O desafio histórico de aumentar a participação dos seguros no PIB brasileiro encontra agora um aliado no Open Insurance, que prevê maior competição no setor­ com a oferta de novos produtos e serviços.

O baixo investimento em obras de infraestrutura, o desinteresse de pequenas e médias empresas, que consideram o seguro muito caro, e as assimetrias geradas pela crise sanitária, cujo impacto nas companhias seguradoras foi sentido ao longo de 2021, pressionam os resutados das empresas de seguros, que terão de enfrentar mais concorrência com o Open Insurance. Para Jorge Sant’Anna, a maior penetração do seguro no País depende de uma conjugação de crescimento econômico e uso de tecnologias capazes de reduzir o custo dos prêmios e elevar o valor das coberturas.

DINHEIRO – Qual o panorama atual do mercado de seguros no Brasil?
JORGE SANT’ANNA — Infelizmente, o seguro no Brasil é extremamente deprimido. Dependendo da medida, ele chega no máximo a 2% do PIB, muito inferior a qualquer país com o qual se compare. Isso não é de hoje, e durante a pandemia só piorou. É verdade que houve um crescimento razoável do prêmio, da ordem de 21%. Mas, excluindo saúde e previdência, a indústria de seguros teve resultado líquido extremamente negativo, com destruição massiva de valor.

Se o prêmio aumentou, por que o resultado das empresas do setor caiu?
A empresa de seguro faz muito resultado com aplicação financeira. Todo o dinheiro que eu recebo do segurado tenho que guardar e só reconheço isso com o passar do tempo. O resultado combinado é a soma do que foi gerado na operação com o do investimento financeiro. Isso começa a ter uma ajuda agora com a Selic crescendo. As empresas passam a se recuperar, mas não pela operação em si. Segundo dados da Susep [Superintendência de Seguros Privados, autarquia da administração pública federal], até abril de 2022 contra mesmo período de 2021 o crescimento de prêmio foi de 17%, enquanto o do lucro líquido foi de 37%. No meu entender, o resultado das margens só irá retomar o nível de 2019 a partir de 2023. Este ano ainda é complexo.

A taxa de juros baixa explica o resultado ter caído pela metade em dois anos?
Em 2020 houve uma certa resiliência no segmento de automóveis. A sinistralidade foi menor devido aos lockdowns e a taxa de juros ainda não estava tão deprimida. Em 2021, a sinistralidade em automóveis e em vida começa a aparecer com maior intensidade. Outro fator importante é que pessoas físicas e pequenas empresas, que deixaram de contratar ou de renovar seus seguros por causa da crise, simplesmente deixaram de pagar os seguros já contratados. O índice de produção foi menor, a inadimplência cresceu e a rentabilidade ficou comprometida. Isso deve melhorar agora por conta do oxigênio do resultado financeiro, não pela operação.

E a sinistralidade do segmento saúde? Cresceu ou caiu após a pandemia?
Quem opera seguros de saúde passou bem esses últimos dois anos, mas agora há alguns fatores de perda de rentabilidade. Por exemplo, a telemedicina. Ela é uma maravilha para o paciente, mas se torna um grande ofensor do ponto de vista da sinistralidade porque as pessoas passam a fazer consultas com mais frequência, muitas em busca de uma segunda ou terceira opinião. E os médicos, até por falta de condições ideais de anamnese, acabam pedindo mais exames. Esse foi o primeiro drive do aumentou do nível de sinistralidade na saúde. O segundo drive foi o acúmulo de coisas não resolvidas durante os primeiros anos da pandemia. Nós nunca tivemos um índice tão pequeno de identificação de câncer quanto em 2020 e 2021. E nunca tivemos, como agora em 2022, tanta detecção de câncer em níveis mais avançados. Parte desse acúmulo é transitória para a saúde, parte não.

“A telemedicina é uma maravilha para o paciente. Do ponto de vista da sinistralidade, as pessoas passam a fazer mais consultas e os médicos pedem mais exames” (Crédito:Istock)

Ao mesmo tempo, o investimento em infraestrutura também foi inexpressivo…
A infraestrutura seria um grande vetor de crescimento não só dos seguros, com o seguro garantia, o seguro engenharia, como também do Brasil. Mas ela andou de lado nesses últimos anos. A despeito da competência do ministro Tarcisio de Freitas, a gente não conseguiu em momento algum fazer o que o governo dizia lá no início. A ideia era chegar a 2022 com um investimento de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões. Chegamos a R$ 148 bilhões até agora. Isso significa 1,7% do PIB. É muito abaixo do número preconizado por todos os especialistas da área, que consideram o investimento necessário para a infraestrutura entre 4% e 5% do PIB. Com 1,7%, fica impossível até repor a depreciação das obras existentes. O baixo investimento em infraestrutura levou a uma queda nos grandes seguros, que geram valores altos.

Se a indústria de seguros está em um momento fragilizado, a tendência é investir menos, inclusive em tecnologia, o que poderia ajudá-la a crescer. Qual a saída?
No mundo, o avanço das startups de seguro, chamadas insurtechs, se dá mais na distribuição. Segundo um relatório recente da Accenture, em 2025, o prêmio emitido em seguro, excluindo saúde e previdência, será de US$ 7,5 trilhões. Desse total, mais de US$ 1 trilhão virá da inovação, parte em novos riscos, parte em novos produtos. Um exemplo é o seguro embutido em algum outro produto. Quando você faz a assinatura de um carro, está contratando um seguro. É uma mudança de conceito: do B2C, com uma grande empresa vendendo seguro para um cliente, avançamos para o B2B2C, onde quem negocia o seguro não é mais a pessoa física e sim uma grande empresa, como a Localiza, que pelo volume de negociação que faz com a seguradora consegue pagar uma comissão muito menor. Esses seguros embutidos não serão mais comercializados por corretores e sim por plataformas. Outro impacto forte da tecnologia é na digitalização das subscrições. Nos Estados Unidos, pelo celular você contrata um seguro de vida, automóvel e residencial em 30 segundos. E mais: ele paga em até três minutos. Isso é possível pelos recursos de inteligência artificial que permitem conhecer muito bem cada cliente e planejar as perdas. A lógica de analytics faz com que ele não perca.

A tecnologia também está na base do Open Insurance, que prevê aumentar a concorrência no setor. Qual impacto nas empresas tradicionais?
O que o Open Insurance vai fazer é pegar todo o seu histórico, calcular o risco e buscar as melhores ofertas no mercado. Você vai pagar menos corretagem, um prêmio menor e a sua cobertura irá aumentar. Será uma porrada no resultado das seguradoras. E o único jeito de resolver isso é aumentar a penetração. Hoje, no Brasil, a penetração no mercado de automóveis, pegando toda a frota, é de 16%. Nos Estados Unidos, 80%. Se a seguradora diminuir pela metade o preço da contratação da cobertura e a penetração saltar de 16% para 30%, nenhum tostão seria perdido.

E como reduzir o preço do seguro?
Entrando com novas tecnologias, que permitem contratar o seguro intermitente, baseado em uso. Isso é muito difícil para as empresas que hoje têm toda a receita baseada em um seguro 24/7. A ciência de dados permite calcular agravamentos de risco para premiar ou punir segurado de acordo com seu comportamento. Esse aprendizado é contínuo. Seguros inteligentes vão proporcionar melhores resultados para as companhias, mas a inovação impõe uma perda de receita imediata. É por isso que normalmente quem faz a disrupção não é a empresa líder. A Amazon montou uma seguradora na Índia para vender uma série de produtos que ela não conseguia encontrar no mercado.

“A infraestrutura seria um grande vetor de crescimento não só dos seguros como também do Brasil. Mas ela andou de lado nesses últimos anos” (Crédito:Rubens Cavallari)

O Open Insurance permitirá a outras empresas disputar o mercado?
A indústria de seguros que está no mercado hoje terá de se reestruturar para esse novo modelo. Nossa estimativa é que desde 2020 algo como 3 milhões de pequenas empresas no Brasil tiveram algum tipo de sinistro para o qual não haviam contratado seguro. Muitas provavelmente desapareceram em função disso. Entender as necessidades do cliente para oferecer os produtos adequados é fundamental para se manter nesse novo mercado. E isso dá a chance para os entrantes.

E quem seriam eles?
Todos os bancos digitais estão com programas de seguros embarcados em seus produtos financeiros. Eles têm tecnologia, conhecem os clientes e podem fazer ofertas que os grandes não conseguem. Por outro lado, o peso regulatório do setor é tão grande que as fintechs são incapazes de atender plenamente.

A implementação total do Open Insurance vai criar um novo tipo de empresa, a iniciadora de serviços de seguros. É o fim do corretor?
O corretor será uma figura de relacionamento e terá de ajudar as empresas a se adequar à nova jornada do cliente. Porque as sociedades iniciadoras de serviços de seguro passarão a oferecer produtos altamente diferenciados. O corretor hoje não tem interesse em vender um seguro empresarial porque a margem dele é pequena. O banco faz pior ainda: obriga quem pede capital de giro a contratar seguro. Isso tudo leva às penetrações baixíssimas que temos hoje.

O Open Insurance pode facilitar a venda de seguros para a baixa renda?
Para chegar à baixa renda, o que fará a diferença é o Pix. Ele permite contratar seguros de menor valor sem gerar custo adicional. Se a seguradora emitir um boleto para um seguro de R$ 60, cerca de 15% disso fica com o banco.