Quando uma empresa é criada em uma garagem, cresce e se torna uma colossal companhia que tem valor de mercado de US$ 2,247 trilhões, não há dúvida quanto ao seu poder de transformação. O valuation da Microsoft supera em 55% o PIB brasileiro, de US$ 1,4 trilhão em 2020. Apenas sete países do mundo possuem o produto interno bruto maior do que o valor da empresa se alguém quiser comprá-la: Estados Unidos, China, Japão, Alemanha, Reino Unido, Índia e França. Uma potência com 182 mil funcionários espalhados em 120 subsidiárias pelo globo. O faturamento é igualmente estratosférico. Ano passado, as receitas atingiram US$ 168,1 bilhões, 18% superior à do ano anterior. É o equivalente a vender US$ 460,5 milhões por dia, US$ 19,2 milhões por hora. Uma máquina de fazer dinheiro e de transformar. Transformou a vida de seus fundadores, Bill Gates e Paul Allen. Transformou a vida de bilhões de cidadãos mundo afora ao popularizar o computador e ao criar um sistema operacional prático e eficiente, usado atualmente por 1,3 bilhão de pessoas. Transformou a sociedade.

Por aqui, onde atua há 32 anos, a Microsoft tem sido parceira das empresas na transformação digital e também na transformação social. Está inserida em projetos enormes como da Petrobras, em auxílio na perfuração de poços e ferramentas tecnológicas em embarcações e plataformas, ou junto a entidades sociais, como o Mães da Sé, a partir de aplicativo que utiliza reconhecimento facial e recursos de inteligência artificial. São 25 mil parceiros no País. “Vamos conseguir levar o Brasil a sair [do estigma] de ‘País do futuro’ para se transformar no presente nesse progresso tão desejável”, afirmou à DINHEIRO Tania Cosentino, presidente da Microsoft Brasil.

Neste momento, a Microsoft está inserida no contexto de um País com desemprego na casa dos 14,1% da população (ou 14,4 milhões de brasileiros sem ocupação), a informalidade no trimestre encerrado em agosto foi de 38% (31 milhões de trabalhadores que atuam por conta própria ou que não têm carteira assinada), recuo de 0,1% da economia entre abril e junho em comparação com o trimestre anterior, taxa de juros em alta, inflação em crescimento (8,99% nos últimos 12 meses) e um governo atabalhoado na condução do País. Mas a empresa não se furta de sua responsabilidade. E coloca para jogo seus algoritmos para o Brasil crescer. “Com 213 milhões de habitantes, temos de olhar para frente. A pergunta que faço é: ‘Como posso ajudar o Brasil a ser um País melhor, a despeito da política, a despeito das barreiras?’ Eu posso atuar pesado na área de educação, na área ambiental… Sou otimista.”

SETOR ESTRATÉGICO Companhia apoia a Petrobras na detecção de desvios de normas e incidentes em plataformas e navios. (Crédito:Alexandre Gentil)

Um dos motivos desse otimismo é o fato de o Brasil estar em pleno desenvolvimento tecnológico. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), em 2019 o país ultrapassou o Canadá e assumiu a 7ª posição global como produtor de tecnologia da informação e telecomunicações (TIC), ao movimentar US$ 57,5 bilhões no setor. Fatia importante de mercado angariada pela Microsoft – com o senão de que a empresa não quer ser protagonista em smartphones e tablets. Vivaldo José Breternitz, doutor em Ciências pela USP e professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Mackenzie, avalia que a gigante, dona do sistema operacional mais usado do mundo, “teve a capacidade de se transformar ao longo do tempo, mudou a forma em que vivemos e tem poder transformador no mundo dos negócios”.

A pedido da Microsoft, a consultoria americana FrontierView realizou estudo sobre o impacto da inteligência artificial na geração de emprego, na produtividade e no crescimento econômico do Brasil. De acordo com a análise, o uso pleno das funcionalidades proporcionadas pela IA pode adicionar 4,2 pontos porcentuais ao PIB do país até 2030. Para isso, empresas e o governo teriam de utilizar inteligência artificial para expandir suas operações, não apenas para automatizar tarefas. Em linhas gerais, será necessário estimular a adoção dessas tecnologias para a melhoria de produtos e serviços nos setores público e privado, o que levará à expansão dos negócios e maior acesso aos serviços públicos. Como consequência, aumentaria a demanda por mão de obra em profissões qualificadas, nos mais variados setores. A demanda por especialistas aumentaria dos atuais 34% do total de empregos para 54% até 2030.

EMPREGOS Com novas tecnologias e soluções inovadoras que vão surgir nos próximos anos, algumas atividades devem ser extintas para dar lugar a outras. Qualificação e requalificação profissional serão fundamentais nesse processo para absorver as demandas do mercado. Um problema a evitar é que a adoção de tecnologia não signifique apenas devastar empregos, ainda mais num lugar de pouco estudo e qualificação, como o Brasil. A Microsoft sabe disso. A forma com que Tania Cosentino toca no assunto, com consciência e sem fugir do tema, mostra que a empresa está atenta às consequências. “Uma série de posições vão ser eliminadas pela IA. Precisamos pegar a base da pirâmide do mercado de trabalho e elevar o poder deles para usufruir dos novos empregos gerados pela tecnologia”, afirmou. “Temos o foco estrutural de melhorar a educação do Brasil.”

LADO SOCIAL Reconhecimento facial e IA da Microsoft auxiliam na busca por pessoas desaparecidas do projeto Mães da Sé. (Crédito:Divulgação)

Do discurso à prática, a companhia lançou o programa Microsoft Mais Brasil, que fará um ano no mês que vem. Uma das vertentes é a Escola do Trabalhador 4.0, plataforma de ensino remoto desenvolvida em parceria com a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade do Ministério da Economia e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). São oferecidos cursos pela ferramenta Microsoft Community Training. O objetivo é atender até 5,5 milhões de candidatos a emprego até 2023. A empresa disponibiliza 58 instrutores para oferecer orientação personalizada para até 315 mil pessoas.

Qualificar e requalificar é importante, mas é preciso mais. É necessário conectar as pessoas aos empregos. A Microsoft testou sua IA para aumentar a eficiência do Sistema Nacional de Emprego (Sine) e colocou em prática solução de Business Apps a partir de abril para melhorar o sistema. Novas ferramentas da plataforma inteligente de orientação profissional serão instaladas de forma gradativa. Hoje são quase 20 milhões de cidadãos cadastrados, mas o os resultados ainda são muito baixos. “Temos de avançar nesse job match”, afirmou Tânia.

Ainda no campo da empregabilidade, a Microsoft anunciou em julho a disponibilidade no Brasil de 96 cursos gratuitos em português, em parceria com o LinkedIn, rede social profissional do grupo Microsoft, adquirida em 2016 por US$ 26,2 bilhões. “Já temos 2 milhões de pessoas inscritas nesses treinamentos”, disse a executiva. No total, 83 mil concluíram os cursos, 20 mil capacitadas em inteligência artificial.

INCREMENTO A Microsoft mantém robusto datacenter em São Paulo desde 2014 e instalou outro no Rio de Janeiro no ano passado. (Crédito:Divulgação)

ATUAÇÃO Empregabilidade por um lado, questões ambientais e sociais por outro. A Microsoft se aliou ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e ao Fundo Vale para lançar a ferramenta PrevisIA, que ajudará na prevenção do desmatamento da Amazônia com uso de IA. A solução entrou em funcionamento em junho. A partir da análise de dados é possível identificar tendências de conversão da floresta pelo desmatamento. “Antecipamos o problema, para ação das autoridades antes que o problema ocorra”, disse Tania Cosentino. A solução aperfeiçoou o modelo de risco de desmatamento e de territórios ameaçados, incluindo terras indígenas e unidades de conservação. As informações serão divulgadas publicamente em um painel de controle e poderão ser usadas por órgãos públicos para o planejamento e execução de ações preventivas, de combate e controle.

No campo social, a empresa investiu apenas em 2020 US$ 13 milhões para levar tecnologia gratuitamente para ONGs no Brasil. Já foram atendidas 1.765 instituições. Um dos projetos é o Mães da Sé, de São Paulo. Com apoio da companhia americana, o app do movimento possui inteligência artificial para ajudar a encontrar pessoas desaparecidas. São duas possibilidades: informar características físicas da pessoa (cor de pele, olhos, cabelo, altura) em um campo dedicado a isso ou tirar uma foto que será comparada ao banco de imagens da Mães da Sé cadastrado em uma plataforma armazenada em nuvem Microsoft Azure. Por meio de um algoritmo de reconhecimento facial, o app apresenta imagens de pessoas desaparecidas com fisionomias semelhantes para verificação.

Há também apoio a startups. Desde 2011, a Microsoft concedeuUS$ 202 milhões em créditos de nuvem a 7,5 mil empresas desse perfil no país. Nada disso, porém, são iniciativas puramente altruístas. Para Fernando Meirelles, professor do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da FGV (FGVcia), pode-se dizer que é um marketing do bem. “Ao fazer isso, a empresa tem uma visibilidade gigantesca. No fim, é um processo de ganha-ganha”, afirmou o especialista. “Para a gigante, em imagem, e para as entidades, com acesso a tecnologias que não teriam condições de pagar.”

MAIS VERDE Em parceria com o Imazon e o Fundo Vale, a empresa americana dispõe suas ferramentas para proteger a Floresta Amazônica. (Crédito:Marcio Isensee e Sa)

O pacote de ações transformadoras na sociedade e na economia não são, evidentemente, descolados de seu core de atuação. Por isso o foco da Microsoft em grandes contratos. Em um desses projetos o parceiro é a Petrobras. Desde 2019, a petrolífera brasileira usa inteligência artificial para aumentar segurança de trabalhadores em operações offshore. Câmeras de alta resolução captam imagem e os algoritmos da Microsoft analisam as tarefas para detectar desvios e incidentes, por exemplo. Em outra frente, os milhões de dados geológicos são avaliados para definir de maneira mais assertiva e eficiente as perfurações de poços em alto-mar.

Para suportar as atuais demandas e as que estão por vir, a Microsoft aumentou a capacidade de seu datacenter no Brasil, o que reforça o compromisso da companhia americana com o país. Deste 2014, uma infraestrutura robusta está instalada em São Paulo. Outro datacenter foi instalado no Rio de Janeiro ano passado. Para apoiar aplicações em nuvem, a Microsoft lançou em março deste ano as Zonas de Disponibilidade Azure na região existente ‘Brazil South’. Significa que os clientes têm possibilidade de ampliar a utilização das soluções da Microsoft, com resiliência e redundância, sem falhas. “Temos senso de urgência enorme”, afirmou Tania Cosentino. Os algoritmos estão disponíveis para garantir a evolução socioeconômica. É preciso usá-los com inteligência real. “E o Brasil não pode esperar. Caso contrário, a gente não cresce e a desigualdade só vai aumentar.”

ENTREVISTA: Tania Cosentino, presidente da Microsoft Brasil
“Acreditar em nós faz a gente ir mais longe”

Claudio Gatti

Tania Cosentino assumiu o comando da operação brasileira da Microsoft em janeiro de 2019 após uma carreira vitoriosa e consolidada no setor tecnológico. Nasceu e cresceu em Santana, Zona Norte de São Paulo. Filha de um comerciante e de uma dona de casa que largou o emprego aos 24 anos para cuidar da família e retornou ao mercado de trabalho aos 50, como gerente de recursos humanos daquela mesma empresa que deixara duas décadas e meia antes. “Minha mãe é uma inspiração para mim.” Tania começou a trabalhar aos 16 anos, como estagiária na Siemens, quando fazia curso eletrotécnico no Instituto Federal de São Paulo. Efetivada, ingressou na faculdade de engenharia elétrica na Faculdade de Engenharia de São Paulo. Passou pela Rockwell Automation e depois pela Schneider Eletric, onde ficou por 19 anos e foi presidente do Brasil e da América do Sul. Foi contratada pela Microsoft de maneira inusitada, após receber uma mensagem de “olá, tudo bem?” pelo LinkedIn. Com a pandemia, parou as aulas de dança de que tanto gosta. Os happy hours com amigos são virtuais. Outra “fonte de relax”, como ela diz, são “as duas filhinhas peludinhas” que recebem carinho na barriga entre uma reunião virtual e outra de Tania. “Me ajudaram a ter sanidade na pandemia.”

O que gosta de fazer fora do trabalho?
Sair para comer com amigos e viajar. Infelizmente este período me tocou nesses pontos. Os happy hours são virtuais. Gosto de dança. Fiz dança de salão. Estou morrendo de vontade de voltar. Faço ioga e pilates. Isso ajuda bastante para desopilar. Gosto de ler também. Tento encontrar tempo.

O que está lendo agora?
Acabei A Coragem de Ser Imperfeito, de Brené Brown, e estou também na metade do livro de Bill Gates Como Evitar um Desastre Climático. Li muitos neste ano sobre diversidade racial e também o da Melinda Gates, The Moment of Lift. Li Djamila Ribeiro e o livro da Rachel Maia.

Quem admira no mundo corporativo?
Paul Polman (ex-CEO da Unilever) traz a discussão da sustentabilidade antes de ter ESG. Gosto muito de Jean-Pascal Tricoire, da Schneider Electric, que também trouxe a sustentabilidade para o mundo da energia quando isso não era coisa comum. Admiro a visão dele. E o próprio Satya [Nadella, CEO da Microsoft]. É incrível como trata com profundidade os temas humanos, quando fala de empatia e diversidade. E não é da boca pra fora ou discurso decorado.

Qual é a frase ou palavra que você usa o tempo todo?
Intencionalidade. Estamos em um momento de mundo, de país e de sociedade que temos de ser intencional se quisermos provocar as mudanças necessárias. Não basta só discurso, não basta só otimismo. Temos que partir para a ação. Gosto do conceito de CEO ativista, com as causas que posso abraçar, com o poder da caneta que eu tenho. É uma palavra provocativa e nos leva para ação.

Qual seu maior medo hoje?
Morrer de Covid-19. Me considero uma sênior millennial. Tem tanta coisa que posso fazer ainda… Nunca tive medo de morrer, mas agora estou com muito medo de ficar doente. Tenho me cuidado bastante.

Qual a característica que não admite nos colaboradores?
Comando quase 900 pessoas no Brasil. Sou extremamente flexível, adaptável, mas sou tolerância zero a três coisas: desrespeito a regras de compliance; a qualquer tipo de assédio, não tem conversa; e às normas de segurança.

Pela sua história e posição, você torna-se naturalmente referência. Como é ter essa responsabilidade?
Levo minha carreira com muita leveza. Eu não sou exemplo a ser copiado. Cada um tem sua história. O que eu tento mostrar às mulheres é para elas terem o peso nos ombros apenas que a gente mesmo põe. Eu sempre acreditei em mim e entendi que, se eu quisesse carregar todas as caixinhas e ser perfeita em tudo ao mesmo tempo, iria falhar feio. O fato de acreditar em nós faz a gente ir mais longe.

Você tem trabalho reconhecido nas áreas de sustentabilidade e diversidade. É possível colocar esses temas na mesma prateleira do core e dos resultados financeiros da empresa?
Se não desse não estaria aqui. É muito legal ver nossos top executivos falando que existe uma empresa saudável em uma sociedade doente e desigual. Eu passo por inúmeros treinamentos. Uma empresa de tecnologia, que entra no âmago do negócio de outras empresas, tem de ser preparada.

As turbulências políticas e econômicas do Brasil atrapalham os planos?
Estou em multinacional desde o início da carreira. O Brasil sobe e desce, mas continua crescendo. Temos de olhar para frente. A grande pergunta que eu faço é: ‘Como posso ajudar o Brasil a ser um país melhor, a despeito da política e das barreiras?’ Eu posso atuar na área de educação pesado, na área ambiental… Transformação digital vai ajudar bastante. Sou otimista.