No início do segundo capítulo do livro “Virando a própria mesa”, o empresário Ricardo Semler, na época aos 28 anos, dá uma ideia sobre a sua visão do universo corporativo: “O primeiro contato com o mundo dos negócios me deu um susto. Tudo era tão sério. Todo mundo se fantasiava de terno e gravata para convencer um ao outro de sua seriedade.” Passados 30 anos de seu lançamento, em 1998, o best seller continua sendo utilizado em cursos de gestão empresarial e Semler não abandonou seu estilo questionador das tradições e a paixão pela inovação. Aos 21 anos, ele recebeu a missão do pai, Antonio, de assumir a quase quebrada Semco, que atuava no mercado de construção naval.

Imediatamente, questionou a estrutura estática do modelo de negócios da empresa familiar e demitiu 60% dos principais executivos. Essa foi a primeira decisão para diversificar a atuação da companhia, criando núcleos de inteligência que encontraram 18 oportunidades de expansão. Nascia uma estrutura descentralizada e participativa que revolucionou o mundo corporativo. Em pouco tempo, muitas empresas queriam copiar a Semco. Agora, aos 59 anos, o desejo de Semler é replicar esse modelo, em larga escala, na educação. “O princípio que está na Lumiar não tem diferença nenhuma com o da Semco. É uma história só”, diz ele.

Escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como uma das 12 escolas mais inovadoras do mundo (a única no Brasil), a Lumiar foi criada por Semler em 2003 para experimentar uma nova metodologia de ensino, baseada na experiência, na vivência e em projetos. Antes do surgimento de escolas como Concept e Avenue, que se propõem a formar o cidadão do século XXI, a Lumiar já quebrava a barreira tradicional da sala de aula com mesa, carteira e quadro negro para crianças do ensino infantil e básico. A proposta flexível, participativa e multietária era incomum na educação, há 15 anos. Mas era exatamente uma réplica do modelo da Semco.

Semler sempre deixou claro que não queria uma empresa em que as pessoas perguntavam quanto vou ganhar, quem é meu chefe e qual reunião tenho de participar. Para mudar isso, ele criou um método de seleção de currículos aleatória, baseada na sensibilidade dos funcionários, sem a participação de um departamento de recursos humanos (que nunca existiu na Semco). Quem era aceito, deveria perambular pelo escritório, para mostrar as suas habilidades e áreas de interesse. Não haveria supervisor ou qualquer orientação específica. O importante era testar. Ao fim de cada mês, o funcionário precisava escrever de onde veio o salário daquele período. Após um ano, descobria-se se aquela pessoa se adequou à companhia.

Na Lumiar, acontece exatamente o mesmo: os alunos têm liberdade para decidir qual assunto será estudado. Mestres e tutores conduzem o desenvolvimento de um tema escolhido por eles, com base nas principais notícias do dia. Ao se falar de um tsunami, por exemplo, aborda-se assuntos como a geografia e a física. No fim do período, uma autoavaliação mostra se a criança entendeu o conteúdo. “Quando começamos, isso tudo era ficção científica, coisa de alternativos ou de desligados da realidade”, diz Semler. “Com o passar dos anos, o mundo foi chegando mais perto. Estávamos genericamente em outro lugar, mas que foi incluso agora na medida em que o mundo começou a olhar opções.”

Quadrado mágico: a Lumiar busca capturar a atenção dos alunos conforme os assuntos de interesse. Com a parceria com o grupo Anima, esse modelo vai ganhar escala e chegar à universidade (Crédito:Divulgação)

A oportunidade para transformar a educação está na parceria fechada, há dois anos, com o grupo Anima, mas que só agora começa a tomar forma. Em um primeiro momento, o desafio era unir os conceitos para que a escala não acabasse com os propósitos criados pela Lumiar. Nesse período, o número de alunos da escola de Semler cresceu de 120 para 540 crianças e as unidades chegaram a oito – sendo três escolas do setor público. Para os próximos dois anos, o plano é abrir 12 novas Lumiar, em cinco continentes. A China e a Finlândia, por exemplo, são destinos certos dessa expansão. Mas o principal objetivo da parceria no ensino básico é espalhar a metodologia nas escolas públicas.

Em vez de brigar para mudar a grade escolar, Semler propõe a inserção de um contraturno Lumiar. Após o período normal de aula, os alunos mergulhariam no sistema da escola-modelo, com toda a tecnologia disponível, sem custos. A primeira experiência em larga escala não deverá ser no Brasil. O Ministério da Educação da Índia deve anunciar, em breve, a adoção desse projeto em 650 escolas do país. “Alguns grupos têm uma plataforma de ensino, mas nós acreditamos na plataforma de aprendizagem”, diz Daniel Castanho, presidente e fundador do Grupo Anima. “Um dos nossos grandes propósitos da nossa maneira de ensinar é transformar a educação pública. Talvez essa seja uma das nossas maiores responsabilidades.”

Além da escola básica e pública, a metodologia de ensino da Lumiar será expandida para a universidade, que é o carro-chefe da Anima, onde ela atende mais de 100 mil alunos. Para 2019, três projetos estão em estudo. A abertura de uma universidade “lumiarizada” em Belo Horizonte e pilotos na Inglaterra e na Holanda. No segundo semestre deste ano, algumas disciplinas e cursos utilizarão o modelo, para que as devidas correções sejam feitas no ano que vem. Até aqui, as duas redes de ensino testaram um MBA com esse conceito. Foram sete grupos de sete pessoas, que tiveram liberdade para escolher o tema das aulas e para contratar professores para as aulas presenciais ou a distância.

A principal dúvida sobre o modelo da Lumiar é a adaptação ao aprendizado tradicional. Os alunos precisam cumprir a exigência do currículo brasileiro, do Ministério da Educação, e passar no vestibular. A primeira parte é cumprida com tecnologia. A escola desenvolveu 300 competências básicas e cerca de 5 mil itens, que mostram o nível de aprendizado. A cada dia, os profissionais da Lumiar vão dando baixa no que foi aprendido, conforme a avaliação dos mestres e tutores e a autoavaliação. O próprio sistema ajuda a identificar quais são os temas que estão sendo mais desenvolvidos e os que estão em atraso, o que direciona o aprendizado das aulas seguintes. O próximo passo era saber se os alunos teriam dificuldade em se adaptar às escolas comuns, no ensino médio.

A Lumiar fez um acompanhamento de perto e não registrou nenhum caso de reprovação ou dificuldade de interação. A quantidade de estudantes que entraram nos melhores cursos de engenharia ou de medicina é proporcional ao de outras escolas. “O grande desafio da educação é fazer com que as pessoas se tornem capazes de fazer as coisas que precisam, definir um projeto de vida e transformá-lo em realidade”, afirma Eduardo Chaves, ex-diretor da Faculdade de Educação da Unicamp. Semler, que conseguiu encantar nessa primera fase da Luminar, agora quer mostrar que esse método é a alternativa para a melhoria da educação gratuita.