O debate a respeito da transitoriedade (ou não) da inflação segue quente. Aqueles que acreditam no seu caráter passageiro defendem que ela é decorrente de um clássico choque de oferta causado pela pandemia: faltam produtos para um determinado nível de demanda. Na medida em que as linhas de produção se normalizem e a logística de transportes volte a funcionar plenamente, a oferta se adequará à demanda e a pressão inflacionária diminuirá. Assim, segundo este cenário, o Federal Reserve não terá de subir muito – nem muito rápido – as taxas de juros para contê-la, mesmo levando em conta que vivemos em um ambiente inflacionário que remete ao início da década de 1990 aqui nos EUA.

No campo dos que defendem que a inflação não será tão transitória assim, o argumento é que aumentos de preços generalizados, mesmo que temporários, criam efeitos permanentes em uma economia aquecida. Ou seja, se a demanda segue firme mesmo com aumentos de preços, é sinal de que a economia tem condições de tolerar preços mais altos. E, num círculo vicioso, preços mais altos para o consumidor final exigem salários mais altos para os trabalhadores – a expectativa de preços mais altos no futuro alimenta essa roda. Quem viveu no Brasil dos anos 80 conhece bem essa história.

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A economia sofreu, sem dúvida, um choque de oferta com a pandemia. O problema, no entanto, é que o choque não foi somente esse. A resposta dos governos à crise sanitária provocou um aumento brutal da quantidade de moeda em circulação. O M2, indicador econômico que mede essa variável, apresentou em fevereiro de 2021 um crescimento de mais de 27% em relação ao ano passado. O último indicador, do mês de outubro, mostra crescimento de 13% sobre a base do ano anterior. Do cruzamento do choque de oferta com o aumento brutal da quantidade de moeda em circulação nasce a inflação que observamos hoje. Enquanto os fenômenos que a causam estão presentes, ela não vai parar de crescer. E também não vai embora sozinha: enquanto as cadeias de suprimentos se reorganizam, a única saída para jogar água na fogueira da inflação é reduzir, de imediato e com vigor, os estímulos monetários e fiscais.

O problema é que mexer em estímulos fiscais é pior que cutucar um vespeiro: os políticos querem sempre defendê-los, como ainda é possível observar no Brasil de hoje. Aqui nos EUA, apesar da adoção de um tom mais moderado até mesmo no partido Democrata, apertos fiscais só acontecem meio na marra, quando todas as outras alternativas foram esgotadas. Sobra mexer efetivamente nos estímulos monetários, que são abundantes.

Paul Volker, presidente do FED de 1979 até 1987, escreveu que “A estabilidade de preços pertence ao contrato social. O povo dá aos governos o direito de imprimir moeda porque confia que as autoridades eleitas por ele não vão abusar desse direito, ou seja, não vão reduzir o valor dessa moeda por meio da inflação”. Infelizmente, as autoridades eleitas sempre esticam esse mandato até a beira do irresponsável. A estabilidade de preços é uma atribuição básica do Banco Central, e cabe a ele atuar em sua defesa. Até agora, o atual presidente do FED, Jerome Powell, tem demonstrado uma atuação gradualista em face do problema – posição, inclusive, comemorada pelo mercado.

A história nos ensina que, diante de um grave perigo, o gradualismo em política monetária não é a melhor resposta. O conceito leva, necessariamente, a um ajuste mais forte no futuro. Talvez Powell esteja pisando em ovos enquanto espera a resolução sobre sua indicação para um segundo mandato, o que aconteceu na semana passada. É possível que ele mude sua postura daqui para a frente, especialmente se os indicadores de inflação continuarem acelerados. Tivemos uma indicação de que isso pode acontecer no seu testemunho à Comissão de Finanças do Senado nesta semana. A conferir, mas por enquanto o tom gradualista é dominante.

A continuação do gradualismo leva a uma persistência da inflação e a um dólar mais fraco, que a realimenta. Nesse cenário, o value investor deve buscar valor em empresas que conseguem comandar preços. A fidelidade do consumidor a um produto ou uma marca, o customer captivity, é fator determinante. O consumidor tem hoje o poder de compra, e quem comanda preços tem a capacidade de manter e aumentar margens de lucro. A Apple é um desses exemplos. Há ainda as empresas de varejo que possuem atuação e dominância locais, tanto via eletrônica como tradicional – é o caso da Amazon e da Wal-Mart, por exemplo. Vale a pena estudar.

A verdade é que não se falava tanto de inflação desde os anos 1980. Ela esteve domada, consistentemente abaixo da meta de 2% estabelecida para o FED, mesmo com as taxas de juros mais baixas da história. Agora, temos as taxas de juros mais baixas da história, um aumento substancial da quantidade de moeda em circulação, economia aquecida com PIB na casa dos 5%, taxa de desemprego de 4,5% e inflação rodando a 6%. Como já mencionamos acima, esse processo não para sozinho. Pelo jeito, 2022 promete ser bastante agitado.