Como o Brasil não para de inovar em termos de esquisitices econômicas, agora ele passa por um fenômeno absolutamente inusitado que é classificado pelos técnicos como “inflação sombra”. Seria um formato diferente de carestia, no qual algumas empresas não aumentam os preços de produtos, mas cortam os serviços e a qualidade do que entregam. Em outras palavras: adotam algumas medidas de contenção de gastos que podem dar a seus clientes e consumidores uma experiência menos satisfatória. Tome-se o caso, por exemplo, dos hotéis, que mantêm o custo da tarifa, mas fornecem um atendimento de limpeza esporádico — não todos os dias, como é o habitual — e os restaurantes, com menos garçons, piorando o atendimento. Na prática, esse tipo de “inflação sombra” já começa a ser notada em diversas áreas. Mesmo da indústria. No setor automotivo, a variedade de cores nos modelos disponíveis diminuiu. E assim por diante. O País vai regredindo no padrão do que é ofertado, como forma de evitar a remarcação pura e simples dos preços, medida capaz de afugentar consumidores. Ao longo deste ano de 2021, é fato, a inflação segue aumentando em qualquer tipo de medição na qual seja avaliada. A retomada das remarcações ocorre com força e de maneira acelerada. Muitas empresas se deparam com o drama adicional da ruptura no fornecimento de matérias-primas. A cadeia de suprimentos, todos sabem, ficou comprometida. A escassez de mão-de-obra é outra triste realidade do processo, dada à necessidade de corte na composição do gasto final. As mudanças no padrão de qualidade poucas vezes são consideradas na variação final da taxa inflacionária, mas elas ocorrem e estão em vigor por aqui. É uma maneira esperta de driblar a correção dos preços para evitar a perda do consumidor. Agora, para conter a carestia, a bola está com o Banco Central. Apenas a autoridade monetária para evitar a fuga desembestada dos indicadores da inflação. Técnicos do Banco apontam que eles estão prontos para levar a taxa de volta ao prumo e a meta em 2022. Isso significa trazê-la ao patamar em torno de 4,5%. No momento, ela já rompeu o patamar de dois dígitos em termos anuais. Por fazer “o que for necessário”, como define a área de Gestão de Riscos Corporativos do BC, entenda o aumento consistente dos juros. É a arma disponível. Na verdade, a maioria da diretoria que faz a gestão do Banco acha que as remarcações da Selic já estão bastante atrasadas. Os técnicos acreditam que ela deveria estar em um nível bem acima do atual e que precisa subir com urgência. Na avaliação interna, a pressão inflacionária de hoje concentra-se especialmente em itens como energia elétrica e alimentos. Ambos movidos, em geral, por aumentos de caráter temporário. Ao menos assim considera o BC. De uma maneira ou de outra, o mercado financeiro reviu, pela 12ª semana consecutiva, a estimativa para o IPCA em 2022. E as projeções estão todas acima da meta. Com a tendência global de remarcações em cascata e com o câmbio cada vez mais desfavorável ao real, o desafio de colocar a inflação nos eixos cresce dia a dia. É torcer para tudo dar certo.

Carlos José Marques, diretor editorial