Maior gestora do mundo, com cerca de US$ 6 trilhões em ativos, a BlackRock nomeia o ex-presidente da BB DTVM para liderar sua nova fase no Brasil

O ano era 2012. O STF proferia as primeiras condenações no caso do mensalão, enquanto a ex-presidente Dilma Rousseff dava início ao segundo ano de seu primeiro mandato. O Brasil iniciava uma fase de reviravoltas na política e na economia, com os protestos de 2013 culminando no ruidoso processo de impeachment, na prisão de dois ex-presidentes da República (embora um já tenha sido solto pela Justiça), ex-governadores e empresários. Durante esses últimos sete anos a maior gestora de recursos do planeta, a BlackRock, com cerca de US$ 6 trilhões em ativos, preferiu ficar sem uma liderança no Brasil. Seu último CEO por aqui foi Luiz Felipe Andrade, que fez carreira no Unibanco e ficou à frente da asset no país entre 2010 e 2012. Agora, com uma visão mais positiva do que em anos anteriores, a BlackRock optou por se reposicionar na região. No início de março, nomeou Carlos Takahashi como CEO no Brasil. Cacá, como é mais conhecido, comandou de 2009 a 2015 a maior gestora de recursos do país, a BB DTVM, e se diz motivado pelo desafio de acelerar o crescimento local da BlackRock.

DINHEIRO — Por que a BlackRock ficou tanto tempo sem um CEO no Brasil?

CARLOS TAKAHASHI – Em 2012, a gestora optou por não colocar outro ‘country head’ e aguardar o momento em que tivesse mais claro para onde queria ir no País. A BlackRock está no Brasil há mais de dez anos e, mesmo em períodos mais difíceis, nunca fechou sua operação na região. Depois de escolher o Brasil como um dos países a se posicionar, a gestora sempre se manteve aqui. Claro que com um investimento maior ou menor, de acordo com os ciclos econômicos.

DINHEIRO – Então o que levou a BlackRock a voltar a ter um CEO agora?

TAKAHASHI – São diversos os fatores que levaram a BlackRock a escolher o País como prioridade na América Latina. O ambiente regulatório está mais adequado do que foi no passado e as condições macroeconômicas são mais propícias para nosso crescimento, com a taxa de juros em patamares aceitáveis, na casa de 6,5%. Isso vai trazer a necessidade de diversificação dos portfólios. Estamos no término de um ciclo muito confortável de investimentos de baixo risco com alta liquidez e rentabilidade. Esse mundo está mudando e a BlackRock enxergou isso.

DINHEIRO — Qual o tamanho da BlackRock no Brasil?

TAKAHASHI – Hoje a participação do Brasil é pequena para os resultados da gestora. São aproximadamente US$ 7 bilhões de recursos no País, para uma empresa de US$ 6 trilhões.

DINHEIRO – E qual é a importância do País em comparação com nossos pares latinos?

TAKAHASHI – O Brasil é atualmente o quarto país da BlackRock na América Latina. É preciso lembrar que a gestora considera Peru e Chile dentro do mesmo bloco, portanto temos México, Peru/Chile e Colômbia. A participação da gestora nessas três geografias é maior do que no Brasil.

DINHEIRO – A intenção é mudar esse ranking?

TAKAHASHI – Precisamos ter um nível de participação diferente do que temos hoje. A BlackRock não será grande na América Latina se não for grande no Brasil.

“A BlackRock não será grande na América Latina se não for grande no Brasil”País é apenas a quarta força da BlackRock entre os pares latinos (Crédito:iStock)

DINHEIRO – O que precisará mudar no trabalho que vinha sendo feito até então?

TAKAHASHI – A BlackRock manteve nos últimos anos uma taxa de crescimento no País compatível com o que ela entendia que deveria ter. Os times que passaram por aqui fizeram o que tinha de ser feito, procurando manter a marca com visibilidade e, de alguma maneira, foram os responsáveis por trazer o ETF (Exchange Traded Fund, um fundo passivo) para o País. A equipe que esteve aqui soube manter esse posicionamento e a operação rentável. Mas agora a intenção é dar outra velocidade e intensidade ao crescimento da gestora.

DINHEIRO — Qual a motivação para assumir uma operação desse porte depois da sua longa trajetória na BB DTMV?

TAKAHASHI – O principal aspecto é o desafio. Quando assumi a direção da BB DTVM, tínhamos R$ 200 bilhões em ativos sob gestão e estávamos por perder a liderança para o Itaú. Na ocasião, a margem de distância era de um dígito entre o patrimônio líquido da BB DTVM e do Itaú. E, por vários caminhos, sendo um deles a aquisição da Nossa Caixa, quando incorporamos um patrimônio importante, seguimos por uma trajetória de crescimento, com a ampliação do relacionamento com as diversas categorias de investidores e a segmentação entre os perfis. No fim, deixei a BB DTVM com cerca de R$ 700 bilhões.

DINHEIRO — O crescimento por meio de aquisições é uma possibilidade para a BlackRock?

TAKAHASHI – A gestora, nos Estados Unidos e em outras geografias, tem tido competência para crescer tanto organicamente como por meio de fusões e aquisições. A primeira grande aquisição nos Estados Unidos foi da asset do Merrill Lynch. Outra operação importante foi a compra do iShares do Barclays. E mais recentemente, na América Latina, a BlackRock adquiriu a asset do Citi Banamex. A gestora tem habilidade para provocar tanto o crescimento orgânico como por meio dessas ações de parcerias, incluindo fusões e aquisições.

DINHEIRO — E no Brasil?

TAKAHASHI – Se surgirem oportunidades que façam sentido, é algo que pode acelerar nosso crescimento.

DINHEIRO — A BlackRock seguirá com sua aposta em ETFs para crescer no mercado brasileiro?

TAKAHASHI – Vemos um espaço muito grande para os ETFs. Estudos acadêmicos mostram que esses fundos têm tido bom desempenho ao longo da história mesmo quando comparados com veículos alternativos mais ativos. Apesar de ser uma estratégia com base em índices, é possível ter uma alocação ativa com os ETFs — o que pode trazer retornos bastante interessantes. Entendemos que é uma ótima alternativa aos investidores, especialmente aqui no Brasil, onde começamos a ter sinais claros de busca por diversificação.

DINHEIRO – Qual perspectiva a BlackRock enxerga para a indústria brasileira de fundos?

TAKAHASHI – O mercado de investimentos no Brasil tende a continuar crescendo. Ainda somos um país muito mais poupador do que investidor e temos uma transição importante a ser feita. Acreditamos que não estamos nem no fim e nem no meio de um ciclo. Estamos nos aproximando do início de um novo ciclo de alocação de recursos no país.

DINHEIRO – O que ainda falta para uma diversificação mais intensa?

TAKAHASHI – Há muito por vir em termos de diversificação, porque de alguma maneira ainda existem coisas que precisam acontecer para que as decisões sejam tomadas. Ainda tem muita gente usando produtos mais líquidos, com os quais possam se mover o mais rápido possível para tomar decisões no momento que tivermos o cenário mais bem definido.

DINHEIRO – A taxa de juros na mínima histórica deve contribuir para esse novo ciclo?

TAKAHASHI – A taxa de juros não está nesse patamar por vontade política, mas sim porque as condições macroeconômicas a levaram a esse patamar. Isso faz com que a gente acredite que a Selic deve permanecer no nível de um digito por um prazo mais longo, o que deve favorecer uma diversificação maior das carteiras por parte dos investidores.

DINHEIRO – Qual a importância da aprovação da reforma da Previdência?

TAKAHASHI – De forma figurativa, a questão da Previdência significa encher o tanque de combustível do veículo. Não sei se vamos sair com o tanque cheio ou com ¾, mas o fundamental é que se coloque combustível no tanque do veículo. Não quer dizer que no caminho não vamos ter de resolver outras coisas, um pneu, uma lanterna, mas o fundamental é que o veículo tenha combustível para que possa seguir o seu caminho.

DINHEIRO – O senhor já tinha relacionamento com a BlackRock por seus tempos à frente da BB DTVM?

TAKAHASHI – Desenvolvemos na BB DTVM algumas coisas junto com a BlackRock quando lançamos o portfólio para fundos de pensão com investimento no exterior. O primeiro fundo de ações globais lançado na época pela BB DTVM foi exatamente com a BlackRock. Foi uma iniciativa bacana e com isso mantivemos uma boa relação, sempre discutindo novos produtos e ideias.

“A taxa de juros não está nesse patamar por vontade política, mas sim porque as condições macroeconômicas a levaram a esse patamar”Selic em 6,5% vai aumentar diversificação nos portfólios dos investidores (Crédito:Jarbas Oliveira)

DINHEIRO – Após sua aposentadoria esse relacionamento se manteve?

TAKAHASHI – Assim que me aposentei, a gestora me propôs atuar como consultor sênior. Com isso, dedicava uma pequena parcela do meu tempo para eles, acompanhando o mercado e os atualizando sobre o ambiente por aqui, com a maior diversificação e maior assunção de risco dos investidores. Falávamos sobre como essas coisas estavam caminhando e que espaço estava enxergando para os ETFs e o investimento no exterior.

DINHEIRO – O relacionamento prévio com a BB DTVM pode contribuir para novos produtos em parceria com a BlackRock?

TAKAHASHI – A BlackRock pretende ter acesso a todos os distribuidores que estiverem buscando as alternativas que possamos oferecer. Claro que consideramos o canal do BB extremamente importante para distribuirmos nossos produtos, mas os outros grandes bancos também fazem parte do nosso relacionamento, e vamos discutir bastante com todos a colocação dos nossos produtos. Além disso, há também as plataformas de arquitetura aberta.

DINHEIRO – Qual sua avaliação sobre essas plataformas abertas?

TAKAHASHI – Como toda competição, o surgimento e crescimento das plataformas é muito saudável e entendo que isso é completamente transformador. São novas tecnologias que trazem uma disrupção importante no relacionamento com os investidores e que vieram para ficar. Claro que ainda há uma presença muito relevante dos grandes bancos de varejo, mas seguramente eles já estão repensando seus modelos.

DINHEIRO – Qual a visão de um estrangeiro sobre os riscos e oportunidades no Brasil?

TAKAHASHI – Em uma análise microscópica dos emergentes, o Brasil é dos mais relevantes. E agora tem uma visão econômica mais aberta, mais pró-mercado, onde há incentivo ao setor privado e redução do Estado. São medidas que trazem um nível de competitividade que chama muito a atenção. E trazem também uma visão de oportunidades muito legal. O Brasil nunca deixou de ser um bom país sob os olhos da BlackRock e, de forma mais abrangente, acredito que os mercados globais nunca deixaram de olhar com muito interesse para o Brasil.

DINHEIRO – Então por que o fluxo de recursos estrangeiros ainda não está vindo com tanta intensidade?

TAKAHASHI – Níveis de instabilidade e pouca previsibilidade, como tivemos um bom pedaço da nossa história, fazem com que o fluxo e o comportamento dos estrangeiros tenham essa mesma instabilidade, mas não tenho dúvida que o ambiente macro que vem sendo construído dará condições fiscais mais adequadas e maior previsibilidade. E ao mesmo tempo uma agenda de privatizações, para colocar o país efetivamente como uma economia de mercado. Isso para empresas como a BlackRock e outras tantas traz uma oportunidade imensa. Num ambiente competitivo, vão ser bem sucedidos os que efetivamente o merecerem. É o ambiente da meritocracia empresarial que começa a estar presente aqui.

DINHEIRO – O que muda de seu papel de consultor para o de CEO da Black Rock no Brasil?

TAKAHASHI – O perfil da atividade de consultor é dar conselhos, um aqui outro ali, mas hoje sou o responsável pela execução, pela discussão das estratégias, pelo convencimento da empresa daquilo que precisa ser feito. Tenho também a responsabilidade de liderar a equipe. É um conjunto de responsabilidades muito mais amplo. Agora sou 110% BlackRock para fazer as coisas acontecerem aqui.