O CEO da SulAmérica, em processo de união com a rede D'Or, afirma que o Brasil tem instrumentos eficazes para reduzir custos e ampliar o acesso à saúde suplementar.

O executivo Ricardo Bottas, CEO da SulAmérica, uma das maiores operadoras de saúde do País — atrás de Hapvida, Notredame Intermédica e Amil —, está perto de concluir o maior e mais importante negócio de sua carreira: a fusão com a rede D`Or. Se aprovada em assembleia de acionistas em 14 de abril, juntas as empresas formarão um colosso de R$ 50 bilhões de faturamento.

DINHEIRO — A SulAmérica já retornou à rotina pré-pandemia?
RICARDO BOTTAS — Internamente, o modelo de trabalho SulAmérica sempre foi híbrido. Sempre fizemos home office. Antes tínhamos um híbrido com concentração grande no escritório. Agora a gente batizou o novo sistema de ‘momentos que importam’. Só reunimos as pessoas no escritório quando a relação humana se torna importante, como em reunião de comitê executivo. Não quer dizer que o contato presencial é melhor do que o remoto. Só é diferente.

Mas a pandemia ajudou a empresa, principalmente com a telemedicina…
Na telemedicina, já tínhamos comprado uma startup um ano e meio antes da pandemia. A Docway. A gente não sabia que viria uma pandemia. De repente, de 1 mil consultas por mês passamos a fazer 100 mil consultas por mês. A Docway já era uma parceira da SulAmérica, uma fornecedora. Ela começou a relação com a gente fornecendo tecnologia para atendimento em saúde para um serviço que se chamava de Médico em Casa. Fazíamos isso, de forma piloto. Naquela época não era um serviço regulamentado. Não era uma consulta.

Mais de dois anos depois de vender a carteira de automóveis para a Allianz, hoje a decisão se mostra acertada?
A gente não tinha a intenção de vender a divisão de auto, mas fomos provocados naquele contexto. Não colocamos à venda. Não houve um processo competitivo. Fizemos uma operação direcional com a Allianz, dentro de um relacionamento que já existia entre as companhias. E houve uma oferta de R$ 3,2 bilhões não solicitada por nós, o que nos provocou a pensar. Naquele momento estávamos investindo em telemetria, em produtos novos, a Susep já estava começando a flexibilizar a regulação… Tínhamos um plano muito bem construído para automóvel, um segmento em que autuávamos desde 1929. Tão simples quanto isso. O primeiro sinistro de automóvel no Brasil foi regulado pela SulAmérica. Então, vendemos não porque tínhamos uma operação menos rentável. Direcionamos nosso portfólio para proteção de pessoas, saindo do ramo de proteção de danos.

A venda da carteira de auto melhorou a saúde financeira da SulAmérica?
Não. O perfil da rentabilidade mudou. Não tem conceito de melhor ou pior. Só são modalidades distintas. São margens diferentes e demanda de capital diferente. Os seguros de automóveis são regulados pela Susep. Os de saúde são regulados pela ANS. As exigências de cada uma são diferentes. Na área de saúde, conseguimos ter uma carteira mais longa, com clientes que pretendem ficar mais tempo. Em automóvel, é uma vida de 12 meses, durante a apólice. A volatilidade é mais frequente.

“Como são as empresas que oferecem planos de saúde para seus funcionários, o desemprego atingiu o setor. Mas a pandemia gerou mais inclusão” (Crédito: Evandro Leal)

Por isso se decidiu focar só em saúde…
Não só saúde. Pessoas. Inclui saúde, vida, odonto, previdência e investimentos. Essas operações são mais sinérgicas. Desculpe pela expressão em inglês, mas são as divisões de health e wealth. E no Brasil, o conceito de wealth é meio deturpado. Tem empresa só de investimento que se apresenta assim. Nós tentamos apresentar uma proposta mais completa, não só de crédito, mas de serviços financeiros com caráter de proteção. Aí veio o conceito de saúde integral, que cresceu muito na pandemia, mas que já vinha sendo feito por nós nesse reposicionamento. O aspecto financeiro é superimportante para a saúde emocional e física. A gente atirou no que viu e acertou no que não viu.

Para onde foram os R$ 3,2 bilhões da operação com a Allianz?
Parte disso virou imposto de ganho de capital. Sobraram uns R$ 2 bilhões. Aí quitamos R$ 500 milhões do nosso endividamento e fizemos a compra da rede Paraná Saúde, da rede D’Or, por cerca de R$ 400 milhões, em 2020.

Então a relação com a rede D’Or, que agora aguarda aprovação de acionistas para a união com a SulAmérica, é antiga….
Sim. A gente fez essa transação porque a acreditamos que existe sinergia. Não se trata apenas de juntar as empresas e reduzir despesas. É a sinergia de otimização, de aumento de força, de estrutura de capital, de alinhamento de interesses. Mas não é uma verticalização. No dia 14 de abril serão realizadas as assembleias de acionistas para avaliar o negócio. Estou superconfiante na aprovação. Os conselhos já aprovaram. Depois faltam o Cade, a ANS, a Susep e o Banco Central. É possível que ainda leve de 12 a 18 meses. Juntos, seremos grupos com faturamento potencial de R$ 50 bilhões e patrimônio combinado de cerca de R$ 30 bilhões.

Como a SulAmérica vai cuidar da complexa equação de custos, que faz com que os planos de saúde sejam cada vez mais caros?
A inflação médica não é um problema apenas do Brasil e, portanto, não é um problema só da SulAmérica. A inflação médica é uma situação global. De forma geral, o custo da medicina é, em média, entre duas e quatro vezes a pressão da inflação oficial dos países. Então, essa é uma característica importante de se entender. Essa inflação existe porque o tempo todo são incorporadas novas tecnologias, porque a população envelhece, porque tem aumento de frequência de uso, porque surgem pandemias, endemias… Globalmente, a inflação médica é um combo de tudo isso. No Brasil não é diferente.

Mas com a inflação oficial acima de 10% no Brasil vai inviabilizar o acesso à saúde privada…
Existem instrumentos no Brasil para controlar eventualmente esse descontrole de frequência para tentar baixar um pouco mais essa questão do custo para níveis melhores. Temos uma grande escala. A SulAmérica, só em saúde, tem 2,5 milhões de beneficiários. Somando odontologia são 4,5 milhões de beneficiários. Já temos uma escala que nos permite fazer compras sem intermediação. A gente trabalha com os hospitais para evitar desperdício. Nós não ficamos mais contando agulhas e luvas usadas em um parto.Pagamos um valor fixo. Não sabemos fazer parto. Sabemos fazer a subscrição. Com isso, temos mais previsibilidade dos custos. São mecanismos para aplicar níveis menores de reajustes.

Mesmo assim os planos de saúde continuam sendo muito caros para a maioria da população…
Qual é esse conceito de caro? Eu trabalhei e vivi a crise energética de 2001 e posso dizer que a energia elétrica mais cara é a energia que não existe. O combustível mais caro é aquele que não está no posto. O reajuste dói. Claro que dói. Mas experimenta o custo de não ter. Esse é o preço mais caro. Ter uma proteção de um plano de saúde tira o risco de uma família ficar exposta a um custo direto de saúde que, esse sim, eu diria que é bem complexo de ser enfrentado pelas famílias, tá certo? Todos já devem ter conhecido situações pessoais de pessoas próximas que acabam tendo custos bastante onerosos, capazes de desestabilizar estruturas de orçamento.

Mas em um país de renda média de R$ 2.447, segundo o IBGE, em 2021, a maioria não consegue ter qualquer proteção…
Sim, nisso eu concordo com você. Mas em relação a quanto custa a saúde, é um produto relativamente barato e fundamental para acomodar a distribuição dos custos. É o princípio do mutualismo, a lógica do seguro.

“Qual o conceito de caro? O combustível mais caro é o que não está no posto. O reajuste dói? Claro que dói. Mas experimenta não ter [plano de saúde]” (Crédito:Danilo Verpa)
A crise econômica brasileira dificulta essa previsibilidade?
A crise do Brasil começou entre 2013 e 2014. Estamos quase fazendo aniversário de dez anos de crise. Naquela época, a taxa de desemprego saiu de 6% a 7% e foi para 11% ou 12%. Com a pandemia, chegou a 15%. Com isso, passamos no sistema de saúde suplementar de 50 milhões de vidas para 47 milhões de vidas. Como são as empresas que oferecem planos de saúde para seus funcionários, o desemprego atingiu o setor. Mas com a pandemia, mesmo com uma taxa de desemprego elevada, geramos outras forma de inclusão.

Isso porque a saúde virou prioridade?
Com certeza. A pandemia trouxe uma nova necessidade e gerou uma expectativa nas pessoas de terem acesso à saúde. Virou prioridade. Antes da pandemia, o ranking de necessidades das famílias era casa própria, educação de qualidade, um bom carro e dinheiro para viagens. Depois vinha a saúde. Agora, é casa própria e, em segundo lugar, a saúde. Ter um bom plano virou desejo.

Essa percepção de prioridade vai permanecer?
Pode ser que não, mas nós do setor não podemos deixar isso acontecer. A gente não pode desperdiçar crise.

Como assim?
O desperdiçar crise é deixar a saúde retornar a um patamar de importância menor. O SUS se destacou na pandemia por sua capacidade de atendimento, mas temos que destacar que o investimento em saúde suplementar desonera o SUS e ajuda a trazer maior consciência de uso e proteção adequado. É nisso que digo que não podemos desperdiçar a crise.

Como a judicialização da saúde influencia na definição das estratégias?
A judicialização da saúde tira a previsibilidade das empresas e onera a inflação médica. A judicialização é um ônus para o sistema que está fora das regras de regulação. É necessário que, cada vez mais, o judiciário entenda o nosso modelo de negócio, que o sistema trabalha para ter mais vidas incluídas, e não menos vidas, e que a judicialização deve respeitar o ambiente regulatório.

A consolidação, mais conhecida como concentração, não é prejudicial aos clientes?
Não existe concentração em um setor com 700 empresas para 49 milhões de vidas. Mesmo se fossem 400 empresas, não haveria concentração.