É um drama marcado por desequilíbrios, notas fora do tom e recorrentes apelos de saudosistas. A cada troca de guarda a Argentina parece querer dar um passo à frente e dois atrás. Quando o atual presidente e candidato à reeleição Maurício Macri chegou ao poder, prometeu a revolução liberal, a explosão do emprego e o ajuste das contas. Teve uma chance genuína. Boa intenção e pouca habilidade para tanto. Não conseguiu fazer vingar seu projeto — diga-se de passagem — na verdade por culpa efetiva de um legado tenebroso de sua antecessora. Mas eis que o fantasma volta a amedrontar.

Quase como uma fênix revigorada, a chapa kirchnerista encabeçada pelo preposto Alberto Fernández ganha corpo na reta final de campanha. E tem tudo a ver com o velho mantra que associa boa economia a político em alta. Macri não entregou e colhe o preço. Lamentavelmente, desde os aos 1950 a Argentina vem em solavancos, experimentando em média um ano de recessão para cada três de ajuste. Nos últimos tempos, a equação se inverteu. Na Bacia do Prata, os hermanos chafurdam numa inclemente crise. Bateu de novo às portas do FMI depois de um calote histórico anos atrás. Foi perdoada.

Recebeu novo aporte, da ordem de US$ 57 bilhões, tendo por fiança a credibilidade internacional do atual mandatário. A virada de jogo nas primárias da semana passada, com uma vantagem competitiva da chapa opositora de esquerda, quase colocou tudo a perder. Os mercados derreteram com o temor de uma falência do país. O peso chegou a desvalorizar em 30% em apenas um dia. Os juros pularam para 74% anuais e leilões de moedas de centenas de milhões de dólares colocaram as resevas do BC local na lona.

A epidemia alastrou-se pelos tidos países emergentes, Brasil incluso. É um movimento natural. Investidores enxergam incertezas ma região e saem em busca do porto seguro de economias estáveis. Há uma crise da dívida argentina despontando logo no raiar do ano que vem. Financiamentos a descoberto podem tornar impossível a rolagem dos empréstimos. O medo maior é que o populismo peronista incorporado pela chapa Fernández-Kirchner assuma o poder e promova retrocessos administrativos insuportáveis. É bem verdade que nem tudo está perdido ainda.

Ao contrário do que os mercados enxergaram, as primárias não são exatamente um primeiro turno das eleições. Seu efeito prático se dá sobre a escolha dos candidatos à presidência em cada partido. A diferença percentual não se refere a uma disputa mano a mano entre as duas opções. É natural que ao vislumbrar o que pode vir a ser uma hecatombe econômica — a amostra por esses dias foi bem clara — os eleitores tomem consciência da ameaça que correm indo numa direção errada. Como na milonga, os passos precisam ser muito bem estudados.

(Nota publicada na Edição 1134 da Revista Dinheiro)