Dois discos coloridos de merengue de amêndoas unidos por um recheio doce e cremoso. Mais do que carros-chefe da Ladurée, os macarons produzidos pela famosa maison parisiense estão hoje entre os embaixadores da alta confeitaria francesa mundo afora. Do Cazaquistão a Portugal, da Austrália aos Emirados Árabes Unidos, a especialidade é comercializada em 22 países e exposta em vitrines como joia. Em tempos considerados normais — fora de crises como a provocada pela pandemia global — o fascínio exercido por seu delicado item de luxo rende para a Ladurée um faturamento anual entre 110 e 120 milhões de euros. Mas, em 2020, esse número nem sequer chegou à metada. Diante do cenário pouco animador, o grupo francês Holder, proprietário da marca, anunciou na semana passada, em comunicado à imprensa, considerar um potencial parceiro estratégico. Uma posterior abertura do capital acionário da empresa nos próximos meses também estaria no horizonte.

A marca Ladurée nasceu em Paris em 1862, com a inauguração de uma padaria na rue Royale que, poucos anos depois, se converteria em confeitaria e salão de chá. Chegou ao século 21 presente em cinco continentes. Em 1993, a empresa foi adquirida pelo Holder Groupe, detentor de outro símbolo da gastronomia francesa, a rede de padarias premium Paul, e desde então viveu tempos tão coloridos quanto a decoração do interior de suas butiques.

Sob o comando da família Holder — detentora da 129ª maior fortuna da França, estimada em 700 milhões de euros — os macarons se transformaram em itens cobiçados em todo o planeta. Novos sabores são lançados em edições limitadas de acordo com a estação do ano, como nas coleções de moda.

TRADIÇÃO REPAGINADA No salão de chá em Beverly Hills, os classicos tons pastel ganham toques de ousadia. Um reflexo da releitura do cardápio, 100% vegano. (Crédito:Divulgação)

Ao longo das décadas, a marca soube se reinventar sem arriscar sua essência tradicional, aumentando gradativamente sua boa reputação global. Desenvolveu um vasto portfólio de produtos que se estendem a velas perfumadas, fragrâncias para casa e produtos para banho, chocolates premium, maquiagem, papelaria, chás e infusões. Simultaneamente, intensificou o trabalho em seus três laboratórios e industrializou a produção de macarons, abastecendo os 107 pontos de venda pelo mundo. O Brasil já foi um de seus mercados, mas as operações no País foram encerradas em março de 2016, após quatro anos do início das atividades. Na época, os altos custos com as importações foram apontados como os principais responsáveis pelo fim do negócio. Os macarons eram transportados para cá de avião, para garantir o frescor.

VEGANO E HEMP Ano passado, de olho nas tendências de consumo globais, a Ladurée tratou de lançar no mercado versões veganas de seus macarons e de outros doces. E ousou ainda mais ao converter 100% do cardápio de seu principal salão de chá em Beverly Hills, Los Angeles, em itens plant-based, em parceria com o chef Matthew Kenney, estrelado pelo Guia Michelin. Também nos Estados Unidos, a marca criou, com êxito, uma linha de macarons à base de chocolate branco e cânhamo — ou hemp, derivado da Cannabis sativa. Tudo servido em um cenário colorido com tons pastel que recria, em todas as lojas, a mesma atmosfera, quase etérea.

Devido à pandemia, as lojas de maior sucesso estão hoje no Oriente Médio e no Japão. Várias outras, em diferentes países, tiveram de suspender as atividades. Em solo francês não foi diferente. Os turistas estrangeiros, responsáveis por uma importante fatia da clientela, esvaziaram as butiques da marca em Paris. Na principal delas, a flagship da Champs-Elysées – que, sozinha, representa um terço das vendas da Ladurée na França –, as vendas agora se restringem a retiradas para viagem, sem direito a clientes no salão, sejam turistas, sejam executivos acostumados a utilizar o local para o teletrabalho durante a semana. A redução drástica de movimento se estendeu ao chamado varejo de viagem, com pontos estratégicos nos aeroportos, onde a marca está bem posicionada. E ainda que tenha sido ágil a reação às adversidades trazidas pela pandemia, com mudança de foco para as vendas no e-commerce cumprindo a entrega das compras em vários países da Europa em até 48 horas, a perda registrada em 2020 estaria estimada em quase 10 milhões de euros.

ALÉM DOS MACARONS As marcas do universo Ladurée destacam produtos como velas, perfumes, maquiagem e chás. (Crédito:Istock)

Ao confirmar o desejo de atravessar a crise formando parcerias estratégicas fora do círculo familiar, o CEO da Ladurée, David Holder, manifestou predileção pela sociedade com um grupo do ramo hoteleiro ou de luxo, sem contudo informar se uma possível aliança já foi definida. Além de sócio, de acordo com Holder, uma abertura de capital ajudaria a empresa a ir mais longe e mais rápido em um contexto agravado pela Covid-19, após anos marcados pelos ataques do movimento dos coletes amarelos e das greves. O que ele deseja é acelerar o desenvolvimento internacional da Ladurée, elevando a representação das vendas globais de um para dois terços, em um prazo de cinco anos. Outro plano é aumentar a presença da marca em território francês com franquias. Hoje a maison tem 41 lojas na França e 66 no exterior. Doce e lúdico, o universo da Ladurée está longe de ganhar sabor amargo.