À frente da empresa que é sinônimo de chuveiro elétrico no Brasil e no mundo, o executivo que tem mantido crescimento constante na casa de dois dígitos há quase duas décadas afirma que investir em design e tecnologia valoriza a marca e impulsiona os negócios.

Quando chegou à Lorenzetti, há duas décadas, Eduardo Coli encontrou uma empresa que pegava dinheiro no banco para saldar dívidas que eram geradas por contratos de fornecimento com o governo, que não pagava o que devia. A companhia quase quebrou. “Aquilo gerou um trauma tão grande que decidimos nunca mais fornecer para o governo e nem pedir empréstimo em banco”, diz Coli. De lá para cá o crescimento tem sido constante. Em 2019, a Lorenzetti adquiriu, com recursos próprios, uma fábrica da Arno vizinha à sua principal planta em São Paulo. O investimento, de quase R$ 300 milhões em dois anos, somará 27 mil metros quadrados à área de produção da empresa e irá permitir que ela siga crescendo em ritmo chinês.

Dinheiro – Em 2019, ano em que a economia brasileira ficou praticamente estagnada, a Lorenzetti conseguiu crescer perto de 10%. O que foi feito para alcançar esse desempenho?
EDUARDO COLI – Para falar do resultado de 2019 a gente precisa entender como tem sido o crescimento da Lorenzetti nas duas últimas décadas. A empresa tem aumentado o faturamento ano após ano, de forma ininterrupta. Mesmo durante a crise financeira global, iniciada nos Estados Unidos e que afetou muitos mercados em 2008 e 2009, conseguimos avançar em vendas. O mesmo ocorreu durante o período de recessão aqui no Brasil, em 2015 e 2016, quando o PIB ficou negativo em mais de 3%. Muitos setores só agora estão se recuperando, principalmente a indústria. Nesse processo todo, a Lorenzetti tem sido um ponto fora da curva. A gente vem crescendo, crescendo, crescendo… Felizmente, em 2019, o faturamento foi 9,8% maior que em 2018. Conseguimos esse resultado em um ano extremamente difícil – e não por causa da questão econômica. O que nos prejudicou foi uma enchente terrível.

Quer dizer que o resultado poderia ter sido ainda melhor?
Em março do ano passado uma chuva inundou toda essa região onde está nossa fábrica. Ficamos literalmente debaixo d’água. Você olhava o rio Tamanduateí (que passa a 200 metros da principal planta industrial da Lorenzetti) e só via chuveiro boiando… As nossas máquinas, que são equipamentos sensíveis, com robôs controlados por softwares, ficaram inutilizadas. Tivemos de parar a produção por 32 dias até que as linhas pudessem ser consertadas. Vieram técnicos da Alemanha, da Itália, da Suíça. O impacto sobre a produção foi dramático. Até dezembro passado ainda havia rescaldos dessa enchente. Só não perdemos as vendas do inverno porque temos uma política de manter estoques.

A água não afetou os centros de distribuição?
Temos quatro CDs. Em todos eles houve algum alagamento, mas não o suficiente para danificar os produtos. Na fábrica a água chegou a dois metros. Perdemos a capacidade produtiva, mas não o que já estava pronto. Para nossa sorte, o inverno de 2019 atrasou. Como nossos produtos são sazonais, caso dos chuveiros e aquecedores, é no frio que as vendas aumentam. Conseguimos ajustar nossa oferta à demanda, mas tivemos grandes perdas. Para você ter uma ideia, alguns itens do estoque estavam em falta até janeiro. O que fez diferença foi a dedicação das nossas equipes. Não mediram esforços para recuperar a fábrica e colocá-la em funcionamento. Foi contagiante. Também devo reconhecer que tivemos apoio de fornecedores e até de concorrentes. Tudo isso contribuiu para crescermos quase 10% no ano passado.

“O resultado do que o Paulo Guedes tem feito na economia ainda não apareceu. Mas já há um novo ânimo no empresariado. Em vez de deixar o dinheiro aplicado, vale muito mais a pena investir no próprio negócio, que dá um retorno maior” (Crédito:Renato S. Cerqueira)

Além dessa enchente, de que forma o primeiro ano do governo Bolsonaro impactou nos negócios da empresa?
O resultado do que o Paulo Guedes tem feito na economia ainda não apareceu. Acredito que ainda vai aparecer. Mas algum efeito é já possível sentir: houve expansão do crédito, queda recorde de juros, liberação do FGTS. Isso tudo somando cria um novo ânimo e influencia a tomada de decisão do empresariado. Hoje, não interessa deixar o dinheiro aplicado a uma taxa de juros tão baixa que o retorno financeiro pode até perder para a inflação. Vale muito mais a pena investir no próprio negócio, que tende a gerar um lucro muito maior. Um chuveiro pode me dar 15% de margem? Então é nisso que eu vou colocar meu capital.

A Lorenzetti chegou a deixar de investir na produção devido a incertezas na política?
Nunca deixamos de investir e sempre com capital próprio. No fim de 2018, passada a eleição, vimos que haveria um espaço para crescer ainda mais e que nossa capacidade física estava esgotada. Havíamos adquirido vários imóveis, inclusive uma fábrica que era da Bosch. E mesmo assim a capacidade estava limitada. Então decidimos investir na aquisição da antiga fábrica da Arno, para construir uma planta inteiramente nova, em uma área de 27 mil metros quadrados. Foi nosso maior investimento na produção. Agora nossa área construída chega a 163 mil metros quadrados, em quatro unidades industriais.

Qual o investimento nessa nova unidade?
É um projeto de dois anos. Em 2019 investimos R$ 116 milhões. Neste ano investiremos mais R$ 180 milhões, dos quais R$ 76 milhões em novos produtos. É um valor bastante expressivo para o nosso faturamento, que em 2019 foi de R$ R$ 1,483 bilhão. Não podemos parar de investir em novos produtos, novos processos e novas tecnologias. Essa é uma fábrica completamente nova, contínua – nós elevamos o piso para não correr o risco de ficar submersos no futuro – e cuja localização tem a vantagem de estar muito perto da nossa matriz, onde se concentram todas as áreas de apoio e também a nossa logística. Dos nossos 5 mil funcionários, 4,5 mil ficam aqui – os outros 500 estão em Poços de Caldas (MG), onde adquirimos uma fábrica de louças sanitárias.

O que motivou a entrada da empresa nesse segmento?
Nosso investimento constante é em produto, processos e design. No caso das louças sanitárias percebemos uma oportunidade única que é fato de serem produtos cuja venda se dá nos mesmos pontos nos quais já entregamos as outras mercadorias – chuveiros, aquecedores e metais sanitários. Compramos essa fábrica pronta e a modernizamos para competir com os grandes nomes do setor.

Com essa diversificação, o portfólio está completo?
Ele nunca está completo. A nossa filosofia é entrar em todos os segmentos da construção civil dentro do nosso canal de distribuição. Eu vendo para varejistas, atacadistas, call centers de construção, alguns produtos para supermercados. Tenho uma equipe comercial montada no Brasil inteiro. Isso já está pago. Toda vez que eu pego um produto novo que já está nesses canais e coloco na minha linha, eu aumento os ganhos em termos da força de venda, distribuição, frete. É margem pura. Entra direto na linha do resultado. Foi o que fizemos no ano passado com bombas submersas, segmento que ainda não tinha uma marca forte como a Lorenzetti.

O investimento em design gera valor para a marca?
A inovação traz receitas novas e mais rentabilidade. A gente ainda fabrica o primeiro chuveiro elétrico Lorenzetti porque ele é um ícone. Mas a receita é muito maior em um produto com design premiado. Um chuveiro popular é vendido por algo entre R$ 35 a R$ 45. Nossos produtos de topo de linha, que trazem tecnologias avançadas, e receberam prêmios de design no Brasil e no exterior, chegam a custar R$ 350. A margem é muito maior, até porque o custo de produção é reduzido pelos processos de automação industrial. Ele não custa dez vezes mais para ser produzido.

Entrar no segmento de luxo ajudou a manter o crescimento constante da empresa?
Há mais de dez anos adotamos uma estratégia de ir sofisticando nossos produtos conforme percebíamos que a demanda aumentava. Até 18 anos atrás éramos uma fábrica de chuveiros elétricos. Fazíamos muito chuveiro popular. Com o aumento da renda que começou a ocorrer anos atrás, os consumidores passaram a buscar produtos melhores para a suas casas. E assim nós passamos a atender nichos que antes estavam fora do nosso portfólio. Para crescer, evidentemente tomamos mercado de alguém. Muitos fabricantes não inovaram, alguns por não ter capacidade de investir. Em 2001, entramos no mercado de purificadores de água. Hoje somos os maiores do segmento. No ano seguinte entramos para valer no mercado de aquecedores a gás. Em 2005 decidimos dar um salto e montar uma fábrica de metais sanitários. De lá para cá nos tornamos o terceiro maior produtor desses itens. No setor de plásticos sanitários metalizados nós somos líderes. A marca Lorenzetti é muito forte.

“Investir em design e tecnologia aumenta a margem operacional – e o custo de produção é reduzido pelos processos de automação industrial.” (Crédito:Dionisio Dias)

Mesmo assim ela quase quebrou…
No final dos anos 1980, a Lorenzetti fabricava equipamentos enormes para usinas hidrelétricas. Chaves comutadoras, painéis, disjuntores de até 800 mil volts. Era fornecedora do governo. Pegava dinheiro no banco para financiar a produção. E o governo não pagava. Com inflação nas alturas, o retorno era inviável. Precisamos entrar na Justiça para receber o que o governo devia. Dessa dificuldade tiramos duas lições: não pegar dinheiro em banco e não ser fornecedor do governo. Mudamos nosso modelo de negócio para conseguir sobreviver. Vendemos essa unidade para a Siemens e passamos a nos relacionar mais com o varejo da construção civil. Fizemos dele nosso grande parceiro estratégico.

Depois vocês se desfizeram de outra unidade, de interruptores e tomadas…
Até 2002 tínhamos uma fábrica de materiais elétricos de baixa tensão no Paraná. Naquele momento observamos que havia uma grande concorrência de multinacionais nesse mercado. A maioria dos produtos vinha da China e nós não tínhamos como competir com eles em preço. Saímos fora – e na hora certa. Vendemos aquela fábrica para a Pial Legrand, que depois acabou encerrando a produção local para trazer tudo da China.

Produzir chuveiro elétrico no Brasil é vantajoso?
Chuveiro elétrico é uma jabuticaba. Só existe no Brasil, em alguns países da América Latina, da África e da Ásia, onde o clima é quente. Para os países que estão dentro de certa faixa de temperatura, a tecnologia do chuveiro elétrico é a mais adequada e sustentável. No Chile e na Argentina, onde o clima é mais frio e não tropical como o nosso, eles usam aquecimento a gás. Nós exportamos para todos os países em que o chuveiro elétrico é usado. E somos líderes na maioria deles. Não existe produto melhor que o nosso para dar um bom banho em qualquer pessoa. Na Europa, na China, nos Estados Unidos não existe fábrica de chuveiro, o que faz com que sejamos extremamente competitivos. Um chuveiro de R$ 35 leva higiene para as pessoas e permite que economizem água e energia elétrica.