 2020 seria de ao menos R$ 180 bilhões, muito acima do previsto na campanha eleitoral”, disse, fazendo menção a uma pesquisa da FGV.

DE OLHO NA ELEIÇÃO Campanha de Bolsonaro para ganhar a corrida eleitoral de 2022 não condiz com os planos de austeridade necessários para zerar o déficit no próximo ano. (Crédito:Marcos Corrêa)

Pelas contas do ministro, a mágica para zerar o déficit seria o aumento da arrecadação em um processo de retomada em V. O problema dessa estimativa, segundo Maurício Costa, que foi analista de projeções macroeconômicas do Tesouro Nacional entre 2004 e 2014, é que essa alta não se sustentaria por 12 meses, inviabilizando os planos de Guedes. “Seria mais prudente estimular a economia com gastos assertivos e assim sustentar uma retomada mais morna, porém consistente”, disse. Para o economista, o déficit em si não é o problema. “Essa fixação de zerar é uma cortina de fumaça. Esse não é o problema do Brasil.” E dá o exemplo: “Se uma família recebe R$ 1 mil e tem contas de R$ 1.180 ela tem um problema que pode ser diluído com a redução das contas fixas e corte do supérfluo”, disse. “Mas se além das contas fixas há uma dívida com o banco que chega a R$ 980 mensalmente é evidente que o problema é a dívida de longo prazo”, afirmou, fazendo menção à dívida pública brasileira, que deve superar R$ 5 trilhões neste ano e bater 98% do PIB em 2022, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

PERTO DE ZERO Ao afirmar que “para o ano que vem o déficit chegará perto de zero”, Guedes apresenta a resolução de um problema que é importante, mas não tão crucial quanto desenvolver uma política econômica que permita ao País crescer mais que 0,3%, que foi média dos últimos dez anos. Também falta a aplicação de reformas sensatas, com comprometimento na redução de gastos já no curto prazo, muito diferente da Reforma do Imposto de Renda que de tão costurada perdeu força no Congresso e corre risco de ser engavetada. Depois de pular comissões e o trâmite natural de PL na Câmara, o texto carrega tantas incoerências que nem os deputados querem levar adiante.

E se Paulo Guedes afirma que em 2022 as despesas não vão superar as receitas com impostos e tributos, sua própria equipe pensa de outra forma. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o déficit primário está estimado em R$ 170,4 bilhões, ou 1,9% do PIB. Se a economia crescer mais que 2,5% em 2022, pode chegar a R$ 100 bilhões. O que não é um resultado ruim, mas está longe de ser mágico, ou perto de zero. Quem também tem projeções mais plausíveis é o Tesouro Nacional, que projeta superávit ao fim de 2023 ou 2024. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, é outro cauteloso. “Com o controle de despesas, novas previsões de receitas e de crescimento do PIB, a projeção foi antecipada para algum momento entre 2023 e 2024.” Para 2022, só com mágica.